O Coronavírus e a Política Econômica da Morte
Amaro Hélio Leite da Silva
Professor dr. Do IFAL/AL, Coordenador do Neabi/Ifal
O vírus chegou –
invisível e silencioso –, e com ele uma nova ordem mundial de convivência
social e sanitária; ou será de desordem? Talvez seja para a nossa vida de
trabalhador, mas não para a estrutura de mando político e econômico. Como toda
doença nova, ela provoca medo, incertezas, prejuízos e mortes. É verdade que já
vivíamos as incertezas e angústias geradas pela política ultraneoliberal do
governo Bolsonaro, mas não imaginávamos que poderia ser pior. Que fazer? Não
sei, mas parece que a razão e o bom senso dizem que o melhor é preservar a vida.
Vivemos
a terceira semana de quarentena; a vida parece que tá de cabeça para baixo. A pandemia
desorganiza, muda a rotina; só não muda a estrutura de mando, como bem lembrou
o professor Sávio de Almeida no seu livro clássico Alagoas no Tempo do
Cólera. A vida está em risco, um vírus impede a convivência aberta e mais
próxima com o outro, pelo menos por um tempo ainda indefinido. Em nome da vida,
precisamos ficar em casa.
Não
podemos relativizar a morte dos idosos. Eles são a base da nossa formação
familiar e social. Talvez o raciocínio egocêntrico do “capitão de Brasília” e
seu capitalismo selvagem procure descartar os nossos anciões, como se eles já
não tivessem mais utilidade e que a morte pelo vírus fosse inevitável. Não queremos
perder nossos pais, avós ou os nossos queridos amigos de cabelos brancos. Com
eles, aprendemos a viver e a ser gente, aprendemos a amá-los e queremos protegê-los.
Os povos indígenas sabem disso muito bem, como afirma Daiara Tukano, “já que um dia todos nós voltaremos ao grande
espírito e à mãe terra, a melhor forma de agradecer por essa luta [dos anciões]
é dedicando a eles nossa reverencia, respeito, cuidado, carinho e ouvidos”.
Nesse
contexto de pandemia, minha escrita parte de um lugar privilegiado. Sou
professor-trabalhador, tenho uma casa, uma família e uma renda para garantir o
meu isolamento. Na periferia de Maceió ou nas favelas do Brasil a realidade não
é essa, pois sabemos que o desemprego, a falta de moradia e as péssimas
condições sanitárias levam as pessoas desses lugares a buscar,
obrigatoriamente, alguma forma de renda, e isto significa conviver
diuturnamente com a incerteza do pão na mesa, com a violência, a doença e a
morte.
Periferia
e necropolítica
A
covid-19 ou o coronavírus como é mais conhecido esbugalhou as nossas mazelas
sociais e políticas; as mazelas da desigualdade social que concentra riqueza e
gera um número crescente de pobres e miseráveis, que empilham os seus barracos
nos morros e grotas ou vivem pelas ruas em busca de alguma migalha de alimento e
abrigo. São as mazelas criadas pelo processo predatório de acumulação de
capital e de consumo. O vírus é uma doença biológica, mas sua disseminação e
seu poder de dizimação dependem muito da forma de organização social e política;
sobretudo nas periferias onde a ausência dos serviços públicos essenciais leva
os seus moradores a contraírem as doenças da miséria. É o que o pensador
camaronês Achille Mbembe chama de necropolítica; ou seja, a capacidade
que tem o poder de escolher quem pode viver e quem deve morrer, como atributos
fundamentais da soberania.
Esta
semana tive que sair para comprar pão na padaria; a rua estava mais ou menos
vazia. No caminho, encontrei o Luiz, que vive realizando pequenos trabalhos
(“bico”) pelas ruas da avenida Rotary, em troca de algum dinheiro. Perguntei
como é que ele estava passando nesse contexto de pandemia. Sua resposta foi
rápida: “Eu não tenho medo da morte; sei que a gente vai morrer um dia...” Ao
se despedir, saiu com seu carro de mão e acrescentou: “Até mais seu Amaro, vou ver
se consigo algum trocado por aí”. Sua fala demonstra a consciência da relação
entre vírus e morte, mas, ao mesmo tempo, demonstra também o imperativo da
necessidade de subsistência, que o obrigava a buscar alguma fonte de renda. Ele
é um dos moradores das grotas da cidade, onde a linha entre a vida e a morte é
tênue.
Semana
passada, fui ao Jacintinho e, ao levar os meus pais para a vacinação contra a
gripe, lembrei do Luiz. No caminho, vi as ruas bem movimentadas do bairro,
sobretudo as ruas da ferinha, onde as pessoas vendiam e compravam de tudo,
aparentemente, sem um mínimo de preocupação de contágio. Perguntei aos meus
pais se era assim todos os dias, eles disseram que sim e, inclusive, eles
próprios não estavam se importando muito com o isolamento, pois era besteira e
que Deus os protegia. Foi difícil convencê-los, mas depois de muita conversa e
vendo o avanço do número de contaminação e mortes, eles, agora, não largam o
kit de proteção: máscara, álcool em gel, água, sabão e, o fundamental, ficam em
casa.
Reinventando
a vida
Em
casa, fizemos uma reunião com os meninos para dividir algumas tarefas, mas não
foi nada fácil. Na primeira semana, foi impossível, tudo era muito novo e
incerto. Não sabíamos o que estava acontecendo e nem como lidar com o problema
do vírus e do isolamento; não tínhamos hora certa para dormir, para acordar e
tão pouco para fazer as refeições. A partir da segunda semana, começamos, de
fato, a organizar a nossa vida doméstica. Passamos a estabelecer um horário
limite para dormir e acordar, além de estudar e fazer as refeições. Os meninos
reclamaram um pouco, mas terminaram cumprindo mais ou menos a nova rotina. O
problema é que não dá pra exigir muito quando é difícil até pra nós que somos
pais.
Chegamos
a terceira semana mais organizados, porém ainda muito preocupados e ansiosos
com a possibilidade de contágio e, sobretudo, com o nosso futuro. Eu e a Lu
somos funcionários públicos e para nós – bem como para todos os trabalhadores –
as perspectivas não são nada boas. Agora, tudo parece mais complicado e
ameaçador.
Os
analistas mais otimistas apontam para uma renovação da política econômica, um
repensar da produção e do homem. Não sei se isso é possível. Só tenho uma
certeza, a de que se continuar essa política predatória do Estado e da natureza,
a vida continuará ameaçada pelo vírus e pela “economia da morte” de Brasília.
Projeto Memória da
Pandemia nas Alagoas
Coordenação
Luiz Sávio de Almeida
e José Carlos Silva de Lima
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ou não, em parte e no todo, com a matéria publicada
Nosso objetivo é
deixar um painel diversificado sobre a pandemia nas Alagoas