quarta-feira, 6 de maio de 2020

Zuila Caroline Olegário Lima. Quando o ano começar. Memória da pandemia nas Alagoas (XXXIX)



Quando o ano começar
Zuila Caroline Olegário Lima
Estudante do 4º período de Medicina da Ufal

As promessas de ano novo tiveram que esperar. Como estudante, o primeiro semestre de 2020 estava reservado à realização de vários trabalhos, pesquisa e escrita de artigo, mas tudo ficou em segundo plano. Sem nenhuma perspectiva de voltar, a modalidade de ensino a distância não é uma realidade provável na UFAL devido a disparidade socioeconômica dos seus alunos. Estou oficialmente em isolamento desde o dia 17 de março quando o calendário da UFAL foi suspenso. O que parecia ser o início de um semestre de muitas expectativas deu lugar a frustação de ter um único dia letivo. Desde então, minha atenção voltou-se as redes sociais e mídias de informação onde, além das inúmeras informações sobre coronavírus, tornou-se um ambiente tóxico pela disseminação de “fake News” e rixas políticas de todas as formas.
Tudo isso contribuiu negativamente para piorar a situação do isolamento. As notícias referentes à COVID-19 me tocam de duas formas diferentes: primeiramente, por ser diabética tipo 1 (insulino dependente) há 6 anos e como a literatura mostra, sou de um grupo de risco em potencial para ter um quadro grave. A segunda forma, por ser uma futura profissional da saúde, que apesar de não estar atuando na linha de frente do combate, enxergo a gravidade da situação para quem está se expondo bem como a calamidade velada de equipamentos para proteção individual (EPI) cada vez mais escassos. Desde o início do isolamento, levei com seriedade essa pandemia e as recomendações do Ministério da Saúde. Mas o risco de adoecer sempre existiu porque meu irmão, que mora comigo e minha mãe, trabalha como balconista de farmácia e, mesmo após o decreto estadual, continuou trabalhando e se expondo.
Logo, o coronavírus interfere na minha saúde tanto pelo risco de adoecer mesmo em casa como tendo crises de ansiedade pelo medo iminente. Ao chegar abril, me afastei das redes sociais e direcionei meu foco para tentar restabelecer uma rotina. Nesse sentido, fiz um levantamento dos assuntos a serem vistos no período para ir estudando em casa, me inscrevi em inúmeros cursos online gratuitos, inclusive para a Olimpíada de História ofertada pela UNICAMP e retornei meus estudos de inglês. Além disso, participo do DENEM (Diretório Nacional dos Estudantes de Medicina) que a cada quinze dias são realizadas reuniões online para discutir alguma pauta pertinente. A verdade é que temos que ressignificar para viver.
 A Semana Santa não teve a família reunida como nos outros anos. Talvez, se afastar daquele parente tóxico seja o melhor a ser feito para si nesse momento ou brincar um jogo de tabuleiro via Skype para animar a família de Fortaleza seja o melhor que você pode fazer no dia. Se alguém me dissesse em janeiro que as promessas de ano novo teriam que esperar, teria aproveitado mais o vento no rosto ao andar pela orla, me estressado menos por besteira e aproveitado mais o convívio de quem sinto falta. Por hoje, espero que quando o ano começar tenhamos clareza de quais resoluções valem a pena levar adiante. Que os dias incertos se tornem páginas escritas o mais breve possível.

Luiz Sávio de Almeida. O virus enquanto espero o tempo passar (V): a guerrilha do virus e outros babados



O virus enquanto espero o tempo passar (V): a guerrilha do virus e outros babados
Luiz Sávio de Almeida

A coluna marcha

Como cada unidade é em si uma coluna guerrilheira a velocidade de cada uma pode ser vista como independente do comportamento do todo: nenhum corona é subordinado a outro, embora exista uma coletividade deles em busca de uma obra comum na montagem de uma estranha unificação de resultados. É como se fosse uma quase impossível invasão difusa, universalizada nas possibilidades de ataques, parecendo que se especializa em seres humanos e parecendo, também,  atacar a pets e animas selvagens, pelo menos, transgredidos e levados ao estoque dos zoológicos.

Mao Tse Tung tinha uma instrução sobre a velocidade da coluna guerrilheira: ele dizia que a máxima era a do menos veloz componente. Claro que aí residia um bom princípio de seleção. O Corona nada tem disto e até hoje nada li sobre a sua saúde.  O que é um virus forte e sadio? Todos são igualmente consumidores da Pílula de Vida do Dr. Ross?  A velocidade dele é a dele mesmo: simplesmente sai à procura do que fazer e encontra. Ele não tem muitas decisões a tomar, programou-se, entendeu a relação entre vida e morte e saiu pelo mundo.  Todo ele é igualmente veloz em seu movimento, embora nem todos alcancem o mesmo resultado.

É interessante ver esta ideia de invasão, pensada em 1842 para o cólera em Portugal, em Memória escrita por Bernardino A. Gomes, Cavaleiro da Torre e Escada, Lente da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Ele falava dos andamentos da epidemia pelo Porto nos anos de 1832 a 1833. Ele trata as pessoas como sitiadas (GOMES, 1842, 5) e esta imagem, ainda hoje nos parece forte,  pois existe a possibilidade de nos pensarmos em casa, como se houvesse um sítio posto às entradas de nossa cidade[UdW1]  tornada medieval neste inusitado do tempo. Aquela época, era da novena ao glorioso São Roque, que deve ter sido rezada e muito no século XIX pelas Alagoas; será que por aqui aportava São Roque de Montpellier, o santo contra a peste para quem se fazia novena em 1832 dizendo da relação entre pecados e dores  e entre dores e moléstias:
[...] queremos expiar as culpas, com que vos temos ofendido, para que livres do terror dos castigos, de contagiosas moléstias, e das mais calamidades melhor possamos amar-Vos, e servir-Vos.  Sendo porém nos réus perante Vos, recorremos à Intercessão do Bem-aventurado S. Roque, por Vossa Misercórdia [...] (BRANDÃO, 1832, 6[UdW2] .)

Sempre a epidemia foi sentimento, dor, quem sabe tragédia no sentido clássico. E sinto que a gente tateia com o Corona, como se tateava nos tempos hipocráticos  do miasma, do mefético;  e o interessante é que na década de cinquenta do século passado,  Alagoas teve cem anos de seu primeiro cólera e hoje, tempo da medicina da sofisticação dos grandes circuitos tecnológicos, ainda treme  vendo coisas  misteriosas, quase numa dimensão hipocrática dos ares. E é interessante nesta Maceió do Século XXI, estar discutindo quarentena, cordão sanitário, proteção de fronteiras praticamente – mudando o que deve ser mudado – como fez Forster (1832) em suas indagações sobre o que seria uma epidemia[UdW3]  lá pelos idos de 1832.Há uma interessante matéria – publicada (15/04) no jornal La Nación, em Argentina – e que passa em revista a posição de dirigentes de alguns países; trata-se dos que não deram a devida atenção ao Corona. Os jornalistas Julieta Nassau  e Dolores Caviglia –passam em revista seis casos e, sem dúvida, sendo verdade,  o mais interessante foi o da Coreia do Norte e, no texto, Kim Jong-un  passa, no mínimo, por fanfarrão. Eles dizem que o Presidente, sabendo do caso na China, trancou suas fronteiras coreana, e,  até pelo que entendo, era dito que  nenhum caso havia se verificado na dita Coreia.  Será correto mesmo? Não sei se ele teve a habilidade de espantar o virus, mas sei que o The Korean Times (15/04/), publicado na Coreia do Sul, comenta esta fala sobre o  Norte e considera muito discretas as comemorações de aniversário do fundador da Korea do Norte.

Sobre Trump – que agora ameaça a Organização Mundial da Saúde –  era dito que tratava-se de   virus chinês para acabar com o mundo;  ele  chegou a misturar a pandemia com farsa dos democratas. Boris Johnson encrencou e depois caiu no choro por ter escapado. Obrador do México, hoje se vê com a tarefa de equipar-se e dar esperanças ao México. Aparece, também Luckashenko da Bielorússia e que deu a entender: remédio é a vodka. Finalmente, surge Jair Bolsonaro de cujas posições, todos nós temos conhecimento. Trump renunciou ao seu tratamento tempestuoso com o virus e hoje lamenta a situação do Brasil, falando em cortar vôos para nossos aereoportos.

O poder do virus vem sendo demonstrado a cada dia: a devastação foi e está terrível nos Estados Unidos, onde a morte corre solta por Nova Iorque; o país precisa de um novo Hulk, um novo Capitão América e jamais será o Trump.  No Brasil, vez em quando se fala em descontrole, tanto no que se refere ao virus em si, como no que se refere à condução do Estado Brasileiro que necessariamente organiza  a nação e não a qualquer bloco político. O virus conseguiu impor sua forma de viver em cima de um país absolutamente desigual. Agora mesmo, Cícero Péricles Carvalho (15/04/2020) me mandou uma matéria do DCM, dizendo que três estados estão com 50% dos respiradores do país.  Apesar da boa relação brasileira, isto praticamente nada significa: Minas, São Paulo, Rio de Janeiros. Onde seremos repisantes? No Amazonas, o Prefeito de Manaus foi contar os leitos de UTI  e somente encontrou seis sobrando.

O Ceará debaixo do virus

O caso do Ceará me impressiona por estar com um grande número de infectados, mortos e uma alta pressão sobre seus serviços de saúde.  Sem qualquer dúvida, as mortes pesam e rumam pela periferia. Ontem foi considerado pelo Diário do Nordeste (16/04) que se tratou de dia de recorde de mortes e é dito que a periferia está marcada em tais óbitos. Fortaleza deve estar, portanto, sendo colonizada pela figura tenebrosa e construída pelo século XV, com a cara de caveira. Foi a construção de uma imagem de extrema força, pois passados tantos séculos, ela ainda comunica esta espécie de horror que sempre nos fustiga como pessoa e como ciclos de contatos mais íntimos: a morte. Ao nascermos, o muno nos é anunciado; ao morrermos, o mundo nos é retirado. Lembro agora da extraordinária  irreverência do grupo Blitz: Todo mundo quer ir p’ro céu, mas ninguém quer morrer”.

O Ceará foi dado com 2.291 casos e 124 óbitos e o percentual  de óbitos sobre o total dos casos é de 5% ou, em outras palavras e de forma grosseira, para cada grupo de 100 infectados, no Ceará morrem em torno de 5 pessoas. Sabe-se que estamos diante de uma notícia errada. Dois estudos já foram realizados  – infelizmente não anotei os dados –  e falam que os dados reais estariam entre 12 e 15 vezes a mais. O virus vai avançar; ele não vai parar em Fortaleza, sendo provável que avance  para a região metropolitana e vida andando de lestes para oeste, à procura de mundos como o Cariri de meu padrinho Padre Cícero. E vai subir para Norte e vai descer para Sul: ele não para. Onde existir um fenômeno chamado contágio ele encontrará seu momento. Como não se pode matar a população para que ele viva, ela tem que ser retirada de seu caminho e esperar que ele morra de fome e preso a uma bolsa, a um  rosto e a quem sabe até fique morando em um chinelo.

Um fato que merece ser ponderado, diz respeito a que se tem no conjunto de seus municípios, apenas 5%, segundo estudo da Fiocruz, aptos a tratar de casos mais complexos e se pode pensar na complexidade de planejamento e logística para atender ao que acontecerá. Assim parece ser em todos as outras unidades da Federação: teremos municípios sim e municípios não. Como será viabilizado o atendimento? Teremos que andar para saber.

Este desequilíbrio está em todos os estados brasileiros, mas está no mundo.  Não é algo que seja cosa mostra. Para os ricos seria a ilusão de segurança, para os pobres praticamente a impossibilidade de ter; talvez seja oportuno pensar uma diferença sutil entre ambos, chegando perto da antiga discussão sobre comunidades cooperativas ou não.  Eu daria prosseguimento à ideia de que os ricos operam na maximização as segurança e os pobres na minimização. São a mesma coisa? Jamais poderiam ser.

Não sei onde li sobre a sociedade da escassez e a da abundância. O fracasso de uma sociedade como a americana é terrível para seu povo; é como se fosse tirado o direito de nobreza, ela que sempre viveu na abundância com seus altos índices, mas inequivocamente, desigual.  Não estava preparada para a saúde, embora estivesse para a guerra, mas, na realidade, convenhamos, que iria prever esta onda avassaladora sobre o mundo?











 [UdW1]FILHO, Bernardino A. Gomes.  Memória sobre a epidemia de cólera morbus, que grassou na cidade do Porto desde 1832 a 1833. Lisboa: Tipografia da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos, 1842.


 [UdW2]BRQANDÃO, Mateus de Assunção. Novena do Glorioso São Roque por ocasião da Epidemia do Cólera Morbus, oferecida e celebrada pela Real Irmandade de S. Roque de Lisboa. Lisboa: Imp´resão Régia, 1832.


 [UdW3]FORSTER, T.


Projeto Memória da Pandemia nas Alagoas
Coordenação
Luiz Sávio de Almeida e José Carlos Silva de Lima
O blog pode concordar ou não, em parte e no todo, com a matéria publicada

Nosso objetivo é deixar um painel diversificado sobre a pandemia nas Alagoas
Agradecemos a Eduardo Bastos

Luiz Sávio de Almeida. O virus enquanto espero o tempo passar (IV): em torno do virus, palavra e guerrilha



 Luiz Sávio de Almeida. O virus enquanto espero o tempo passar  (IV): em torno do virus,  palavra e guerrilha
Luiz Sávio de Almeida

É de se perguntar sobre o que o virus fez com o vocábulo, o que ele tem a ver com quarenta! Não sei dizer, quantos dias... Faz tempo que o mundo – que alguns chamam de pós-moderno – sente a necessidade dos muros d’antanho, de fortalezas  abrigando partes de povos, por detrás de imensos paredões de pedra.  Tempos absolutamente diferentes dos atuais e é interessante ver a simplicidade com que o Diccionario de Lima e Barcelar de 1783 (1783, 187) trata a epidemia como  “Doença de muito povo”. Fica muito bem posto, que epidemia sempre exige uma coletividade, a que os autores estão chamando de povo e que pode ser visto como um ajuntamento de gente.  Naqueles idos do século XVIII, Lima e Barcelar consideram o indistinto do povo e a este indistinto podemos acercar a quadraginta[UdW1] [UdW2] .

Já o Bluteau (1789), vai dizer que epidemia se trata do “andaço de doença”.  E este termo andanço será ligado também, em seu dicionário a contágio e corrupção dos ares. É uma bela palavra e inclusive traz movimento, jeito de se fazer. Fica mais claro, quando ele fala em um verbo que, atualmente, de modo raro a gente conjuga: desinfeccionar. Fomos à procura, em nosso dia a dia de fala, da ajuda de um outro verbo para associar ao substantivo: acabar com a infecção.  Parece-me que somos mais apegados ao substantivo, embora o verbo nos forneça a intensidade de uma ação: desinfecionar[UdW3] . 

A minha casa, a minha rua, o meu tempo devem, se desinfecionar; sei que respirar sem virus é impossível e, na verdade, nada tenho contra ele;  tenho contra a quem facilitou a sua vida. Ele nasceu perfeito, pois até agora, pelo que sei, ainda não se conseguiu apontar um seu calcanhar de Aquiles. Assim, ao que parece do ponto de vista da evolução, para onde mais ele iria a não ser para mutações e nelas atuam a velha noção de seleção natural. Pelo que sei, já sofreu quatro mutações e os nossos vieram dos lados europeus da Itália, depois, não se pode precisar o exato momento e que passou à transmissão comunitária e foi  do Oiapoque ao Chuí, e  embora sendo fisicamente o mesmo virus, passou  a ser  uma pluralidade cultural no país, do mesmo modo que seria diferente ser na periferia de New York e ser no cinturão do milho ou mais especificamente, em Michigan, Estados Unidos.

 Uma intention recta está presente em nossa guerra e é uma guerra mais do que justa e de tão densa e forte que nos mudará de diversas formas, especialmente nos levando a pensar em um sistema de saúde diferente, tomado de surpresa  não pelo mistério do virus, mas pelo combate universal, numa marcha que jamais foi tão  veloz, a se pensar que há pouco tempo estava na China e de repente estava na Europa, Brasil e Alagoas, numa velocidade que a economia criou para si e terminou para ele. Vamos nos lembrar do Ebola, que terminou recolhido e pensar neste que terminou em todo mundo. Se eu assumisse o que existe por detrás da expressão, ousaria dizer que estamos diante do primeiro virus acentuadamente pos-moderno.

O resultado foi trágico: no dia de hoje, no Brasil, os estados estão à beira da exaustão e se prevê para este mês entrante a ocupação a bem dizer total dos leitos disponíveis. Não é apenas a quantidade que afeta  o sistema, mas os dias de ocupação que ficam em torno de 20, conforme matéria publicada na UOL e de autoria de Canzian (2020). Peço desculpas a todos os entendidos, mas não confio muito em resultados alarmantes; sei que são possíveis, mas sempre acho que haverá alguma forma de combate. A mesma matéria de Canzian (Idem) nos fala de estudo em que se projeta, mantida a tendência, que teremos 40.000 infecções diárias no Brasil a partir de julho, segundo pesquisa da Federal de Minas Gerais. Sempre tomo estes dados como alerta, mas espero que se contorne este caminho[UdW4] .
Enquanto isto, leio no Diário do Nordeste , que a polícia prendeu um pai de santo, em cuja casa se fazia toque para expulsar o virus do corpo de um de seus filhos. Seria uma mutação dos tempos de inquisição? Fiquei pensando: avalie se a modo pega... O  virus seria uma entidade  descida para fazer o mal, perturbar e tinha de  ser exorcizada. Era um toque de exorcismo e de fato quando rezamos, oramos ou praticamos atos semelhantes, estamos a exorcizar Coronas e mais Coronas, como se estivessem abertas as portas do inferno[UdW5] [UdW6] .

 Não me parece possível, ainda, de se ter uma ideia  – pelas estatísticas publicadas pela Secretaria de Saúde do Estado de Alagoas –, sobre como vem se processando a distribuição espacial do virus em Alagoas.  Sabemos de registros para determinados municípios, mas não há, ainda, a possibilidade de se traçar um perfil do movimento o que, talvez, deva-se ao fato de que ele se encontra marcadamente situado em Maceió, o grande centro urbano do Estado, não tendo ocorrido um marcante aparecimento nas áreas do interior, mas ela começa a surgir nestes fins de abril, como iremos ver.
É preciso deixar claro, que esta  situação está sendo argumentada, por nós, no dia 24/04/2020 e com base no Boletim nº 46 do Centro de Informações Estratégicas e Resposta em Vigilância em Saúde CIEVS/AL, da Secretaria mencionada no início deste parágrafo. Trata-se de material de bom nível e consequente por parte dos profissionais envolvidos na sistematização dos dados. Claro que deve estar pesando a chamada subnotificação, mas isto não é somente em Alagoas,  mas no Brasil como um todo e decorre, especialmente, da velocidade de diagnóstico que não existe, segundo leio, e  que seja confiável em curto espaço de tempo. Existem estimativas de taxas e subnotificação, mas são baseadas em comportamento do virus em outros países.  Preciso sentir como se fará a distribuição espacial do virus, que não pode ser confundida com área por ele ocupada.

O  que nós estamos chamando de processo de distribuição espacial, pressupõe, simplesmente,  movimento, deslocamentos e isto redunda em algo  radicalmente diferente de uma simples plotagem, de uma verificação pausada em um sistema cartesiano. Claro que plotar é uma informação essencial, mas jamais suficiente, especialmente quando entendermos o espaço como sendo o que é gerado no   assenhoramento da natureza. Simples,  jamais poderia ser confundido com desnecessário: sem dúvida, é preciso plotar, mas é fundamental estudar a provável existência de caminhos e rotas e, nisto, discutir se estamos ou não diante de possível sistematização dessas rotas, onde se pode ter uma pergunta capital a ferir os modi operandi: de onde o virus sai e para onde o virus vai, devendo ser notado que ele não sai e se vai sem poder ficar.  É de se notar, portanto,  que ligamos o virus à ideia de espaço e, assim, estamos afirmando a possibilidade de lidar com a sua historicidade e, na verdade, consideramos que a única possibilidade dele existir, para nós, é estando neste complexo de situações onde tem vida humana e, portanto, construção, historicidade. Se desejarmos ampliar a discussão, podemos afirmar que toda a nossa análise histórica, necessariamente, vai ter de entendê-lo dentro desta construção-espaço e, mesmo quando o tratamos como unidade biológica, ela somente fará sentido nas velhas condições de tempo e lugar, e, desta forma, exigindo que a categoria de análise fique clara. Neste rumo da argumentação, poderia ser posta em evidência que o virus é a desigualdade social, no que Alagoas é elucidativa.

A guerrilha e a virose

Numa sexta-feira, 13 de Março, era dito que mantínhamos dez suspeitos e todos eles localizados em Maceió; deu-se a confirmação, em pessoa vinda da Itália e aí começa, pelos menos na narrativa oficial, o périplo do virus nas Alagoas. Jamais alguém poderá determinar ter sido aquele virus, o pai dos virus alagoanos, mas sem dúvida deveria ser  descendente dos que germinaram na Itália e começa, no seio de nossa pobreza, a história de uma doença que veio de fora e rapidamente se infiltrou em áreas cujas fronteiras estavam em aberto e não poderia ser ao contrário.  Vamos considerar, para efeito destas notas que a partir daí,  ele entra em nosso espaço e assume uma determinada velocidade de operação, o que vou considerar como sendo uma velocidade de guerrilha contra uma defesa fadada ao convencional dos enfrentamentos, sem a capacidade alternativa que o virus tem de estar em qualquer ponto do território e nas circunstâncias que cabem-no dentro do espaço.

Nesta guerra que estamos vivendo, podemos ver o virus como operando um conjunto de combatentes  magistralmente montado  e conduzindo, inclusive por ser  poderosa máquina, cada um com fantástico poder letal. Nós,  ao contrário,  temos de fazer o enfrentamento com uma parafernália instrumental caríssima e sem capacidade de alta movimentação: estamos em rapidamente esgotáveis pontos fixos,  nunca em ataque e parece estranho: sempre em recuo. E isto é um acentuado prejuízo na luta pois o que nos resta como grande combate é o que chamam confusamente de distanciamento social. O meliante anda sem informar para onde vai: sem dúvida, está em Maceió e vai sair e outros sempre estarão procurando portas para entrar e meios de ficar.

Trata-se de um guerrilheiro privilegiado, pois é invisível; é quase como os vietcongs de Ho Chi Min que viviam debaixo da terra.  E o facinosro repete a mesma tática onde quer que esteja, apesar de ser diferente como acontece em cada lugar: quer seja em Maceió, quer seja na Capela, o procedimento é o mesmo e o alvo é certeiro: boca, nariz, olhos, tanto fazendo se é rico ou pobre, velho ou moço, do Penedo ou de Piranhas. É como os dribles do Garrincha que institucionalizou o João. O infeliz precisa apenas ter acesso e se não tem de imediato, pode demorar-se à espera, não se sabe quanto tempo, não se sabe onde pousou para se ir morrendo ou ser morto na atividade de drogas que têm de terminar em cida, como terminam inseticida, formicida, germicida: coronicida.

 [UdW2]LIMA, Bernardo de. Dicionário da língua portuguesa em que se acharão  dobradas do que traz Bluteau, e todos os mais dicionários juntos. Lisboa: Oficina de José de Aquino Bulhões, 1873.
 [UdW3]BLUTEAU, Rafael.  Dicionário da língua portuguesa composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e acrescentado por Antônio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro. Lisboa: Oficina de Simão Tadeu Ferreira, 1789.

 [UdW4]CANZIAN, Fernando. Leitos de UTI do SUS devem acabar em maio na maioria dos estados UOUL030502020 

 [UdW5] [UdW6]Reunião em terreiro de umbanda 'para expulsar coronavírus' é interrompida pela polícia




Projeto Memória da Pandemia nas Alagoas
Coordenação
Luiz Sávio de Almeida e José Carlos Silva de Lima
O blog pode concordar ou não, em parte e no todo, com a matéria publicada
Nosso objetivo é deixar um painel diversificado sobre a pandemia nas Alagoas
Agradecemos a Eduardo Bastos

O virus enquanto espero o tempo passar (III): a morte e o desespero funerário: Memória das pandemias nas Alagoas (XXXIX)



A morte e o desespero funerário
Luiz Sávio de Almeida

Hoje começa o mês de maio que no calendário católico é tempo de se render homenagem e devoção  à Virgem Maria. Será um mês duro para a sociedade brasileira, que vem passando pelos vexames da pandemia e,  agora,  vai ingressado  em  fase mais pesada e, infelizmente, espero que se estenda para os fins de julho, podendo, depois, amainar embora todo o fim desta verdadeira via crucis somente termina com medicamentos eficazes ou com a eficácia não somente da vacina, mas da vacinação; ter a vacina e vacinar são duas situações absolutamente diferentes, embora, como é óbvio, a ação depende  do objeto.

Alagoas, como falamos,  sempre viveu atormentada pelo maligno das doenças, com a bexiga sendo das mais constantes, persistente mau grado a vacina que veio depois e que tanto problema viveu.  Ainda hoje chamamos de bexiguento a quem consideramos que não presta. Não há um momento da história do século XIX, que algo não estivesse com mortes aqui e ali, pela bexiga, febre amarela e outros tantos males.  O Corona não seria, portanto, novidade, se não fosse a forma dele ser e acontecer.  Somos uma cultura que se não tivesse sido vítima de tanto sofrimento, jamais  teria incorporado a expressão Casa da Peste. Como se pode sentir, estar com a doença é familiar e estar com a desigualdade também. E tudo é persistente, como parece será este virus da peste sobre o qual pouco se sabe, para o qual não existe vacina e do qual se pode esperar retorno. Comentando sobre o que é chamado de passaporte de imunidade, Pinto (2020) escreveu que a partir de  uma revisão de 20 trabalhos científicos, não é possível afirmar que os indivíduos com anticorpos estejam isentos do retorno[UdW1] .

 Não podemos imaginar o que vai nos acontecer,  por causa de inúmeros fatores e dentre eles pesa, especialmente o  fato de que o povo não manteve a rigidez do chamado isolamento e ele teria de ter um limite até ser fortemente conduzido pelo mando policial do estado. Por outro lado, nunca vivemos qualquer experiência semelhante mas  a memória os possibilita buscar imagens e inventar preenchimento de vazios.

Quando nos debruçamos sobre isto, sempre passa na  cabeça, alguns acontecimentos como os de Guayquil no Equador, com caixões nas ruas, mortos dentro de casa, colapso nos enterramentos, urnas funerárias empapeladas.  Se a morte termina por comover, leva ao espanto, com a quebra dos nossos padrões de cultos funerários e, isto, não somente aqui, mas pelo mundo,  pois tudo tornou-se e quase se esgota na invisível sensação de que estamos sempre na intimidade de áreas de risco para contágio. O virus  pertuba exposto ou escondido, o mediato e o imediato do que os antigos usavam chamar de andaço dando a tudo, mesmo do espaço ultrapequeno como o de um quarto, contudo, a dimensão do mundo.

 Sempre passam acontecimentos no Equador e que  foram terríveis. Hoje, o The New York Times traz uma grande reportagem sobre o colapso do serviço de enterramento em New York: We Run Out of Space: Bodies Pile Up as N. Y. Struggles to Bury its Dead.  Tudo isto está perto de nós e lembrei que por estes dias, em Manaus, as covas eram valas e se chegou a enterro com corpos empilhados, no desespero administrativo de dar conta sobre o descalabro que foi inesperado aqui, na França e no Japão. Nisto, vai crescendo o impacto na rede, atingindo a tropa que seria o corpo de saúde a lutar contra a doença. O número de pessoas que atendem aos doentes e que foram infectadas é grande no país e em Alagoas já houve vítima.

Anotações e história

É em torno deste ser sobre o qual pouco é sabido, que estas notas são desenvolvidas e sem grandes pretensões, tanto no que diz respeito ao conteúdo, quanto na metodologia para realizá-las e, na verdade, elas estão a sabor do dia, do impulso que leva a escrever. Poderíamos equacionar melhor o modo como serão escritas, dizendo que estão à disposição do sabor que o dia pede: vez que é mais isto, vez que é mais aquilo. No entanto, elas têm uma condição que as unifica: são parte de meu isolamento, palavra meio retumbante para apenas dizer sobre os dias em que fico recolhido em casa, na tentativa de estar, o menos possível, exposto ao público, como se existisse   a priori uma definição cujas preliminares já levantamos: o virus assume prioritariamente a área da ágora e as pessoas a área do domus, parecendo haver uma inversão pois o que é bem fica preso e o que é mau fica solto, uma subversão até mesmo do que alguns mencionam como democracia grega.

Se nós tomarmos a herança aristotélica na teologia católica de São Tomás de Aquino, veremos que ela não veda a possibilidade do Doutor Angélico falar sobre o tiranicídio, a possibilidade de destruir o erro, indo-se à guerra por uma causa justa. Estamos em uma guerra justa. Neste sentido,  de domus e agora, o comando é do virus que nos obriga a estarmos em defesa. Sei que esta imagem que criamos é forçada, mas foi realizada para trazer para a tragédia do Corona, um senso greco-alagoano, ampliando em nós o epi e o demia em oposição ao senso latino do quarenta+ena.


 [UdW1]PINTO, Ana Estela de Souza. OMS diz que “passaporte de imunidade” ainda é inviável: entenda por quê. Folha de São Paulo.  Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/oms-diz-que-passaporte-de-imunidade-ainda-e-inviavel-entenda-por-que.shtml. Acessado em: 25 Abr. 2020

Luiz Sávio de Almeida: O virus enquanto espero o tempo passar (II): a catástrofe americana. Memória da pandemia nas Alagoas (XXXVIII)



O virus enquanto espero o tempo passar (II): a catástrofe americana
Luiz Sávio de Almeida


E ele é um espetáculo que pode ser doloroso para os que se encontram reclusos; chega com uma trama muito superior à do cinema catástofre, ao gosto americano, conforme discutiu Sontag e que deriva dos pos-guerra, com inícios beirando os anos cinquenta. Pelo nosso ver, o americano chega sempre próximo à destruição do mundo, que não se acaba graças a um super-herói que emerge, pois existe no capitalismo uma magia inesgotável de salvação; neste sentido, o Olimpo americano sempre foi tão cheio quanto o grego,  de onde saíram deuses, semideuses e heróis magníficos como Hércules e trágicos a nosso ver como Sisifo que foi condenado a uma rotina de sim-chegar e não-chegar, uma contradição que ele não resolve e portanto não se liberta mas onde tem de viver a trama que lhe foi ditada.

Eu sou e sempre useiro e  ávido pelos textos de Albert Camus; ele  nos deixa pasmos pela  possibilidade de poder pensar e mais do que isto, imaginar, a felicidade de um Sísifo.  Se o capitalismo americano estivesse neste universo de Sífifo, não estaria a todo custo procurando ver-se em destruição para sentir-se salvar-se?  Não será que ele, o modo capitalista de ser americano,  enuncia a tese de que sempre encontra a salvação em si mesmo e, se não fosse isto.  estaria perdido o manifest destiny, vindo ainda da década de 40 do século XIX e um grande elo de sua tradição?

O sofrimento da Depressão, o sofrimento da guerra, levava automaticamente à deificação da catástofre? O Capitão América representando o maravilhoso,  aparece e vence vilões; sempre há uma luta em que se teme pela sorte do escudo, mas ele se recupera, vence, salva a América e protege o próprio mundo da destruição. Há uma América incansável em sua tarefa de ser América e quando falta herói terreno, vai-se em busca de um outro planeta e, assim, solução não falta, da mesma forma que um ser bisonho nasceu para representar o complexo de salvação da sociedade do capital na britânica terra da monarquia: 007.

O orgulho do The Six Million Dollar Man – a demonstrar a renovação biológica – levou a maravilha da tecnotrônica  – bela palavra de Darcy Ribeiro – a ser no anedotário brasileiro, comparado a Frankstein, na mania que temos de zombar de nós mesmos: o The Six Million Dollar Man foi fabricado pela Nasa e o desconjuntado monstro britânico, pensado na segunda década do século XIX, pelo sistema de saúde nacional. Péssima anedota.

O trágico americano, nesta circunstância que estamos discutindo, é  o gosto que ele tem de ser imemorial e é desta forma,  que, independendo de seu jeito de ficção científica americana, ele não é desconhecido em seu  modo de ser uma epidemia: epi demos. O epi-demos esteve entre nós e sempre estará nas suas variadas formas de perversão maligna.



Projeto Memória da Pandemia nas Alagoas
Coordenação
Luiz Sávio de Almeida e José Carlos Silva de Lima
O blog pode concordar ou não, em parte e no todo, com a matéria publicada
Nosso objetivo é deixar um painel diversificado sobre a pandemia nas Alagoas
Agradecimento a Eduardo Bastos


Bruno Rodrigo C. de Almeida da Silva. A memória da pandemia em Alagoas: notas pessoais e pequena reflexão sobre privilégios. Memória da pandemia nas Alagoas (XXXVII)



A memória da pandemia em Alagoas: notas pessoais e pequena reflexão sobre privilégios.

Bruno Rodrigo C. de Almeida da Silva

Advogado


Eu lembro do primeiro caso noticiado no mesm local em que eu estava.  Havia resolvido passar o Carnaval no Recife, tudo de última hora. Analisando bem, foi uma das melhores escolhas que poderia ter feito, foi o último contatato que teve com o povo e com as multidões. A sensação de transitar pela Rua do Imperador durante o Galo da Madrugada, o contato humano, tudo me traz uma doce e maravilhosa lembrança.
Ainda em Recife, enquanto esperava as pessoas se arrumarem para mais um show, assistia ao noticiário e escutei bem a confirmação do primeiro caso no estado de Pernambuco. A doença não era novidade alguma, já havia chegado à São Paulo, os relatos vindos da Europa e da China eram devastadores...


Pouco tempo após retornar, foi emitido, pela OMS, o alerta de Pandemia Global. Eu trabalho na Ouvidoria de um hospital público, mesmo fazendo serviço administrativo, o contato com pacientes é diário e constante. Assim, conversei com minha mãe, com quem moro, e acordamos que o melhor naquele momento seria que ela fosse para casa de uma tia até um segundo momento.
Inicialmente não fui dispensado do trabalho, algo que não me incomodou de maneira alguma, sentia que era necessário naquele momento que as instituições de saúde pudessem funcionar normalmente, excetuados pelos servidores do grupo de risco.


Já na segunda semana de decreto, me foi informado que, mesmo nas unidades hospitalares, os serviços administrativos serim reorganizados para que permitissem que aqueles que pudessem funcionar em regime de teletrabalho o fizessem. Foi assim que mesmo sem solicitar, fui convidado a trabalhar de casa, uma vez que o sistema de ouvidorias públicas é altamente informatizado, ainda deixando à disposição de servidores e pacientes os meus contatos pessoais.


Minha mãe acabou retornando para a casa após a semana santa, depois que passei por um processo de quarentena auto-imposto, sob um rígido isolamento social, onde não haveria questão importante o suficiente que não pudesse ser resolvida de casa.
Neste meio tempo que minha bisavó completou 104 anos, sem festa, comemorações neste estilo não podiam ser sequer cogitadas, para a segurança de todos, e principalmente a dela. A questão é, todos os anos fazemos questão de comemorá-lo, não para reunir a família, não pela diversão... É que qualquer aniversário dela é um marco extraordinário, e pode ser o último.


Foi durante o início da pandemia que perdi meu avô paterno. Uma das experiências mais duras que pude passar. Não foi Covid-19, mas o velório teve que ser realizado às pressas, com poucas pessoas, com a utilização de EPI’s por parte dos enlutados...
Foi também uma oportunidade de voltar-me para mim, e olhar por dentro. De  organizar meus trabalhos sob um outro aspecto, uma outra visão. Pude ler mais, assistir coisas novas, rever as antigas. Ouvir novas e velhas canções, assistir a debates, participar de discussões. E o momento de estreitar ainda mais os vínculos dentro de casa, de conversar mais, de fazer companhia, de trazer os animais de estimação para ainda mais perto.
Tem sido uma oportunidade de reflexão, de reconhecimento dos meus privilégios, de acompanhar e perceber as lutas pela sobrevivência que permeiam todo o país. De ajudar como é possível às diferentes correntes de solidariedade. Nem todos podem, ou devem, sair para ajudar o próximo, mas o mais importante é estar atento aos movimentos que ocorrem e poder saber de como forma ajudar, seja com dinheiro ou insumos.
Durante a COVID-19, a vida do brasileiro não tem sido fácil, principalmente daqueles que possuem menos recursos e estão relegados a viverem sem o mínimo de salubridade. É muito importante que essa situação não seja esquecida, jamais, nem mesmo quando tudo isso passar.