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sábado, 11 de julho de 2020

Irina Costa. 121 dias passados


121 dias passados
                               Irina Costa


Sexta, 13 de março de 2020. Chega uma notícia apressada de que devíamos levar os computadores para casa: tudo ia fechar. Sim, ele havia chegado. Aquele vírus, que eu acreditava estar tão longe, do outro lado do mundo, estava entre nós e veio com vontade de ficar.

Quase como quem recebe uma ordem de que é preciso sobre”viver”, fui ao supermercado comprar comida, mantimentos, álcool, máscaras e luvas (que a essa hora já estavam sendo vendidos a preço de ouro), numa corrida desenfreada pelas últimas garrafas de álcool disponíveis no mercado.

                        FIQUE EM CASA!! Essa foi a palavra de ordem.
                        VAI PASSAR!! O mantra que eu carrego até hoje.

 Numa confusão de sentimentos e uma enxurrada de informações, tudo era muito incerto. Ver e ouvir o noticiário era sinônimo de tristeza e preocupação. Mas com a certeza: não poderia haver medo. Não é/era um sentimento que eu permitiria chegar até mim. Cuidado, sim. Medo, não. Justamente pela possibilidade de abalar a fé, de paralisar os bons pensamentos que, fundamentalmente, me mantém bem e forte para cuidar de mim e dos meus.

Passada a fase do susto inicial, a ordem foi reaprender. Estabelecer contatos virtuais, cuidar do outro à distância, não ver tanto noticiário. Cuidar do espaço que nunca fez tanto sentido para mim: CASA!
Das tantas coisas já vividas nesse tempo de vida ao avesso (ou vida em pausa parcial), perdi o meu avô paterno, o Dudu, e, antes mesmo que ele se fosse, a vida me fez reaproximar dos meus tios e prima, como num aviso antecipado de que um capítulo da nossa vida viraria história com a partida dele.

Fomos dando um jeito de viver. De estar perto, mesmo longe. Partidas, chegadas. Aniversários  celebrados à distância, virtualmente. O dia das mães sem abraço, mas com a imagem guardada pra sempre: ver a minha mãe, a minha Gabi, da porta de casa, tão linda. Vestido novo. Maquiada. Pra me ver. Sem poder entrar para abraçá-la, aquela, certamente, é uma das imagens que marcam a minha “quarentena”.

Dos dias inesperados: gravei e ganhei músicas, retomei contatos com pessoas queridas, Thiago salvou um cachorrinho (Pirata) que, milagrosamente, está vivo e foi adotado. Ajudamos amigos. Deu-se um reencontro há muitos anos esperado. Dos dias difíceis: as partidas antecipadas. Perdas que foram chegando mais perto de nós. Dos dias alegres: estar com saúde, ver o sol, o mar, ter alguém para amar e cuidar... e rir. Só por estar aqui.

E fomos/vamos vivendo uma rotina, sem rotina. Casa pra arrumar, amores para cuidar (Sofia, Thiago e os três doguitos da família), teletrabalho. Um mundo adaptado. Com muito riso e lágrimas. Está demorando a passar. E os dias tão ocupados e cheios de afazeres, se misturam à dor das perdas de tantos, à angústia e às incertezas de um País que parece naufragar no mar da pandemia.

Mas… e se não passar? Nada será como antes. Mantenho a fé no mundo. Disseram que 2020 seria um ano de profundas mudanças, onde o reencontro com a espiritualidade se fazia necessário. Não mentiram. Os tempos vividos são divisores de água, de transformação. É muito além do vírus. É sobre conscientização política, ambiental e humanitária, a nível mundial, sobre causas que nunca adormecem, sobre não se saber do “amanhã”. É sobre ver as águas de Veneza ficarem cristalinas e ouvir o silêncio... dos carros... do homem... que fez acordar os pássaros e as borboletas da cidade.

O ser humano é um animal que vai mudando o mundo, e depois tem de ir se reciclando, para se adaptar ao mundo que fabricou. Passamos pela era da individualidade e agora sentimos falta de estarmos juntos. Passávamos tanto tempo “agarrados” ao celular e desconectados do mundo ... quando veio a necessidade de nos aquietarmos, de ficarmos isolados, e usarmos o mundo virtual como ferramenta para diminuir distâncias, ficamos em pânico com essa possibilidade.

Há coisas e fatos ruins? Há. Sempre haverá. Preciso, e prefiro, ficar com as boas coisas que vejo refletirem no ser humano. É quase uma urgência falar sobre o amor.

Precisamos ter de volta os “dias comuns”. Há muitos anos, recebi um e-mail que falava sobre a chatice dos dias comuns. E o quanto era importante agradecer pela existência desses dias. Nos dias comuns, não adoecia tanta gente, não havia tanto desemprego, não se perdia tanta gente que se ama, não havia catástrofes. Era tudo igual. Para tanta gente, os “dias comuns”, afinal, eram dias de paz.

E ter dias comuns vai além da vacina contra o vírus. Temos a chance de olhar para dentro, para poder olhar para fora. A oportunidade, ainda que sofrida, de perceber (e sentir) o outro.  Mesmo sabendo que todos os dias pessoas vão ter fome, vão perder empregos, vão partir… Mas que nós não vamos ser tão indiferentes.

121 dias passados. E assim chegamos a julho de 2020. 45 anos e meio. Cabelos brancos descortinados pelo isolamento. E a fé de que será tudo novo. De novo. Olhos postos no presente, já que 2020 veio nos mostrar que o futuro mudou, desfez-se. E já começo a ouvir menos os pássaros...


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