Marcelo de Campos
Documentarista
Fundador do núcleo de Cinema Tingui Filmes
Licenciando em Biologia pelo IFAL
Membro do GPHIAL – UNEAL
Introdução
Os Tingui-Botó foram reconhecidos como povo indígena em 1980, após o professor Clovis Antunes enviar documentação de reconhecimento sobre este povo a Funai. O reconhecimento dos Tingui-Botó como povo indígena representou o resgate de um povo anteriormente disperso, em processo de etnogênese. Era a substituição de uma identidade acanhada, de caboclo pelo orgulho étnico de ser índio”. Acerca dessa temática, seguem-se desdobramentos políticos, como reivindicações de posse de terras, por direito imemorial, e luta pelo seu reconhecimento.
O aldeamento do povo Tingui-Botó se deu no município de Feira Grande e Campo Grande, em Alagoas, na comunidade de Olho D’água do Meio, onde são preservadas 60 tarefas de mata para a realização do ritual do Ouricuri. O ritual do Ouricuri é o emblema do povo Tingui-Botó. É de onde sai a doutrina, a paz e a perseverança para com o outro. É de lá que se aprende a viver em paz, em comunidade.
Segundo o cacique Eliziano de Campos, atual chefe da comunidade Tingui-Botó, o Ouricuri, vive entre os Tingui-Botó há mais de 140 anos. De acordo com a idade e a oração do seu pai Plácido de Campos, um dos fundadores da comunidade, o Ouricuri não é uma tradição apenas do povo Tingui-Botó, é um nome dado à religião de várias aldeias do Nordeste. É caracterizado como um local sagrado onde os indígenas cultuam seus costumes ancestrais fechados. É comum entre os indígenas que seja frequentado o território sagrado de outras aldeias, para a realização do ritual do Ouricuri. Entretanto, é condição necessária ser do mesmo povo de origem para participar do ritual.
No caso dos Tingui-Botó, apenas os povos Kariri-Xocó de Porto Real do Colégio, Xucuru Kariri de Palmeiras dos Índios e os Aconã de São Brás frequentam a mesma taboa sagrada, por serem ambos do mesmo povo, mas de localizações geográficas diferentes.
A denominação atual da comunidade Botó, foi dada pelo curandeiro João Botó, o mesmo que se instalou com sua família em Olho D’água do Meio, por volta de 1940, após a construção do Posto Indígena Padre Alfredo Dâmaso, em Porto Real do Colégio.
No entanto, a instauração da família de João Botó nos arredores do local sagrado do ritual Ouricuri, em Olho D’água do Meio, foi confirmada em 2002. Através do reconhecimento pelo Instituto Socioambiental do nome dado pelos índios Botó e o pajé da comunidade Kariri-Xocó, em 1980.
Os Tingui-Botó são considerados um povo guerreiro, porque estão sempre em batalha, em luta constante por sua afirmação, sua sobrevivência, manutenção e descendência.
A comunidade Tingui-Botó possui lideranças tradicionais, o cacique ou chefe do povo. Sendo escolhidas tanto pelo processo de escolha e/ou legitimidade, quanto pelas funções que exercem. As lideranças tradicionais têm o papel de representar coordenar, articular e defender os interesses das famílias e do povo como responsabilidade herdada dos pais, a partir das dinâmicas sociais vigentes. Em concordância, as lideranças políticas geralmente exercem funções específicas nos aldeamentos, como dirigentes de organizações indígenas formais, intermediários e interlocutores de comunidades indígenas.
Neste cenário, as ações do governo para com as aldeias indígenas são embasadas no modelo de governo dos brancos. Um fato que por vezes gera impasses frente a necessidade da conquista de direitos e de voz frente ao cenário de desigualdades sociais e exclusão vivenciada pelo povo indígena.
Neste interim, as lideranças políticas são constantemente consideradas mediadoras entre as antigas lideranças e a sociedade regional e nacional.
Diante dessa organização política, surgem situações difíceis e desafiadoras como a pandemia mundial causada pelo Coronavírus, exigindo união e cooperação entre todas as organizações políticas, para que as comunidades consideradas desfavorecidas sejam amparadas e fortalecidas.
É necessário, então, que as políticas sociais e as ações de governo impulsionem mudanças e reestruturação na dinâmica mundial atual, incluindo a dinâmica de comunidades indígenas, consideradas em condição de desiguais perante o contexto social, frente ao desafio Coronavírus.
A notícia do novo coronavírus chega ao povo Tingui-Botó
A comunidade Tingui-Botó recebeu a notícia da disseminação do Coronavírus através da mídia e das redes sociais. Fato que causou pavor entre os indígenas, assim como a todo o mundo.
Desde então, foram tomadas algumas medidas orientadas pelo Ministério da Saúde, quando a má notícia de um vírus com alta transmissibilidade chegou ao povoado. As lideranças convocaram a equipe de saúde local, com a finalidade de compreender os principais impactos e riscos que a doença representava a população. Logo em seguida, o líder convocou todos os Tingui-Botó para uma reunião em caráter de urgência.
Ações dos Tingui-Botó contra a pandemia do novo coronavírus
As medidas tomadas foram restrição e limitação da saída dos moradores da comunidade para outros lugares. A liderança tradicional deixou resolvido que os portões que dão acesso à comunidade fossem fechados e mantidos com cadeados e as chaves fossem mantidas com o pajé e o cacique, ou em posse dos motoristas que conduzem os veículos de urgência e emergência, em casos de ocorrência.
Todos os indígenas que moram fora da comunidade teriam acesso limitado a área, podendo visitar a aldeia apenas com o uso de máscara. Os indígenas que moram na comunidade, só puderam seguir as cidades circunvizinhas em casos de urgência, como em casos de saúde ou compra de alimentos.
Por sua vez, as lideranças fortaleceram o acesso a produção de alimento na comunidade para que não fosse uma necessidade a compra fora da aldeia. As mulheres grávidas que parissem em hospitais fora da cidade deveriam permanecer 14 (quatorze) dias isoladas, em casa da comunidade cedida por familiares, recebendo visitas apenas da equipe de saúde.
Porém, a medida de peso maior entre os Tingui-Botó foi a mudança de datas dos rituais religiosos que foram repensadas, sendo impedidas como medida preventiva, já que o ritual em solo sagrado é realizado coletivamente, o que provoca ajuntamento. Outrossim, todos os índios da comunidade Tingui-Botó ao reconhecerem que o ritual envolve corpo, mente e espírito – o coração do povo, onde saem todos os ensinamentos sagrados que envolvem a sabedoria –, aceitaram a condição, por saber que o sagrado está presente também nas árvores, no canto dos pássaros e nas estrelas.
Ou seja, a sabedoria do povo Tingui-Botó é uma dádiva sagrada, dada aquele que a merece. Os seres Tingui-Botó são seres humanos abençoados por sua ancestralidade, e dotados de sabedoria, são eles que inspiram os novos guerreiros. Suas lutas, seus sofrimentos e conquistas são imortalizados pela prática oral da comunidade.
Sendo então detentores de saberes espirituais, tais guerreiros sempre cuidam de seu povo, ao ensinar os jovens da aldeia por qual caminho seguir. Ainda assim, os próprios líderes religiosos, os sábios diziam que viriam épocas difíceis onde seria necessário que o povo Tingui-Botó deveria seguir com confiança, atitude e coragem.
Considerações finais
A precaução é uma das maiores armas contra qualquer batalha, e para esta batalha não é diferente. Devemos agir com cautela e consciência, reconhecendo que ao tomar certas medidas estamos cuidado de nós e do outro. Mesmo que, estejamos sentindo falta das reuniões embaixo da árvore principal da aldeia, seguir com fé e confiança é preciso para acreditar que dias melhores virão.
Ainda assim, lutemos com nossas armas, diante do risco causado por um vírus que atinge pessoas com baixa imunidade. Por isso, devemos fortalecer nosso sistema imunológico com o uso tradicional de ervas, plantas e raízes. Os banhos de raízes, chás e garrafas são princípios relevantes para a saúde dos Tingui-Botó, não excluindo a iniciativa dos profissionais de saúde que têm nos assistido nesses dias. É preciso também considerar os cartazes e panfletos que nos instruem sobre as principais medidas para combate do vírus.
Coordenação do Professor Amaro Hélio dos Santos