quarta-feira, 29 de abril de 2020

Maclém Carneiro. Degrau por degrau. Memória da pandemia nas Alagoas (XXII)



Degrau Por Degrau 
Maclém Carneiro
        Músico, compositor e cantor
          Eu não saberia precisar quando comecei o meu isolamento social. Só lembro que foi no dia seguinte ao primeiro decreto do governo do Estado, que estabeleceu a prerrogativa de pessoas “sexes”, como eu, serem liberadas do trabalho presencial. Imediatamente, vislumbrei uma das poucas vantagens de ter a tal de DNA e fui logo requerer essa ”benesse.” Nem me dei conta de que não era nenhuma bondade palaciana, e sim o fato de eu já estar no grupo de risco preconizado pela OMS. Ocorre que me tornei um misantropo de carteirinha, como cortejava há bastante tempo, porém, sem o sabor involuntário e amargo de uma pandemia. Enfim, não lembro quando comecei minha espera do tempo passar, porque uma das coisas que mais me chamam a atenção nesses dias é o fato deles parecerem absolutamente iguais, mesmo que estabeleçamos uma rotina diferente para cada dia da semana.
          No começo, em meados de março, resolvi radicalizar e só saia da toca para subir e descer nove andares pelas escadas do meu prédio e respirar outros ares, um tanto poluídos de odores amoníacos. Certamente, incentivaram minha ligeireza escada a baixo e a convicção de que pra descer todo santo ajuda. Mesmo assim, no primeiro dia, só consegui duas vezes. É bem verdade que ao final da atividade receei estar com um dos sintomas do coronavírus, de tanta dificuldade que eu tinha para respirar. Porém, fui resiliente, porque o que me impressiona na espécie humana é a capacidade de adaptação, para cima ou para baixo. Por isso, atualmente, desço e subo os nove andares seis vezes, todos os dias. O que dá um tempo razoável de atividade física, ao passo que, literalmente, me preparo para o campeonato dessa modalidade esportiva, bastante valorizada nos USA, antes do Osama detonar as Torres Gêmeas. Por enquanto, aqui, são 154 degraus, cada um com sua personalidade e detalhe específico. Às vezes, alguns me olham de baixo para cima, claramente apreensivos, à espera da pisada inclemente. No entanto, minutos depois, se vingam maldosamente, quando os miro do meu ângulo inferior, com o coração na boca, e eles riem de mim, gélidos em sua concretude, a espera do piripaque letal.     
          Embora já se configure um longo tempo sem o convívio e o abraço afetuoso dos poucos amigos e parentes queridos, a monotonia ainda não se abateu sobre mim e nem ameaçou minha rotina, com suas garras de lesma e bafo de preguiça paralisante, no meu latifúndio de poucos metros quadrados. Além disso, mesmo que os dias sejam miméticos em sua essência, a cena política do país e seus protagonistas ridículos não permitem monotonia. A não ser que não houvesse mais nenhuma possibilidade de contato com o mundo alheio ao 904, num blecaute das redes sociais e meios de comunicação. Aí sim, de bom grado, com muito mais intensidade, eu iria esperar o meu amor chegar, aprofundaria os meus colóquios diários com o Jipe (um felino manhoso que, espaçosamente, coabita meu espaço) e reforçaria a leitura e a escrita inconsequente, tão atávicas a mim e pré-pandêmicas.
          Pensando bem, talvez fosse esse o mundo ideal para mim. Um mundo pós-pandemia, onde as pessoas estariam a salvo dos fatos inusitados e acontecimentos esdrúxulos, escancarados pelas personagens em voga nesse nosso país dilacerado e sob o desabrigo de um excrementíssimo presidente virulento, tão letal quanto é o covidis-19 à vida humana.
          Exatamente agora, quando estou chegando ao ponto final desse escrito, sem precisar abrir a porta, me atinge o mais recente boletim da pandemia em Alagoas, que aponta 777 casos confirmados e 36 óbitos, num crescimento exponencial a caminho do pico. Penso em todos os mais pobres e vulneráveis, que ainda serão atingidos. Penso em todas as famílias que pranteiam seus mortos. Penso nas classes de trabalhadores que estão arriscando a vida no combate a essa pandemia e nos que garantem a comodidade do nosso recolhimento social e, finalmente, rogo para que esse desastre mundial sirva ao menos como ponto de partida para uma coexistência menos desumana, porque não creio mais na reinvenção da humanidade.
Mácleim (29/04/2020)  

Esta série tem por objetivo publicar depoimentos sobre  como se pensa e se lida com o Corona em Alagoas.  Está aberta a toda e qualquer pessoa, de qualquer tendência. É uma documentação organizada, sobretudo, para um futuro estudioso de como a epidemia foi vista e vivida em Alagoas. O material será publicado  paulatinamente no  suplemento Campus do jornal O Dia. Está sendo  organizado por Carlos Lima, Mestre em História pela Universidade Federal de Alagoas e Luiz Sávio de Almeida. O blog pode discordar de parte ou do todo da matéria por ele  publicada.





Victor Alves. A Pessoa e a missão do profeta: Resposta para a “pandemia”. Memória da pandemia nas Alagoas (XXII)




A Pessoa e a missão do profeta: Resposta para a “pandemia”
Victor Alves

Pastor da Primeira Igreja Batista de Capela, professor de Antigo Testamento no Seminário Teológico Batista de Alagoas e membro da @ligateologica.

O movimento profético é, sem sombra de dúvidas, o movimento mais surpreendente que se pode encontrar em todo o Antigo Testamento, pois tem sua culminância em figuras que se tornaram o centro de muitas das narrativas desta obra literária. Com suas expressões impactantes, muitos deles levavam mensagens de consolo, repreensão e arrependimento, como também tentavam ajudar o seu povo a encontrar uma razão para tudo o que acontecia. Em tempos de “pandemia”, essas respostas se tornam mais necessárias do que nunca.
Os profetas, a princípio, também eram pessoas que atuaram com grande relevância em vários momentos da história do povo de Israel. Diante disso, é preciso responder duas perguntas essenciais para entender tal movimento e, quem sabe até, encontrar uma resposta para nossa situação atual. A primeira pergunta é: “Quem eram os profetas”? A segunda: “Qual era a sua missão”? Respondendo a primeira pergunta, se percebe algo peculiar nos livros que levam os nomes desses que eram considerados “homens de Deus. Frequentemente, os profetas são identificados por seus nomes no começo de seus escritos, bem como pela data e o lugar em que ocorria a sua atividade. Por este fato, pode-se perceber que a pessoa histórica do profeta ocupa uma importância fundamental no que diz respeito a sua mensagem.
A maneira pela qual são anunciados os seus escritos ocorrem por expressões tais como: “A Palavra de Amós”, “A visão de Isaías”, onde sempre sua mensagem é associada à pessoa que a pronuncia. Outro fato importante é entender que os próprios profetas têm a consciência de que o Senhor Deus os chamou pelo nome. O nome de um indivíduo ocupa um lugar de extrema importância também para a narrativa, pois este nome está sempre associado ao caráter. Com isso, tem-se a ideia de que o profeta é alguém que foi chamado por Deus, mas esse chamado ocorre pelo nome, que implica dizer que aquele que os chamou, os conhece não apenas “de vista”, mas conhece tudo o que precisa conhecer, incluindo o seu caráter. Respondendo à primeira pergunta: Os profetas são homens chamados por Deus.
Entendido a questão da pessoa do profeta, precisa-se agora falar da missão desses grandes homens. Sobre este tema é preciso entender que eles têm uma profunda consciência de sua função e sobre isso o profeta Isaías afirma: “O espírito do Senhor DEUS está sobre mim; porque o SENHOR me ungiu, para pregar boas novas aos mansos; enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão aos presos.” (Isaías 61. 1). A missão do profeta era anunciar a mensagem que Deus tinha separado para falar em determinado momento. Bem se sabe que a “instituição” do profeta não era exclusividade do povo de Israel, porém algumas coisas diferenciavam os atos proféticos de Israel das demais nações. Para o povo de Deus no Antigo Testamento, a profecia não se resumia a “premonições” (visto que esse ato era condenado pela lei Mosaica). Por outro lado, o profeta também não era uma pessoa que simplesmente falava a Palavra de Deus, mas, através de encenações dramáticas se tornavam a Palavra de Deus, pois faziam o papel que a Bíblia faz hoje para os cristãos. Pode-se exemplificar esse fato com uma ordem que Deus dá ao profeta Isaías que ele deveria andar nu durante 3 anos e 2 meses entre o povo de Israel (Isaías 20). Com isso, o Senhor queria enviar uma mensagem ao seu povo e o profeta se tornava a mensagem de Deus. Outro fato curioso é o que acontece com Ezequiel (Cap. 24), onde Ele diz que o profeta não poderia chorar no enterro de sua esposa, ensinando assim que Deus já não chorava pelo seu povo. Com isso, se percebe que a mensagem do profeta não se resumia a palavras, mas com suas atitudes dramáticas eles se tornavam a mensagem.
Por mais que esses textos tenham sido escritos há tanto tempo atrás, essas mensagens se mostram bastante atuais, pois através delas muitas pessoas têm superado males e encontrado o verdadeiro significado da “vida em abundância” que Cristo prometeu a todo aquele que crê. Levando em consideração que uma das missões dos profetas era ensinar ao seu povo uma razão para as dificuldades da vida, pode-se perceber que a mensagem nesses tempos de pandemia é altamente pedagógica para todos aqueles que buscam um sentido no sofrimento. Momentos como estes, segundo os próprios profetas, servem para renovar a nossa esperança naquele que realmente deve ser a nossa razão de viver, pois assim afirma o profeta Jeremias: “E há esperança quanto ao teu futuro, diz o Senhor...” (Jeremias 31. 17) A mensagem dos profetas renovam as nossas esperanças de que o Senhor está cuidando do futuro das nações e não existe melhor lugar para estar do que debaixo da proteção desse Deus amoroso.

Esta série tem por objetivo publicar depoimentos sobre  como se pensa e se lida com o Corona em Alagoas.  Está aberta a toda e qualquer pessoa, de qualquer tendência. É uma documentação organizada, sobretudo, para um futuro estudioso de como a epidemia foi vista e vivida em Alagoas. O material será publicado  paulatinamente no  suplemento Campus do jornal O Dia. Está sendo  organizado por Carlos Lima, Mestre em História pela Universidade Federal de Alagoas e Luiz Sávio de Almeida. O blog pode discordar de parte ou do todo da matéria por ele  publicada.







Paulo Felipe Almeida.O CRISTÃO E A PANDEMIA. Memória da pandemia nas Alagoas (XXI)














O CRISTÃO E A PANDEMIA
Paulo Felipe Almeida


 Formado em Teologia, pelo Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil (STBNB) –Recife -PE e pós graduado em Webjornalismo, pela Universidade Estácio de Sá. É também professor de teologia no SETBAL - Seminário Teológico Batista de Alagoas, onde leciona as disciplinas de Introdução Bíblica, Ética Cristã e Organização Missionária da Igreja. Além disso, é Produtor de conteúdo e Co-Fundador do Projeto Liga Teológica, que promove o diálogo entre Cultura Pop e Teologia.

A Pandemia do Coronavírus é uma situação que a maioria de nós jamais pensou que iríamos viver. Situações como essa são extremamente difíceis de assimilar, tendo em vista, tudo aquilo que está envolvido diante dessa doença, que afeta nossas vidas de várias formas: nossa saúde, nossa economia, nosso emocional, nossas relações pessoais etc. Praticamente todas as áreas da nossa vida são atingidas por tudo que estamos passando. Diante de um contexto como esse, como proceder, ou melhor, como viver?
Acredito que não teremos uma resposta pronta para isso, mas acredito que alguns princípios básicos podem nos ajudar durante essa fase custosa. O verso bíblico de 1 Coríntios 13:13 diz o seguinte: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor”. O escritor e estudioso da fé cristã, William Kelly, descreve a fé, a esperança e o amor como “princípios morais centrais característicos do cristianismo” e são justamente esses princípios da fé cristã que acredito ser a base para conseguirmos viver em meio à pandemia.
A fé é a certeza daquilo que não se vê. Há coisas que não se compreendem apenas com a razão, como é o caso do amor, que não pode ser explicado através da lógica. A fé que vem de Deus nos leva a experiências que nenhum elemento físico pode nos dar, pois a fé começa onde terminam as possibilidades, ou seja, ela não está limitada a possibilidades, ela invade o reino da impossibilidade.
Na fé, nós vamos encontrar justamente a esperança, afinal de contas, em tempos de tanta insegurança e incertezas que estamos vivendo com essa pandemia, são a fé e a esperança que vão alçar nossas possibilidades a uma paz que não vai acabar mesmo em meio a esse contexto de insegurança. Uma vez, ouvi dizer que são nessas circunstâncias que a esperança é como um raio de sol que brota mesmo no mais absurdo escuro. Isso me lembra de uma ilustração que gosto bastante: “Certa vez um rei encomendou a dois famosos pintores um quadro cuja temática fosse a paz. Além de garantir que iria comprar os dois quadros, o rei anunciou que daria um extra para o artista que melhor retratasse a paz. No tempo marcado, eles trouxeram suas pinturas. O primeiro retratava um lago sereno, espelhando altas e pacíficas montanhas à sua volta, encimado por um céu azul com nuvens brancas como algodão. Todos os que viram este quadro acharam que ele era um perfeito retrato da paz. O outro quadro também tinha montanhas. Mas eram escarpadas e calvas. O céu, ameaçador, derramava chuva e relâmpagos. Da encosta da montanha caía uma cachoeira espumante. Não parecia nada pacífica. Mas o rei, experimentado nas artes, olhou com vagar e viu ao lado da cachoeira um pequeno ninho numa fenda da rocha. Mamãe pássaro e seu filhote repousando em segurança. O rei escolheu a segunda. Sabe por que? Porque paz, explicou o rei, não significa estar num lugar onde não há barulho ou problemas. Paz é um estado de espírito. É a capacidade de estar no meio disso tudo e ainda manter a calma do coração”. A Fé em Deus e a esperança nos dão paz em meio a qualquer situação. Provavelmente, vamos reclamar, vamos chorar e vamos sentir angústia em determinados momentos, mas a esperança nos dará força para superarmos esses sentimentos, uma vez que ela nos dará a certeza de que tudo isso irá passar. E é essa esperança que nos leva ao amor.
O amor é o maior dos princípios que o texto bíblico nos trouxe, afinal, o amor não é centrado em si mesmo. Quem inaugurou um Reino de Esperança foi Jesus Cristo, quando nos deu sua vida numa cruz para nos salvar! A maior mensagem do cristianismo é esse amor incondicional despendido a nós, sendo nós ainda imerecedores, reles pecadores; é um amor gracioso. O amor é o sentimento mais nobre, ele é insuperável não se tratando de algo que aliena ou cega, mas que ama “apesar de”, ou seja, é algo que conhece nossos defeitos e, ainda assim, decide amar. Não é a toa que os dois maiores mandamentos deixados por Jesus Cristo envolvem o amor. Veja o que Jesus disse: “Respondeu Jesus: ‘Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento’. Este é o primeiro e maior mandamento. E o segundo é semelhante a ele: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’” (Mateus 22.37-39). Talvez, esse seja o momento de demonstrar a todos esse amor ao próximo, exercitar mais do que nunca a empatia, não por ideologia, mas porque é mandamento de Jesus Cristo para nós que temos de que Ele é o nosso Salvador, que nos deu a esperança de uma vida plena ao demonstrar a prova maior de amor que este mundo já viu ao entregar sua vida por nós. Portanto, é nosso dever fazer o mesmo: “Nisto conhecemos todo o significado do amor: Cristo deu a sua vida por nós e devemos dar a nossa vida por nossos irmãos” (1 João 3.16). Em meio a todo esse contexto de pandemia, ser cristão é ter fé em Deus, esperança de que tudo vai passar e, acima de tudo, amar incondicionalmente o nosso próximo.

Projeto Memória da Pandemia nas Alagoas
Coordenação
Luiz Sávio de Almeida e José Carlos Silva de Lima
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