121 dias passados
Irina Costa
Sexta,
13 de março de 2020. Chega uma notícia apressada de que devíamos levar os
computadores para casa: tudo ia fechar. Sim, ele havia chegado. Aquele vírus,
que eu acreditava estar tão longe, do outro lado do mundo, estava entre nós e
veio com vontade de ficar.
Quase
como quem recebe uma ordem de que é preciso sobre”viver”, fui ao supermercado
comprar comida, mantimentos, álcool, máscaras e luvas (que a essa hora já
estavam sendo vendidos a preço de ouro), numa corrida desenfreada pelas últimas
garrafas de álcool disponíveis no mercado.
FIQUE EM CASA!! Essa foi
a palavra de ordem.
VAI PASSAR!! O mantra
que eu carrego até hoje.
Numa confusão de sentimentos e uma enxurrada
de informações, tudo era muito incerto. Ver e ouvir o noticiário era sinônimo
de tristeza e preocupação. Mas com a certeza: não poderia haver medo. Não é/era
um sentimento que eu permitiria chegar até mim. Cuidado, sim. Medo, não.
Justamente pela possibilidade de abalar a fé, de paralisar os bons pensamentos
que, fundamentalmente, me mantém bem e forte para cuidar de mim e dos meus.
Passada
a fase do susto inicial, a ordem foi reaprender. Estabelecer contatos virtuais,
cuidar do outro à distância, não ver tanto noticiário. Cuidar do espaço que
nunca fez tanto sentido para mim: CASA!
Das
tantas coisas já vividas nesse tempo de vida ao avesso (ou vida em pausa
parcial), perdi o meu avô paterno, o Dudu, e, antes mesmo que ele se fosse, a
vida me fez reaproximar dos meus tios e prima, como num aviso antecipado de que
um capítulo da nossa vida viraria história com a partida dele.
Fomos
dando um jeito de viver. De estar perto, mesmo longe. Partidas, chegadas.
Aniversários celebrados à distância,
virtualmente. O dia das mães sem abraço, mas com a imagem guardada pra sempre:
ver a minha mãe, a minha Gabi, da porta de casa, tão linda. Vestido novo.
Maquiada. Pra me ver. Sem poder entrar para abraçá-la, aquela, certamente, é
uma das imagens que marcam a minha “quarentena”.
Dos
dias inesperados: gravei e ganhei músicas, retomei contatos com pessoas
queridas, Thiago salvou um cachorrinho (Pirata) que, milagrosamente, está vivo
e foi adotado. Ajudamos amigos. Deu-se um reencontro há muitos anos esperado.
Dos dias difíceis: as partidas antecipadas. Perdas que foram chegando mais
perto de nós. Dos dias alegres: estar com saúde, ver o sol, o mar, ter alguém
para amar e cuidar... e rir. Só por estar aqui.
E
fomos/vamos vivendo uma rotina, sem rotina. Casa pra arrumar, amores para
cuidar (Sofia, Thiago e os três doguitos da família), teletrabalho. Um mundo
adaptado. Com muito riso e lágrimas. Está demorando a passar. E os dias tão
ocupados e cheios de afazeres, se misturam à dor das perdas de tantos, à
angústia e às incertezas de um País que parece naufragar no mar da pandemia.
Mas…
e se não passar? Nada será como antes. Mantenho a fé no mundo. Disseram que
2020 seria um ano de profundas mudanças, onde o reencontro com a
espiritualidade se fazia necessário. Não mentiram. Os tempos vividos são
divisores de água, de transformação. É muito além do vírus. É sobre
conscientização política, ambiental e humanitária, a nível mundial, sobre
causas que nunca adormecem, sobre não se saber do “amanhã”. É sobre ver as
águas de Veneza ficarem cristalinas e ouvir o silêncio... dos carros... do
homem... que fez acordar os pássaros e as borboletas da cidade.
O
ser humano é um animal que vai mudando o mundo, e depois tem de ir se
reciclando, para se adaptar ao mundo que fabricou. Passamos pela era da
individualidade e agora sentimos falta de estarmos juntos. Passávamos tanto
tempo “agarrados” ao celular e desconectados do mundo ... quando veio a
necessidade de nos aquietarmos, de ficarmos isolados, e usarmos o mundo virtual
como ferramenta para diminuir distâncias, ficamos em pânico com essa
possibilidade.
Há
coisas e fatos ruins? Há. Sempre haverá. Preciso, e prefiro, ficar com as boas
coisas que vejo refletirem no ser humano. É quase uma urgência falar sobre o
amor.
Precisamos
ter de volta os “dias comuns”. Há muitos anos, recebi um e-mail que falava
sobre a chatice dos dias comuns. E o quanto era importante agradecer pela
existência desses dias. Nos dias comuns, não adoecia tanta gente, não havia
tanto desemprego, não se perdia tanta gente que se ama, não havia catástrofes.
Era tudo igual. Para tanta gente, os “dias comuns”, afinal, eram dias de paz.
E
ter dias comuns vai além da vacina contra o vírus. Temos a chance de olhar para
dentro, para poder olhar para fora. A oportunidade, ainda que sofrida, de
perceber (e sentir) o outro. Mesmo
sabendo que todos os dias pessoas vão ter fome, vão perder empregos, vão
partir… Mas que nós não vamos ser tão indiferentes.
121
dias passados. E assim chegamos a julho de 2020. 45 anos e meio. Cabelos
brancos descortinados pelo isolamento. E a fé de que será tudo novo. De novo.
Olhos postos no presente, já que 2020 veio nos mostrar que o futuro mudou,
desfez-se. E já começo a ouvir menos os pássaros...
O blog pode concordar, no todo ou em parte, com os textos publicados