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segunda-feira, 11 de maio de 2020

Joaquim de Almeida mariano. Meu diário de meu avô. Memória da pandemia nas Alagoas.


                Meu diário de meu avô

                Joaquim de Almeida Mariano

                Ontem foi o Dia das Mães. Não fui ver a Rorró:  mandei um almoço de presente para ela. Tenho falado com o pessoal pelo telefone, mas não me solto muito. Sempre fui assim, quando meu pai e minha mãe viajam,  eu também fico na minha.  Sinto falta, pois sempre falo nos dois. Não moramos tão longe: dois ou três quarteirões, mas toda distância hoje é muito grande. Meu avô já está velhinho, com os seus 78 anos de idade e sabe que não ficará para semente. Ele sente muito esta distância. Para ele, dois meses são uns dois anos ou até mais do que isto. Vovô diz que a velhice acelera o tempo: um segundo virá uma hora.
                Ele não tem medo do Corona. Vovô chama de virus de merda. Também não tem medo de morrer, pois sabe que terá de acontecer.  Não gostaria de morrer sofrendo e adoraria  esticar as canelas comendo sapoti. Um dia ele teve um piripaque pelos lados do coração  e  a gente foi levar para o Pronto Socorro; vovô pegou laranja cravo e saiu chupando. Ele disse: pelo menos morro sentindo o cheiro da laranja cravo.  Ele acha que eu vou esquecer, que ficará apenas  uma vaga lembrança para mim. Então, ele tem a mania de deixar coisa com instrução da data para me dar. Ele tinha um relógio lindo que  adorava, botou numa caixa, lacrou e escreveu que era para me dar no meu aniversário de 15 anos.
                Desde que nasci, ele tem um diário para que eu saiba o que andou acontecendo. É uma letra horrosa; tem vez que nem mesmo ele entende. O diário chama-se O Livro do Joca. Abri, por acaso, no dia 12 de agosto de 2.019.  Está escrito:

Não dormi bem. Senti dor e amanheci com ela hoje: tá doendo muito; tomei um remédio. O que eu tenho? Não sei, mas procurarei um médico. Farei logo. Dói.

Nem brinquei com você hoje. Você chegou nos braços do Savinho .e com sua avó. Nem lhe dei a atenção que lhe dou todos os dias. Você puxou conversa, mas eu não consegui brincar. Apenas eu disse que vocês estava empacotado em um pijama branco. Você já fez cocô, mas já lhe limparam: é um escândalo.

Desde muito pequeno, que você tem muito carinho por mim. Eu sou maluco por você. Estou ouvindo os seus gritos.

Vou comer, tomar café.

Pena que você nem se lembra como sou. Somos ligados sim.

A dor passou um pouco. Vou urinar.

Agora você está chorando. Perguntei o que era. Devem estar mudando a sua roupa.

Você desceu do carrinho que é uma motoca.

A dor não passa. Merda!

Você não quer mais andar de carrinho lá embaixo. Quer ficar andando.

Você me acordou para sentar na cadeira com você.

Veio com seu pai para meu quarto e me pediu para ficar comigo na cadeira. De noite, veio se despedir.



                Pois tem mais coisa. A letra ninguém entende: é um Deus nos acuda. O que eu quero dizer é simples: como é difícil ficar longe.  Não há o que compense dois longos meses de distância ou dois anos, como diria o vovô Sávio, a quem chamo de Rorrô. Ele me ensina as músicas que aprendeu como o meu bisavo Vovô Manoel, filho do meu trisavo Manezinho, filho do meu tataravô que era o velho José Francisco de Almeida. Sabe-se lá com quem o Vovô Manoel aprendeu esta música que o Rorrô me ensina, canta e eu danço de me acabar:

Ei vi a cobra
Que mordeu minha novilha
 Eu via rodilha dela
Lá no pé de araçá!
Espingarda, ta tá tá!
Faca de ponta, tá tá tá!

Rorrô diz que é uma embolada mais velha do que uma bengala que ele tem.
Dois anos, dois anos...
O Corona come tempo!


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