De medo
também se vive
Maria Augusta Tavares
Professora Doutora e vivente das Alagoas
O
desconhecido costuma exercer fascínio e medo. Para o bem e para o mal nem
sempre o medo predomina.
Não
fossem os curiosos, os ousados, os aventureiros, os que são movidos pelo
fascínio do novo, em lugar desse mundo global, onde hoje vivemos, as pessoas
estariam segregadas, vivendo em pequenos grupos, isoladamente. Isso é bom ou
mau? Alguém poderá listar, nesse mundo hipotético e ensimesmado, inúmeras
vantagens. Provavelmente, essas vantagens tenham como primeiro objeto o coronavírus. Nesse suposto
isolamento, não haveria risco de contágio e de disseminação rápida de qualquer
doença, uma vez que cada povo já vivia distanciado um do outro.
Que
ideia louca! A meu favor, o tempo não está para normalidades. A minha hipótese
por certo implicaria condenar cada pequeno povo ao isolamento para todo o
sempre. Convenhamos que, dadas as imensas conexões promovidas pelo desenvolvimento,
é impossível conceber um modo de vida com essas características. Hoje, nem os
indígenas, apesar das políticas de preservação, conseguem viver completamente
isolados da sociedade global.
Voltamos
ao começo: apesar de todo o desenvolvimento, apesar de o mundo ter-se tornado
uma aldeia global, onde as descobertas estão acessíveis a todos os que podem
pagar por elas, estamos diante de um desconhecido, que a ninguém faz concessão.
Não diria que pobres e ricos o enfrentam da mesma maneira, mas não vou enveredar
pela discussão de classe, porque é outro o foco. Interessa-me falar do medo que
esse desconhecido nos causa. Arrisco-me a dizer que a maioria – de pobres e
ricos – está com medo.
Traiçoeiramente,
o que parecia conhecido sofreu mutações e ao assumir uma nova identidade
colocou a humanidade diante de perguntas para as quais, até agora, não se tem
resposta. O coronavírus, segundo os cientistas, é um velho mutante, uma espécie
de juiz, que se torna ministro com o propósito de aumentar a abrangência de sua
letalidade. Combatê-lo requer, novamente, muita pesquisa, muitas tentativas e
erros, até que se descubra uma vacina, tal como aconteceu com tantas outras
doenças. Mas, até lá, ou adotamos o medo como companhia ou morremos.
Covardemente,
eu tenho morrido todos os dias. Há dias em que morro uma vez, há outros em que
morro tantas vezes, que até confundo o personagem. A mim, o coronavírus se
apresenta de diferentes formas, nunca sozinho, sempre aos bandos: a
Coronamãe à frente, a abrir caminho para
milhares de coroninhas, que não pedem licença para invadir minha cama, minha
mesa, minhas compras, minhas roupas, minha comida, meu corpo.
Sei que,
objetivamente, não podemos culpar ninguém por essa invasão, tampouco podemos
brigar com um parasita, cuja existência está condicionada à disponibilidade dos
nossos corpos, para que possa encarnar-se sucessivas vezes e banquetear-se como
lhe aprouver. Eu só posso ser frontal a ele, se deixar que ele exista em mim.
Na melhor das hipóteses, eu posso me prevenir contra ele, embora não seja
fácil, pois, como num ritual de posse do vodu africano, o coronavírus
transforma o homem possuído no seu cavalo. E monta, sem pedir licença.
Não
fossem os curiosos, os ousados, os aventureiros, os que são movidos pelo
fascínio do novo, em lugar desse mundo global, onde hoje vivemos, as pessoas
estariam segregadas, vivendo em pequenos grupos, isoladamente. Isso é bom ou
mau? Alguém poderá listar, nesse mundo hipotético e ensimesmado, inúmeras
vantagens. Provavelmente, essas vantagens tenham como primeiro objeto o coronavírus. Nesse suposto
isolamento, não haveria risco de contágio e de disseminação rápida de qualquer
doença, uma vez que cada povo já vivia distanciado um do outro.
Que
ideia louca! A meu favor, o tempo não está para normalidades. A minha hipótese
por certo implicaria condenar cada pequeno povo ao isolamento para todo o
sempre. Convenhamos que, dadas as imensas conexões promovidas pelo desenvolvimento,
é impossível conceber um modo de vida com essas características. Hoje, nem os
indígenas, apesar das políticas de preservação, conseguem viver completamente
isolados da sociedade global.
Voltamos
ao começo: apesar de todo o desenvolvimento, apesar de o mundo ter-se tornado
uma aldeia global, onde as descobertas estão acessíveis a todos os que podem
pagar por elas, estamos diante de um desconhecido, que a ninguém faz concessão.
Não diria que pobres e ricos o enfrentam da mesma maneira, mas não vou enveredar
pela discussão de classe, porque é outro o foco. Interessa-me falar do medo que
esse desconhecido nos causa. Arrisco-me a dizer que a maioria – de pobres e
ricos – está com medo.
Traiçoeiramente,
o que parecia conhecido sofreu mutações e ao assumir uma nova identidade
colocou a humanidade diante de perguntas para as quais, até agora, não se tem
resposta. O coronavírus, segundo os cientistas, é um velho mutante, uma espécie
de juiz, que se torna ministro com o propósito de aumentar a abrangência de sua
letalidade. Combatê-lo requer, novamente, muita pesquisa, muitas tentativas e
erros, até que se descubra uma vacina, tal como aconteceu com tantas outras
doenças. Mas, até lá, ou adotamos o medo como companhia ou morremos.
Covardemente,
eu tenho morrido todos os dias. Há dias em que morro uma vez, há outros em que
morro tantas vezes, que até confundo o personagem. A mim, o coronavírus se
apresenta de diferentes formas, nunca sozinho, sempre aos bandos: a
Coronamãe à frente, a abrir caminho para
milhares de coroninhas, que não pedem licença para invadir minha cama, minha
mesa, minhas compras, minhas roupas, minha comida, meu corpo.
Sei que,
objetivamente, não podemos culpar ninguém por essa invasão, tampouco podemos
brigar com um parasita, cuja existência está condicionada à disponibilidade dos
nossos corpos, para que possa encarnar-se sucessivas vezes e banquetear-se como
lhe aprouver. Eu só posso ser frontal a ele, se deixar que ele exista em mim.
Na melhor das hipóteses, eu posso me prevenir contra ele, embora não seja
fácil, pois, como num ritual de posse do vodu africano, o coronavírus
transforma o homem possuído no seu cavalo. E monta, sem pedir licença.