segunda-feira, 8 de junho de 2020

Direito, Sociedade e violência











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este material foi publicado em Campus/O Dia em julho de 2015

Campus volta à questão da sociedade, violência e direito,  em virtude de ser um tema central em nossa vida, persistindo na linha de frente de nossos problemas. Violência é uma questão ligada diretamente à estrutura de sustentação de nossa sociedade e quebrá-la não é tarefa fácil, pois somente a sociedade refeita poderá minorar seus índices de geração.
Esta edição de Campus foi coordenada pelo Professor França Júnior e trouxe dois novos articulistas de nosso suplemento: o professor Thiago Mota de Moraes e o graduando em direito  Bruno Rodrigo Carvalho  de Almeida e Silva.
Agradecemos ao Professor França, ao Professor Thiago e ao graduando Bruno.
Vamos ler
Um abraço
Sávio

Thiago Mota de Moraes, Mestrando em Teoria e Dogmática do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Especialista em Direito Processual pela Escola Superior da Magistratura de Alagoas (ESMAL). Professor de Direito Penal e Processual Penal em cursos de graduação e pós-graduação em Alagoas. Advogado Criminalista. Membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal (IBRASPP) e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Bruno Rodrigo Carvalho de Almeida da Silva, natural de Maceió-AL,  graduando em Direito pelo Centro Universitário CESMAC.
                             


Pensando sociedade, direito e violência

França Júnior


Thiago Mota de Moares e Bruno Carvalho de Almeida aceitaram o desafio de, aqui neste espaço, continuar uma discussão permeada de variáveis complexas. Lidar com os problemas vivenciados na segurança pública, especialmente a brasileira, quer seja no campo prático ou teórico, exige coragem cívica e disposição para debate. Ambos mostraram-se vigorosamente aptos ao atendimento das finalidades propostas por Campus.
Thiago Mota, profissional já tarimbado nas ciências criminais, professor festejado nos quatro cantos do Estado, apresenta-nos a incoerência histórica recorrente de nossos legisladores, que teimam em acreditar que o inflacionamento do tecido penal haverá de amainar as taxas de criminalidade ou a sensação de insegurança. Além disso, argutamente contesta, apresentando dados interessantíssimos, a relação de causalidade atribuída à violência e as desigualdades sociais. Por fim, chama à responsabilidade o Estado brasileiro, geralmente omisso e não raras vezes ineficiente, diante dos graves problemas e principalmente das promessas de resolutividade encartadas na Constituição.
Já Bruno Carvalho, destacado graduando do curso de Direito do CESMAC, traz à baila o ambiente hipócrita com o qual temos convivido, especialmente nos últimos tempos. O uso dos excessivos redutores de complexidade são contestados por ele, notadamente os códigos binários, pois sempre são utilizados pelo senso comum em favor do “homem de bem”, o “cidadão modelo”, uma espécie de ser imaculado, praticamente “um enviado divino” que deverá servir de parâmetro ao restante do rebanho. Sua análise reflete a necessidade de adequação dos ditos valores “tradicionais” à nova sociedade, democrática, portanto, que, apesar das resistências, produz avanços que devem ser celebrados.
Na verdade, ambos trazem mais questionamentos que respostas, seus textos são verdadeiras inquietações sobre os rumos de um ambiente que se pretende verdadeiramente democrático. Enfim, a visão crítica de ambos os ensaístas, cada um ao seu estilo, e o cuidado em explorar os “furos lógicos” mantidos pela doutrina do senso comum, só enriquece o debate e nos faz ter a certeza de que espaços como estes devem ser preservados e, quiçá, ampliados, para o necessário amadurecimento de nossa democracia. Dessa forma, sintam-se sempre convidados ao debate!

Estado, Violência, Criminalidade e Medo: uma conjuntura antidemocrática


Thiago Mota de Moraes


Frente ao crescimento das taxas de delinquência e ao aumento do medo decorrente da pungente criminalidade, principalmente a partir da década de 80, produziram-se, na grande maioria dos países ocidentais, movimentos de política criminal fundados eminentemente na necessidade de endurecimento das leis penais (retribuição e punição) como resposta a uma suposta demanda punitiva ante essa nova realidade.
Esse “populismo punitivo”, aparentemente fundado num ideário coletivo de perda de credibilidade da lei (do próprio Estado) em decorrência da inegável sensação de impunidade das infrações cotidianas mais frequentes, nutriu a expansão de um “culto”, quase totêmico e desguarnecido de base empírica, de que uma resposta mais repressiva a determinados crimes teria capacidade de refrear os estímulos à prática delitiva (ou pelo menos minorá-los).
Tal tendência incriminadora, exteriorizada em legislações claramente simbólicas e incapazes de qualquer efetividade prática, constitui um elemento fundamental e abjeto de nosso tempo (que precisa ser melhor conhecido); mas há vozes contrárias ao discurso punitivista. Nada obstante, lastreadas em uma desarmonia discursiva (e até mesmo hiperbólica), ultima-se em passos largos, como no mito de Cassandra, em fomentar cada vez mais incredulidade a uma possível sombra dissonante.
Por sua vez, o crime, não há que se negar, é indissociável ao homem; nada obstante, quando a população valora o seu conceito de criminalidade (e de violência), tais concepções, derivadas de sua experiência diária, expressam-se no descontrole, no conflito, na beligerância que tanto atestam os veículos de comunicação social (o vermelho do sangue aterroriza o inconsciente). Mas, frise-se, violência e criminalidade não são, a um olhar mais cuidadoso, sinônimos; até porque, nem toda criminalidade é necessariamente violenta, no sentido de vis absoluta, ou seja, de ferocidade física e, por óbvio, nem toda a violência é igualmente criminosa.
Desse imbróglio, típico dos paradoxos de nosso tempo, oriundos da relação cíclica violência-crime, olvida-se, com dada frequência, da natureza fundamental do delito, enquanto elemento indispensável à evolução natural do próprio Estado. Mas não só isso; como dissemos no início de nosso texto, ignora-se que o que move o engenho punitivista sancionador, enquanto elemento de controle do Estado é o próprio medo.
Neste ponto, tudo que é excepcional, que afronta nosso dia-a-dia como algo que nos desperta do senso confortável de nossos comportamentos petrificados, assusta. Na base do que é excêntrico, singular, está o vulgar, nosso senso de autoproteção e a necessidade de controle de uma estrutura política paradoxal, que, como advertiu Agamben, captura a vida humana e, ao mesmo tempo, a abandona à condição de mero ser vivente.
Quantas vezes nos questionamos sobre como vivíamos mais “tranquilos” em tempos passados!? Curioso é que, enquanto o discurso político coletivo anseia a abolição da arbitrariedade de vontades soberanas como técnica política de governo (como se viu na luta pela redemocratização do Brasil), aplaude-se a utilização, cada vez mais frequente (e menos restrita), da exceção jurídica como técnica política (e policial) para “combater” o perigo da “violência”.
Ampliamos o rol de crimes ditos hediondos, recrudescendo o sistema penal fundado no medo; desenvolvemos sistemas de execução penal dignas do medievo, insensíveis aos depósitos humanos onde indivíduos diuturnamente alimentam-se do ódio ao suposto “estado democrático de direito”; fomentamos uma ampliação do índice de condutas proibidas de forma assistemática e desproporcional, guiada pelos períodos pré-eleitorais e motivadas na retórica do “quanto pior melhor”.
Hoje, discutimos a redução da menoridade penal, o aumento do tempo prisional, legitimamos os linchamentos públicos, tudo diante de uma “moralidade” construída na base de um estado cada vez mais forte, cada vez mais amplo, donde suprimem-se as liberdades individuais em prol de uma condição onde a exceção é norma, e os direitos fundamentais são vistos como obstáculos ao “aprimoramento” do convívio humano.
Coincidência ou não, o mesmo aparato público que se destina responsável por “combater” a iniquidade, a injustiça e a desordem, ao invés de reconhecer sua incapacidade estrutural de lidar com os modelos de comportamento não institucionalizados, promove sua própria anomia, como forma de legitimar seu crescimento, justificando uma invasão cada vez mais tórrida em nossos direitos individuais.
Questiono então: onde chegamos, o que alcançamos!? O discurso repressivo seduz, porque se dirige ao nosso recôndito emocional, pois se agrega ao conjunto de nossos pré-conceitos e, parafraseando Voltaire, penso que o preconceito é uma opinião não submetida à razão.
Editamos mais de uma centena de reformas penais nos últimos setenta anos, todas com o demagógico sentido de reprimir a violência por meio do incremento da repressão à criminalidade. Nossos índices, entretanto, somente demonstram uma exponencial e ininterrupta expansão da violência, com uma taxa de quase trinta assassinatos por cem mil pessoas.
Onde erramos?! Talvez em pensar no Direito Penal como um instrumento estatal de solução de problemas sociais, esquecendo-nos que o “ser democrático” implica num modelo jurídico-político ideal de Estado que seja sim, máximo, no que se refere aos direitos econômicos, sociais e culturais, mas mínimo, como advertiu Ricardo de Brito, no que tange à intervenção no âmbito das liberdades individuais e da segurança jurídica. Nosso amadurecimento enquanto Estado Soberano, depende, ao nosso ver, de pararmos de querer resolver velhos problemas com soluções que historicamente se mostraram ineficientes, incapazes de servir ao propósito almejado.
Nomeadamente, precisamos repensar a ideologia (mítica) que há várias décadas se implantou em nosso país de que a criminalidade (e por conseguinte lógico, a violência) são frutos da desigualdade social e da pobreza. Aliás, apesar de não se poder negar, racionalmente, que a baixa educação e determinados fatores econômicos acompanham a violência, isto não quer dizer que há uma relação de causalidade necessária entre elas.
O exemplo do Estado do Piauí é, neste ponto, paradigmático. Apesar de pertencer à lista dos Estados mais pobres da federação, é um dos menos violentos (sua taxa de homicídios é, por exemplo, inferior à Santa Catarina). No mundo, essa situação se repete, como no caso de Bangladesh, onde cerca de 150 milhões de seres humanos convivem, ao mesmo tempo, com condições de miserabilidade inegáveis e uma das menores taxas de homicídio do planeta.
Quanto à desigualdade, referimo-nos ao estudo feito por Steven Pinker que atesta o fato de que no ano de 1968, os Estados Unidos apesar de terem alcançado um padrão extremamente equânime de distribuição de renda, convivia com picos de criminalidade alarmantes; nada obstante, já nos anos de 1990 e 2000, esse padrão igualitário não se manteve, mas a violência despencou.
Identificar a razão da problemática afeta à criminalidade e a violência é, portanto, um paradigma que merece intenso debate, numa tentativa de tornar menos problemático o fenômeno da alienação técnica de nossos políticos (Zaffaroni); por sua vez, a ideia de que a ausência de estado é a causa da violência, apesar de sedutora, é mais um instrumento para legitimação do agigantamento do Estado e de todos os problemas que tal predicamento impõe.
Ora, ampliando a advertência feita por Bene Barbosa e Francisco Razzo, enfatizamos a premente indulgência de se verificar o dado inquietante de que, como o Estado detém para si o instrumental de repressão e clama para si o monopólio da segurança pública, ao não tomar as medidas necessárias para impedir todo e qualquer tipo de crime, é cúmplice — no mínimo, por omissão.
Ao criar normas penais de cunho eminentemente simbólico, reforçando o padrão censurável de sensação de impunidade na sociedade, ao instituir expectativas que, indubitavelmente, não serão cumpridas pela auxese apoteótica do sistema criminal, o Estado não só tenta legitimar sua ampliação e arbitrariedade, como faz ainda mais clara sua incapacidade de cumprir o mínimo que lhe era reservado tutelar, incrementando uma crise de valores que subjuga o indivíduo e sobreleva sua descrença nos valores democráticos.

Maniqueísmo social: para o tradicional “homem de bem”, “bandido” será sempre o outro
           Bruno Rodrigo Carvalho de Almeida da Silva

Há um clima estranho pairando no ar, você pode senti-lo onde quer que se encontre; pode senti-lo, por exemplo,  quando tenta fugir da realidade e dá uma olhada nas redes sociais; você o sente enquanto espera seu ônibus ou é obrigado a escutar as conversas das pessoas sentadas ao seu redor no transporte coletivo, e nota que o clima, que dizem ser de medo, vai muito além, é de ódio, naturalmente alimentado por medo.
Quando você para um segundo, fecha seus olhos e inspira fundo, todo o sentimento que paira ao seu redor parece que voltou no tempo, um tempo distante em que os primeiros homens viviam sob o estado de natureza, com medo, com receio, mas, talvez, ainda sem ódio, a questão da sobrevivência era mais importante que qualquer sentimento desconhecido, não se matava ainda porque o próximo era diferente, se matava porque se pensava que morreria, mas o medo rondava, a diferença é que não manipulava.
Mas, quando abrimos os olhos e percebemos que ainda estamos no presente, no nosso presente, vemos que o medo que está ao nosso redor não veio desacompanhado, mas com uma companhia tão forte que quase nos esquecemos que o estamos sentindo, um medo que nos é vendido como mercadoria e ele está ali na TV, está nos famosos dados que todos citam e ninguém informa a fonte, é um medo variado, o do “vagabundo que pode fazer o que quer e a justiça coloca de volta na rua”, “o medo do comunismo” (até parece a Guerra Fria de novo), “o medo da crise causada por toda essa corrupção”. Um medo difuso.
E quando tudo está envolto em medo, de repente, não mais que de repente, surgem heróis, e como são virtuosos, e como são carismáticos, e como são bons exemplos, o único problema é que eles não são tudo isso. O homem quando vive em momentos drásticos tenta dividir o mundo em uma lógica maniqueísta, a lógica do bem contra o mal. Tenta visualizar a perfeição para que possa apontá-la como o exemplo supremo do bom cidadão a ser seguido, o problema é que esse “bom cidadão” não existe, e o que fazem quando percebem isso? Buscam uma lógica relativista onde tudo o que antes repudiavam volta a ser aceitável, desde que seja o instrumento do herói da pátria para atingir os fins que os bons cidadãos desejam.
Não importa o quanto o herói é corrupto, não importa o quanto defenda a falta de liberdade, a violência indiscriminada contra os já fragilizados, desde que defenda a “família tradicional”, a “moral e os bons costumes”, aquele ente mítico que nunca ninguém viu realmente, mas o pior de tudo é que quando se olha com cuidado, esses heróis não defendem as tradições, eles não almejam defender ou agregar nada, eles apenas desejam impedir. Impedir o surgimento do novo, impedir o Direito à Felicidade, que já aparece em teorias jurídicas como um dos fins de nossa constituição.
O tal defensor da “família tradicional” é contra o aborto, é contra o casamento homoafetivo, é contra a adoção por estes mesmos, é a favor da pena de morte, da diminuição da maioridade penal, é contra buscar a solução para os problemas sociais que atingem o povo, mas são completamente a favor de projetos e leis que agravem os problemas (seria ingenuidade ou má-fé?), assim podem se perpetuar eternamente no poder, renovar o ciclo.
Com a atual problemática do aborto, tratada do jeito que está pelas autoridades, ou seja, com a polícia, mais e mais mulheres morrem todos os dias, mais crianças nascem e são abandonadas, sem que haja adoção dessas crianças, elas geralmente crescem nas ruas, abandonadas, crianças invisíveis, meninos e meninas que ninguém enxerga, e que logo depois de todo o abuso, a violência que sofrem e vivenciam, a falta da educação que lhes foi negada, quando logo depois incorrem no erro, para o cidadão de bem a culpa é exclusivamente delas.
E assim o relativismo lógico surge forte, o “cidadão de bem” que comete inúmeras corrupções no dia a dia, que comete inúmeros crimes, não considera seus atos como delituosos, aquele que sai bebendo e dirigindo, que abre a carteira e tira o dinheiro sem pensar duas vezes para entregar ao guarda naquela blitz, aquele que aceita trocar o voto por interesses pessoais, o que sonega impostos, o que usa o anonimato da internet pra ofender com misoginia, racismo, homofobia, que ofende quem segue uma religião diferente da sua, este “cidadão de bem” levanta a bandeira do “bandido bom é bandido morto”, só que nesse momento, bandidos são apenas os outros.
           


Luiz Sávio de Almeida. A dança macabra do virus em Maceio: o ”suave” do mês de março. [Memória da Pandemia em Alagoas]


A dança macabra do virus em Maceió: o ”suave” do mês de março

Luiz Sávio de Almeida

Uma primeira versão deste texto foi publicada no site Ocho2

Clique abaixo

The macabre dance of the virus in Maceió: the "soft" month of March

La danza macabra del virus en Maceió: el mes "suave" de marzo

La danse macabre du virus à Maceió: le mois «doux» de mars


Pequena indicação metodológica

            Apesar de ser trabalhado seriamente,  o Informativo Epidemiológico editado pela Secretaria de Saúde do Município de Maceió, apresenta alguns pequenos problemas para que se empreenda a condução da análise dos dados. Estas pequenas dificuldades podem ser agrupadas quanto à periodicidade, ingresso e retirada de variáveis, bem como formas de anotação. Claro que elas não são, de longe,  suficientes para arranhar o que se pode extrair de uma fonte extremamente  rica para a pesquisa. No entanto, é necessário fazer esta ressalva, como resguardo do texto, pois em alguns casos tivemos que realizar interpolações, considerando que na ausência da informação prevalecia a média entre o dia anterior e o posterior; segundo supomos, alguns dias não tiveram seus arquivos postos à disposição.

            O primeiro Informe Epidemiológico  da Secretaria de Saúde do Município de Maceió,  data de 15 de março de 2.020 e ele consignava que haviam sido realizadas cerca de  56 notificações de casos, com 37 considerados suspeitos e dando-se a confirmação laboratorial de apenas 1, com  descarte de  22 e 14 estando sob investigação.  O Informativo trazia indicações sobre o  que vamos considerar como variáveis operacionais:  sob investigação, confirmados, descartados e excluídos e apresentava, também,  a totalização  dos dados de tais categorias. Ao longo da série publicada, foram realizadas mudanças, especialmente a partir de abril.  Evidentemente, as mudanças podem e devem acontecer, mas – quem sabe ? – deveria ser dada a devida informação ao usuário.  Isto possibilitaria melhor entendimento do que vinha acontecendo; a retirada de um dado, por exemplo,  implica para o pesquisador realizar diversas perguntas sobre a razão da exclusão.  Contudo, nem de longe invalida o essencial que a Secretaria fornece e tudo deve ter acontecido em busca de ajustar um bom padrão de informação.

Neste nosso trabalho, o objetivo é, apenas, o de trabalhar uma série histórica, para entendermos, um pouco, sobre o avanço do virus na cidade. E faremos , então, um estudo preliminar da distribuição de variáveis operacionais e fundamentais do boletim mencionado, primeiro verificando o que se deu com dois dados essenciais: os casos confirmados e os óbitos. O trabalho constará de três etapas. A primeira é verificar o que havia sido informado sobre o mês de março, espécie de antessala para a confirmação do porte do virus em abril e sua fortíssima caminhada durante o mês de maio. A segunda seria verificar o crescimento em abril e maio em busca  dos confirmados e, dentre eles, os óbitos.  A terceira etapa de nosso trabalho é ligada à duas condições essenciais: o que ocorre como distribuição territorial do virus e indicações de caracterização social das pessoas que foram infectadas.  Para efeito do exame do processo, lidaremos com a periodicidade de sete dias a partir do 1º de abril. Supomos que em uma semana periodicamente, tenha-se a possibilidade de ir acompanhando o ritmo de transformações que vão acontecendo sobre o comportamento do virus no maior centro urbano de Alagoas e cabeça de uma área metropolitana de peso na composição do Produto Interno Bruto e parcela significativa da população do Estado de Alagoas.

Um mar de aparente bonança

            No seio da tempestuosa passagem do virus em Maceió, o mês de março poderia ser considerado como “suave”, dando-se no último dia, o primeiro registro de óbito. Fica este marco trágico, no 31 daquele mês.  O primeiro caso oficialmente conhecido de óbito vem do mês de março,  conforme se pode ler no Informativo nº 1 da Secretaria Municipal de Saúde. É daí que evoluem os registros oficiais. Há matéria de 8 de março, publicada no portal G1 que se reporta à infecção em pessoa que veio da Itália e que se encontrava em casa. A manchete destaca a Itália: Homem que veio da Itália é o primeiro caso confirmado de coronavírus em Alagoas, diz Secretaria. É por aí que acontece, oficialmente, o começo e a multiplicação  de resultados,  de ataques.

Não é viável afirmar que os casos nasçam desta contaminação, desta primeira, como se todos os outros a continuassem, mas o registro vem daí; é daí que evoluem e trafegam por nossa cidade e andam “suavemente” pelo mês de março, no sentido de que suas proporções ainda não eram as que serão vistas dois meses depois, em maio, apesar de que se tinha alta velocidade em demanda de investigação, como se pode verificar no Gráfico n.º 1. Aliás, até o dia 26 de março, a curva assume todas as características de uma exponencial,  havendo uma queda e uma retomada. Este comportamento das investigações significava que se encontrava instalada uma necessidade de esclarecimento crescente e que a população iria, cada vez mais, demandar por aclaramento de diagnóstico.

Gráfico n.º 1 – Investigações realizadas no âmbito da Secretaria de Saúde do Município de Maceió no período de 15 a 31 de março de 2.020


            A pressão por esclarecimento a partir das investigações deveria ser  forte sobre a possibilidade de  resposta municipal, valendo  considerar que o retardamento e a subnotificação poderiam estar ocasionando a maximização do que vamos chamar de casos invisíveis e que não seriam apenas os assintomáticos. O volume da subnotificação, segundo alguns levantamentos que circulam, é altíssimo. Procurar saber, diagnosticar  o caso, estava sendo uma preocupação a ganhar corpo. O fato básico é que se parte de 12   investigações no início da quinzena e atinge-se no fim do mês a 212, um notável crescimento pois o último dia do mês de março  era  15 vezes maior, estando em vigor o decreto do isolamento.

O Decreto não teria sido lançado ao lado de um estadual, se não tivesse sido realizada uma severa avaliação do que estava acontecendo e do que poderia se desenvolver. Apesar de estar levando em conta o impacto na economia, a escolha foi realizada. Não resta dúvida de que aconteceria impacto na ordem econômica, mas era necessário resguardar a população do contágio, inclusive para diminuir o impacto futuro sobre os serviços.  Projeções, cenários sobre o que poderia acontecer com Alagoas, começavam  a serem produzidas e isto levava  a  se pensar em maior nível de acautelamento. É que a partir de 18 de março, começava a se esboçar a escalada dos casos confirmados, cujo vigor de crescimento pode ser visto no Gráfico n.º 2.

Gráfico n.º 2 – Casos confirmados em Maceió pelos dados da Secretaria Municipal de Saúde, no período de 15 a 31 de março de 2.020




          Evidentemente, o comportamento da série de confirmações teria de ser diferente do que se teve para as investigações. A correlação entre as duas variáveis praticamente não deve ser explorada; são duas ordens de crescimento diferentes: o avanço na linha das investigações jamais poderia estar altamente relacionado ao avanço dos casos confirmados.  Observe-se, que ambas têm elevadíssimo coeficiente de expansão e atingem no dia 31 de março, um patamar inúmeras vezes mais alto do que esteve no dia 15 do mesmo mês, data de publicação do Informativo Epidemiológico n.º 1. A diferença do crescimento das duas categorias fica clara no Gráfico n.º 3, onde se tem os valores diários expressos em percentual sobre o dia 15 de março que seria, então, a base. No último dia desta escalada,  surge a primeira morte alagoana, registrada como sendo da responsabilidade do Coronavirus.

Gráfico n.º 3 - Índice de crescimento com base em 15 de março de casos confirmados e investigações