Uma boa conversa na Churrascaria do Telmo em Capela. Geraldo, eu, Almeida e Telmo que é casado com gente minha do Pacaviral; já o Geraldo tem ligação pelos Melos. |
quinta-feira, 29 de maio de 2014
História e memória: o caso do Leobino na Capela
A triste história do Leobino
Memória e cotidiano.
Eu não sei viver sem Capela; embora não seja de lá, eu sei que
sou. Meus pais e minha família vêm de lá e os ramos são Almeida e
Albuquerque. Os Almeidas são fáceis de rastrear, pois chegam, a meu ver,
com o Terço de Domingos Jorge Velho; os Albuquerques, segundo a minha
mãe, teriam vindo do sertão de Pernambuco, Belo Jardim; por conta de uma
seca, compraram terras e se arrancharam, naquelas bandas.
Pois não é... Meu pai e minha mãe por onde andavam, carregavam a
Capela de banda e lá vinham histórias maravilhosas que deixavam longe as
de Trancoso ou do Arco da Velha; minha mãe chamava dos dois jeitos.
Esse Trancoso foi um cara de primeira; ainda hoje anda vivo embora suas
histórias estejam por um fio de cabelo. O Dr. Trancoso é tradição desde
1575 e, portanto, veja só quanto tempo.
Tome este caldinho, é bom: dá sustança. Se tomar quente, dá na fraqueza e você vai suar mais do que tampa de chaleira. Agora o bicho é bom; quando eu era pequeno, diziam: é da pontinha da orelha.
Neuton, dono do caldinho |
Em Capela tem o melhor caldo de feijão do mundo. Vai
gente de longe tomar e somente abre pela manhã indo ao meio dia e
depois fecha. Tem o caldo de feijão e o de galinha. Quando a pessoa
chega, já tem carro na porta esperando abrir. Não tem mesa que é para
não se beber muito. Mas o bicho é bom de fazer gosto. Faz é tempo; chega
ter placa na cidade indicando onde fica o Caldinho. Deu
meio dia, fecha, pode ter Juiz, Delegado, Prefeito, as autoridades
todas do Município, mas ali é área emancipada e ninguém vai brincar de
ficar, quando o dono quer é descansar. E nada pode existir sem uma certa
ordem.
A estação da Capela |
O Bar fica no defronte da estação do trem de ferro; Capela está no
ramal que vai para Palmeira dos Índios. Meu pai contava como a estação
ficava na chegada do trem; tinha gente que saltava, que embarcava,
tinha gente que somente ia ver. E ele falava sobre o caso do pobre Cabo
Leobino, coisa do tempo em que Costa Rego era Governador. Costa Rego
inventou de mandar desarmar o povo e o Cabo Leobino no cumprimento de
sua missão, desarmou logo quem? Nequinho Moreira, gente da alta, cunhado
do Coronel Zé de Almeida (meu tio). E isso era uma desmoralização de
primeira. Pois ora, pois bem!
Leobino devia estar sendo acompanhado, visto por onde andava, pessoa
esperando a hora certa, deixando passar o disse-que-disse e assim foi
tudo acontecendo. Vai que um dia, perto da estação, Leobino sentiu
vontade, viu um matinho nos lados bem ali, decidiu dar de corpo, arriou
as calças e ficou de cócoras no apronto da cagada. Mas veja só... O
homem marcado ficou assim de tal forma desprevenido e foi aí que
peiiiiiiiiiii! A bala do rifle pegou lá nele que varou foi todo,
espalhando sangue na meio merda, no meio da dita cuja morreu com os
olhos esbugalhados, deixando o mato salpicado.
Meu pai contava isso e pasme amigo, ele achava graça, mostrando que as tragédias têm um quê de humor. Ele explicava a razão de rir: não era com a morte mas com a narrativa. Querendo ou não querendo, a narrativa acentuaria o trágico da morte sobre o que eu poderia chamar de ridículo associado ao baixo corpo: a merda. Ainda tenho a velha caderneta amarelada, com a anotação desta tirada de papai. Quando inventei de escrever teatro, seguramente utilizei.
Ele aproveitava e me passava umas lições; vamos ver se lembro de algumas delas; a) rato você acaba com ele de certa distância, se apertar o rato, ele, por desespero, voa em você e dentada de rato é pequena mas faz estrago; b) se tiver de matar uma cobra, só acabe quando arrancar a cabeça, sabe lá se a peste num invivece; c) cemitério não é lugar de descanso, descanso é em espreguiçadeira; d) nunca dê uma boiada para entrar numa briga e quando você encontrar um valente, o melhor que você faz é correr mas se não tiver jeito, o valente tem que ser você; e) já vi muita gente morrer quando foi abrir cancela e por aí seguia o cancioneiro de Manoel de Almeida, o gente fina do meu pai.
Mas o povo da Capela foi impiedoso com o Leobino e logo se dizia pelas ruas:
Leobino tava cagando
Lá no fundo da estação
Veio uma bala perdida
Botou Leobino no chão.
Triste sina Leobino; se tivesse conversado com meu pai, o sucedido não teria acontecido.
Meu bravo Pescoço, traz a conta meu amigo.
Bar da pata, Maceió |
Meu pai contava isso e pasme amigo, ele achava graça, mostrando que as tragédias têm um quê de humor. Ele explicava a razão de rir: não era com a morte mas com a narrativa. Querendo ou não querendo, a narrativa acentuaria o trágico da morte sobre o que eu poderia chamar de ridículo associado ao baixo corpo: a merda. Ainda tenho a velha caderneta amarelada, com a anotação desta tirada de papai. Quando inventei de escrever teatro, seguramente utilizei.
Ele aproveitava e me passava umas lições; vamos ver se lembro de algumas delas; a) rato você acaba com ele de certa distância, se apertar o rato, ele, por desespero, voa em você e dentada de rato é pequena mas faz estrago; b) se tiver de matar uma cobra, só acabe quando arrancar a cabeça, sabe lá se a peste num invivece; c) cemitério não é lugar de descanso, descanso é em espreguiçadeira; d) nunca dê uma boiada para entrar numa briga e quando você encontrar um valente, o melhor que você faz é correr mas se não tiver jeito, o valente tem que ser você; e) já vi muita gente morrer quando foi abrir cancela e por aí seguia o cancioneiro de Manoel de Almeida, o gente fina do meu pai.
Mas o povo da Capela foi impiedoso com o Leobino e logo se dizia pelas ruas:
Leobino tava cagando
Lá no fundo da estação
Veio uma bala perdida
Botou Leobino no chão.
Triste sina Leobino; se tivesse conversado com meu pai, o sucedido não teria acontecido.
Meu bravo Pescoço, traz a conta meu amigo.