segunda-feira, 8 de junho de 2020

Luiz Sávio de Almeida. A dança macabra do virus em Maceio: o ”suave” do mês de março. [Memória da Pandemia em Alagoas]


A dança macabra do virus em Maceió: o ”suave” do mês de março

Luiz Sávio de Almeida

Uma primeira versão deste texto foi publicada no site Ocho2

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The macabre dance of the virus in Maceió: the "soft" month of March

La danza macabra del virus en Maceió: el mes "suave" de marzo

La danse macabre du virus à Maceió: le mois «doux» de mars


Pequena indicação metodológica

            Apesar de ser trabalhado seriamente,  o Informativo Epidemiológico editado pela Secretaria de Saúde do Município de Maceió, apresenta alguns pequenos problemas para que se empreenda a condução da análise dos dados. Estas pequenas dificuldades podem ser agrupadas quanto à periodicidade, ingresso e retirada de variáveis, bem como formas de anotação. Claro que elas não são, de longe,  suficientes para arranhar o que se pode extrair de uma fonte extremamente  rica para a pesquisa. No entanto, é necessário fazer esta ressalva, como resguardo do texto, pois em alguns casos tivemos que realizar interpolações, considerando que na ausência da informação prevalecia a média entre o dia anterior e o posterior; segundo supomos, alguns dias não tiveram seus arquivos postos à disposição.

            O primeiro Informe Epidemiológico  da Secretaria de Saúde do Município de Maceió,  data de 15 de março de 2.020 e ele consignava que haviam sido realizadas cerca de  56 notificações de casos, com 37 considerados suspeitos e dando-se a confirmação laboratorial de apenas 1, com  descarte de  22 e 14 estando sob investigação.  O Informativo trazia indicações sobre o  que vamos considerar como variáveis operacionais:  sob investigação, confirmados, descartados e excluídos e apresentava, também,  a totalização  dos dados de tais categorias. Ao longo da série publicada, foram realizadas mudanças, especialmente a partir de abril.  Evidentemente, as mudanças podem e devem acontecer, mas – quem sabe ? – deveria ser dada a devida informação ao usuário.  Isto possibilitaria melhor entendimento do que vinha acontecendo; a retirada de um dado, por exemplo,  implica para o pesquisador realizar diversas perguntas sobre a razão da exclusão.  Contudo, nem de longe invalida o essencial que a Secretaria fornece e tudo deve ter acontecido em busca de ajustar um bom padrão de informação.

Neste nosso trabalho, o objetivo é, apenas, o de trabalhar uma série histórica, para entendermos, um pouco, sobre o avanço do virus na cidade. E faremos , então, um estudo preliminar da distribuição de variáveis operacionais e fundamentais do boletim mencionado, primeiro verificando o que se deu com dois dados essenciais: os casos confirmados e os óbitos. O trabalho constará de três etapas. A primeira é verificar o que havia sido informado sobre o mês de março, espécie de antessala para a confirmação do porte do virus em abril e sua fortíssima caminhada durante o mês de maio. A segunda seria verificar o crescimento em abril e maio em busca  dos confirmados e, dentre eles, os óbitos.  A terceira etapa de nosso trabalho é ligada à duas condições essenciais: o que ocorre como distribuição territorial do virus e indicações de caracterização social das pessoas que foram infectadas.  Para efeito do exame do processo, lidaremos com a periodicidade de sete dias a partir do 1º de abril. Supomos que em uma semana periodicamente, tenha-se a possibilidade de ir acompanhando o ritmo de transformações que vão acontecendo sobre o comportamento do virus no maior centro urbano de Alagoas e cabeça de uma área metropolitana de peso na composição do Produto Interno Bruto e parcela significativa da população do Estado de Alagoas.

Um mar de aparente bonança

            No seio da tempestuosa passagem do virus em Maceió, o mês de março poderia ser considerado como “suave”, dando-se no último dia, o primeiro registro de óbito. Fica este marco trágico, no 31 daquele mês.  O primeiro caso oficialmente conhecido de óbito vem do mês de março,  conforme se pode ler no Informativo nº 1 da Secretaria Municipal de Saúde. É daí que evoluem os registros oficiais. Há matéria de 8 de março, publicada no portal G1 que se reporta à infecção em pessoa que veio da Itália e que se encontrava em casa. A manchete destaca a Itália: Homem que veio da Itália é o primeiro caso confirmado de coronavírus em Alagoas, diz Secretaria. É por aí que acontece, oficialmente, o começo e a multiplicação  de resultados,  de ataques.

Não é viável afirmar que os casos nasçam desta contaminação, desta primeira, como se todos os outros a continuassem, mas o registro vem daí; é daí que evoluem e trafegam por nossa cidade e andam “suavemente” pelo mês de março, no sentido de que suas proporções ainda não eram as que serão vistas dois meses depois, em maio, apesar de que se tinha alta velocidade em demanda de investigação, como se pode verificar no Gráfico n.º 1. Aliás, até o dia 26 de março, a curva assume todas as características de uma exponencial,  havendo uma queda e uma retomada. Este comportamento das investigações significava que se encontrava instalada uma necessidade de esclarecimento crescente e que a população iria, cada vez mais, demandar por aclaramento de diagnóstico.

Gráfico n.º 1 – Investigações realizadas no âmbito da Secretaria de Saúde do Município de Maceió no período de 15 a 31 de março de 2.020


            A pressão por esclarecimento a partir das investigações deveria ser  forte sobre a possibilidade de  resposta municipal, valendo  considerar que o retardamento e a subnotificação poderiam estar ocasionando a maximização do que vamos chamar de casos invisíveis e que não seriam apenas os assintomáticos. O volume da subnotificação, segundo alguns levantamentos que circulam, é altíssimo. Procurar saber, diagnosticar  o caso, estava sendo uma preocupação a ganhar corpo. O fato básico é que se parte de 12   investigações no início da quinzena e atinge-se no fim do mês a 212, um notável crescimento pois o último dia do mês de março  era  15 vezes maior, estando em vigor o decreto do isolamento.

O Decreto não teria sido lançado ao lado de um estadual, se não tivesse sido realizada uma severa avaliação do que estava acontecendo e do que poderia se desenvolver. Apesar de estar levando em conta o impacto na economia, a escolha foi realizada. Não resta dúvida de que aconteceria impacto na ordem econômica, mas era necessário resguardar a população do contágio, inclusive para diminuir o impacto futuro sobre os serviços.  Projeções, cenários sobre o que poderia acontecer com Alagoas, começavam  a serem produzidas e isto levava  a  se pensar em maior nível de acautelamento. É que a partir de 18 de março, começava a se esboçar a escalada dos casos confirmados, cujo vigor de crescimento pode ser visto no Gráfico n.º 2.

Gráfico n.º 2 – Casos confirmados em Maceió pelos dados da Secretaria Municipal de Saúde, no período de 15 a 31 de março de 2.020




          Evidentemente, o comportamento da série de confirmações teria de ser diferente do que se teve para as investigações. A correlação entre as duas variáveis praticamente não deve ser explorada; são duas ordens de crescimento diferentes: o avanço na linha das investigações jamais poderia estar altamente relacionado ao avanço dos casos confirmados.  Observe-se, que ambas têm elevadíssimo coeficiente de expansão e atingem no dia 31 de março, um patamar inúmeras vezes mais alto do que esteve no dia 15 do mesmo mês, data de publicação do Informativo Epidemiológico n.º 1. A diferença do crescimento das duas categorias fica clara no Gráfico n.º 3, onde se tem os valores diários expressos em percentual sobre o dia 15 de março que seria, então, a base. No último dia desta escalada,  surge a primeira morte alagoana, registrada como sendo da responsabilidade do Coronavirus.

Gráfico n.º 3 - Índice de crescimento com base em 15 de março de casos confirmados e investigações