Nosso casamento em 2013: o ano em que não corremos perigo |
NÓS QUE NOS AMÁVAMOS TANTO E O VÍRUS QUE NÃO AMA NINGUÉM Empatia modula o “ novo normal” pós pandemia
Cármen Lúcia Dantas e Cíntia Ribeiro
Na manhã chuvosa de
domingo, 15 de março de
2020, a ideia de isolamento social se
materializou em nós. A
decisão conjunta chegou uma semana após ponderações sobre o impacto avassalador
do novo coronavírus em
outros países, principalmente
Itália e Espanha.
Concordamos
que a entrada da Covid-19 no Brasil e o
prenúncio de
milhares de mortes, mais de 10 mil vidas e histórias dizimadas, até o fechamento
desse texto (em 10 de maio), provocou em nós fraturas emocionais. Sentimos medos de ordem
subjetiva e pavores coletivos. Sabíamos que o "novo normal" que estava por
vir abalaria padrões e hábitos, em sua maioria equivocados, de nosso tempo. E abalou.
Nossa
primeira constatação: pandemias como a
provocada pelo Sars-CoV-2
achatam a curva do
"individualismo de umbigo”, do foco no eu sozinha. Recoloca-se no primeiro plano o
senso de coletividade. Modula-se uma outra ordem de olhar empático sobre os corpos e as coisas “do" e
"no"
mundo.
Foi
assim que nós, um
casal de lésbicas - Cármen (mulher
branca, 74 anos, penedense, museóloga e
professora aposentada da Ufal)
e Cíntia
(mulher negra, 52 anos, paulista,
jornalista, doutoranda em Análise do Discurso e hipertensa)- optamos por atravessar, juntas, o
confinamento e a única pandemia de nossas vidas.
Deixamos
pra trás o eco de um fevereiro alegre e carnavalesco.
Mergulhamos num “mar-ço” sombrio em que o
“barato" do baseado, outrora
passado de boca em boca entre amigues (elas, eles e outros), cedia lugar a um
cenário
altamente contagioso, em que a máscara,
enquanto representação mítica, é içada à condição de sobrevivência. O mar,
antes navegável, foi sugado por um tsunami de fascismo e pesadas ondas negacionistas.
Nossa
experiencia pessoal, aqui compartilhada,
não foi construída
apenas na perspectiva da diferença de gênero, mas
também a partir do acesso a direitos
(água, comida, saneamento, moradia e emprego).
É desse lugar privilegiado e socialmente
“higienizado" com álcool em gel,
informação e teletrabalho que
experienciamos o isolamento social.
Nosso
"lugar de fala" durante a pandemia não é acessado a partir da exclusão
social. Essa é a grande angustia. Perceber que em nós, e não em
todas e para todas as mulheres, o enfrentamento
ao novo coronavírus se daria de
uma “varanda suspensa”.
Essa
pseudo “assepsia" não nos livra do contágio, do
adoecimento e da morte pela Covid-19 que já atingiu nossos familiares.
Reconhecemos o quanto nossa condição atual de saúde não é materializada
na perspectiva da desigualdade ou da
vulnerabilidade social. E que,
apesar de todo engajamento à dor e à condição de todos os corpos que estão a nossa volta, nossa varanda permanece
suspensa, longe de gatilhos de violência doméstica e de afetos abusivos.
Nossa
miserabilidade é da ordem do humano. Nossa precarização
é a impotência diante da condição de vidas LGBTQI+
. Nossa máxima ação e empatia, não livra
tantas outras Lésbicas,
gays, travestis, mulheres e homens trans que, de terem, nesse momento, suas “rotas alteradas” e duplamente silenciadas pelo vírus real e pela
política de virulência
misógina,
racista , homofóbica, transfóbica e machista implementada pelo planalto central, e que
nos atinge e mata.
É desse
lugar discursivo que enunciamos, choramos e
tentamos resistir. Somadas,
essas diferenças
reorganizaram filigranas de nossa consciência material e existencial. Juntas, vislumbramos uma outra ordem de coisas e de
humanidades pós pandemia com alcance para muito além de nossa bolha. Precisamos
resistir.
Projeto Memória da
Pandemia nas Alagoas
Coordenação
Luiz Sávio de Almeida
e José Carlos Silva de Lima
O blog pode concordar
ou não, em parte e no todo, com a matéria publicada
Nosso objetivo é
deixar um painel diversificado sobre a pandemia nas Alagoas