Quando as lágrimas caíram
Géssika Costa
–
Jornalista, editora do coletivo de jornalismo
O Que os Olhos Não Veem
Quem me conhece de
perto, ao longo dos meus vinte e tantos anos, sabe, ao menos, duas coisas sobre
mim: odeio coentro e não gosto de chorar. Não me orgulho da última, mas também
não me sinto culpada por simplesmente ser assim, eu. Quanto ao tempero, como
legítima alagoana, sofro na hora de almoçar em família ou ir a um restaurante,
onde a hortaliça reina, mas como para quase tudo na vida há um jeito… dá para
superar. Como eu disse: quase tudo.
Em março, quando
toda essa loucura de pandemia começou, não cogitei que no Brasil o luto chegaria
para tantas famílias. Imaginei que por termos assistido – literalmente – as
cenas chocantes de hospitais em países da Europa poderíamos diminuir as
consequências da Covid-19 entre nós.
No fundo,
apesar de observar dia após dia o avanço do vírus no Brasil, imaginei que
conseguiria me blindar. Ledo engano, sou humana e trabalho como jornalista.
Tenho a minha própria história e vivo para contar outras.
Neste tempo,
respirando com a ajuda dos aparelhos que formam o home-office, iniciei, ao lado
de outros amigos da comunicação, um projeto para tentar diminuir o número de fake
news sobre a pandemia em Alagoas. Aliás, apesar da expressão em inglês ter
se propagado com a mesma força desses conteúdos enganosos, devemos chamar de
desinformação. Notícia, para mim, só pode existir se for verdadeira.
Nos primeiros dois
meses da iniciativa a rotina foi mais que puxada, era exaustiva. Não por apenas
trabalhar – muitas vezes – por quase doze horas seguidas, mas por ter
tido a minha energia sugada pela prática perigosa de pessoas que espalharam,
por meio de áudios, vídeos e fotos, informações falsas sobre a pandemia e suas
consequências.
Com um celular na
mão e a ausência total de razão, a maioria desses criminosos produzia –
propositalmente – conteúdo falso em nome da morte e contra todas as
recomendações dos órgãos de saúde pública. “Melancia transmite o vírus,
máscaras estão contaminadas, remédio x leva à cura”, eles diziam. Mas dentre
tantas fakes, nenhuma me deixava mais triste e revoltada do que os
áudios cheios de teorias conspiratórias de que tudo isso que estamos vivendo
(sim, ainda não acabou) seria uma farsa implantada pelos governos. Pensando
bem, eu nem deveria me surpreender. Afinal, o que esperar de uma nação em que o
próprio presidente alimenta a desinformação nas suas entrevistas e atos, dando
mau exemplo para os seus fervorosos seguidores?
Enquanto muita
gente vivia no mundo das fakes, em maio pude sentir na pele – mais do
que nunca – que o vírus era uma realidade tão próxima quanto dolorosa. A minha
querida Dilma Leite – vizinha/amiga da minha família que sempre torceu por mim
e me viu crescer – partiu aos 59 anos, depois de lutar por mais de uma semana
contra o coronavírus. Durante alguns dias tentando lidar com o baque, me
afastei do trabalho porque não estava aguentando lidar com anônimos que nunca
aprenderão o significado da palavra humanidade. Eles decidiram não aprender.
Do dia 11 de maio
para cá, outro adeus estranho. Meu tio Dagoberto também perdia a batalha para
essa doença. Recolhendo os cacos, ainda não estou recuperada e não tenho pressa
para isso. Na atual situação, apenas sinto e sinto bem mais porque as pessoas
não estão sentindo a gravidade do momento.
Vivo num
‘estado-de-luto-eterno’ misturado com uma anestesia psicológica, desenvolvida
como uma forma de defender a minha própria sanidade e tentar apenas sobreviver
até a chegada da vacina.
Hoje choro pela
partida dos meus e de todas as 84.202
trajetórias que foram interrompidas de maneira abrupta, ao mesmo tempo
que conto os dias para deixar de sentir as consequências dessa doença que exige
senso de coletividade e provoca – na mesma medida – um sofrimento
solitário.
Quem é
Géssika Costa – Formada
em Comunicação Social – Jornalismo – há cinco anos, é fundadora e editora,
desde março deste ano, do coletivo de jornalismo alagoano O Que os Olhos
Não Veem, iniciativa que busca dar visibilidade às vidas e aos fatos dos que
são colocados à margem.
É também coordenadora
de Multiplataformas e repórter da Agência Tatu de Jornalismo de Dados, onde
escreve sobre cidades, trânsito, meio ambiente e economia, entre outros
assuntos com base em dados públicos. Além disso, integra a assessoria de
imprensa da Secretaria de Estado de Prevenção à Violência, órgão vinculado ao
Governo de Alagoas.
Com cinco anos de
formada, conquistou 12 prêmios regionais e nacionais. Em 2019, foi finalista do
Prêmio Nacional da Confederação de Transportes (CNT) com uma reportagem que
contou a trajetória da primeira caminhoneira trans no Brasil. Por dois anos
consecutivos (2017 e 2018), foi considerada uma das repórteres mais premiadas
da Região Nordeste.
Já trabalhou em
sites de Maceió, jornal impresso, numa agência nacional de notícias para rádio
e como repórter especial em rádios locais. (Elen Oliveira)
Memória da Pandemia
nas Alagoas
Elen Oliveira
Quando eu ingressei na Ufal, em 1991, o professor Luiz Savio
de Almeida já era uma lenda. Nos corredores do antigo CHLA, hoje ICHCA
(Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Arte), ele se postava a dar
conversa a quem se aproximasse com a mesma atenção que dedicava a palestras,
mesas de discussão e entrevistas. Entre 2008 e 2009, trabalhamos junto no
antigo O Jornal, onde ele propôs a abertura de um espaço dialógico da
universidade com a sociedade, por meio da publicação de artigos acadêmicos.
Entusiastas do debate e da pluralidade, o então diretor, Gabriel Mousinho,
e o então editor-geral, Roberto Tavares, cederam espaço ao Espaço,
nome dado ao suplemento quinzenal publicado entre setembro de 2008 e 2012,
quando o veículo foi extinto. À época editora-executiva e de Suplementos,
eu editei a publicação até 2009 com Alexsandra Vieira, que era editora do
caderno de Cultura, o Dois. Reformulado, tornou-se posteriormente Contexto,
no jornal Tribuna Independente, até materializar-se em Campus, o
suplemento semanal que é veiculado no jornal O Dia e reproduzido n’o Campus do Savio, o blog de múltiplas
falas com o qual colaboro esporadicamente.
O longo parágrafo de introdução foi escrito para contar como
chegamos a Jornalistas e a Pandemia, proposto pelo professor Savio
como parte do projeto Memória da Pandemia nas Alagoas, que ele está
a construir desde abril e que reúne relatos vindos de representantes dos povos
indígenas, artistas, intelectuais e integrantes de áreas diversas sobre o atual
momento. Ele propôs, e eu aceitei, que organizássemos uma seção para compor
essa construção feita a muitas mãos. “Quero deixar um imenso painel para um
pesquisador no futuro”, informa o pesquisador, que há tempos constrói
fundamental acervo da memória sobre Alagoas.
O blog pode discordar no todo ou em parte do material que publica