O virus
enquanto espero o tempo passar (V): a guerrilha do virus e outros babados
Luiz Sávio de Almeida
A
coluna marcha
Como
cada unidade é em si uma coluna guerrilheira a velocidade de cada uma pode ser
vista como independente do comportamento do todo: nenhum corona é subordinado a
outro, embora exista uma coletividade deles em busca de uma obra comum na
montagem de uma estranha unificação de resultados. É como se fosse uma quase
impossível invasão difusa, universalizada nas possibilidades de ataques,
parecendo que se especializa em seres humanos e parecendo, também, atacar a pets
e animas selvagens, pelo menos, transgredidos e levados ao estoque dos
zoológicos.
Mao
Tse Tung tinha uma instrução sobre a velocidade da coluna guerrilheira: ele
dizia que a máxima era a do menos veloz componente. Claro que aí residia um bom
princípio de seleção. O Corona nada tem disto e até hoje nada li sobre a sua saúde.
O que é um virus forte e sadio? Todos
são igualmente consumidores da Pílula de Vida do Dr. Ross? A velocidade dele é a dele mesmo:
simplesmente sai à procura do que fazer e encontra. Ele não tem muitas decisões
a tomar, programou-se, entendeu a relação entre vida e morte e saiu pelo
mundo. Todo ele é igualmente veloz em
seu movimento, embora nem todos alcancem o mesmo resultado.
É
interessante ver esta ideia de invasão, pensada em 1842 para o cólera em
Portugal, em Memória
escrita por Bernardino A. Gomes, Cavaleiro da Torre e Escada, Lente da Escola
Médico-Cirúrgica de Lisboa. Ele falava dos andamentos da epidemia pelo Porto
nos anos de 1832 a 1833. Ele trata as pessoas como sitiadas (GOMES, 1842, 5) e
esta imagem, ainda hoje nos parece forte, pois existe a possibilidade de nos pensarmos
em casa, como se houvesse um sítio posto às entradas de nossa cidade[UdW1] tornada medieval neste inusitado do tempo. Aquela
época, era da novena ao glorioso São Roque, que deve ter sido rezada e muito no
século XIX pelas Alagoas; será que por aqui aportava São Roque de Montpellier,
o santo contra a peste para quem se fazia novena em 1832 dizendo da relação
entre pecados e dores e entre dores e
moléstias:
[...] queremos expiar as culpas, com que vos temos ofendido, para
que livres do terror dos castigos, de contagiosas moléstias, e das mais
calamidades melhor possamos amar-Vos, e servir-Vos. Sendo porém nos réus perante Vos, recorremos
à Intercessão do Bem-aventurado S. Roque, por Vossa Misercórdia [...] (BRANDÃO, 1832, 6[UdW2] .)
Sempre
a epidemia foi sentimento, dor, quem sabe tragédia no sentido clássico. E sinto
que a gente tateia com o Corona, como se tateava nos tempos hipocráticos do miasma, do mefético; e o interessante é que na década de cinquenta
do século passado, Alagoas teve cem anos
de seu primeiro cólera e hoje, tempo da medicina da sofisticação dos grandes circuitos
tecnológicos, ainda treme vendo
coisas misteriosas, quase numa dimensão
hipocrática dos ares. E é interessante nesta Maceió do Século XXI, estar
discutindo quarentena, cordão sanitário, proteção de fronteiras praticamente –
mudando o que deve ser mudado – como fez Forster (1832) em suas indagações
sobre o que seria uma epidemia[UdW3] lá pelos idos de 1832.Há
uma interessante matéria – publicada (15/04) no jornal La Nación, em Argentina
– e que passa em revista a posição de dirigentes de alguns países; trata-se dos
que não deram a devida atenção ao Corona. Os jornalistas Julieta Nassau e Dolores Caviglia –passam em revista seis
casos e, sem dúvida, sendo verdade, o
mais interessante foi o da Coreia do Norte e, no texto, Kim Jong-un passa, no mínimo, por fanfarrão. Eles dizem
que o Presidente, sabendo do caso na China, trancou suas fronteiras coreana,
e, até pelo que entendo, era dito
que nenhum caso havia se verificado na
dita Coreia. Será correto mesmo? Não sei
se ele teve a habilidade de espantar o virus, mas sei que o The Korean Times (15/04/), publicado na Coreia do Sul,
comenta esta fala sobre o Norte e
considera muito discretas as comemorações de aniversário do fundador da Korea
do Norte.
Sobre
Trump – que agora ameaça a Organização Mundial da Saúde – era dito que tratava-se de virus chinês para acabar com o mundo; ele
chegou a misturar a pandemia com farsa dos democratas. Boris Johnson
encrencou e depois caiu no choro por ter escapado. Obrador do México, hoje se
vê com a tarefa de equipar-se e dar esperanças ao México. Aparece, também
Luckashenko da Bielorússia e que deu a entender: remédio é a vodka. Finalmente,
surge Jair Bolsonaro de cujas posições, todos nós temos conhecimento. Trump
renunciou ao seu tratamento tempestuoso com o virus e hoje lamenta a situação
do Brasil, falando em cortar vôos para nossos aereoportos.
O
poder do virus vem sendo demonstrado a cada dia: a devastação foi e está
terrível nos Estados Unidos, onde a morte corre solta por Nova Iorque; o país
precisa de um novo Hulk, um novo Capitão América e jamais será o Trump. No Brasil, vez em quando se fala em
descontrole, tanto no que se refere ao virus em si, como no que se refere à
condução do Estado Brasileiro que necessariamente organiza a nação e não a qualquer bloco político. O
virus conseguiu impor sua forma de viver em cima de um país absolutamente
desigual. Agora mesmo, Cícero Péricles Carvalho (15/04/2020) me mandou uma
matéria do DCM, dizendo que três estados estão com 50% dos respiradores do
país. Apesar da boa relação brasileira,
isto praticamente nada significa: Minas, São Paulo, Rio de Janeiros. Onde
seremos repisantes? No Amazonas, o Prefeito de Manaus foi contar os leitos de
UTI e somente encontrou seis sobrando.
O Ceará debaixo
do virus
O
caso do Ceará me impressiona por estar com um grande número de infectados,
mortos e uma alta pressão sobre seus serviços de saúde. Sem qualquer dúvida, as mortes pesam e rumam
pela periferia. Ontem foi considerado pelo Diário do Nordeste (16/04) que se tratou
de dia de recorde de mortes e é dito que a periferia está marcada em tais
óbitos. Fortaleza deve estar, portanto, sendo colonizada pela figura tenebrosa
e construída pelo século XV, com a cara de caveira. Foi a construção de uma
imagem de extrema força, pois passados tantos séculos, ela ainda comunica esta
espécie de horror que sempre nos fustiga como pessoa e como ciclos de contatos
mais íntimos: a morte. Ao nascermos, o muno nos é anunciado; ao morrermos, o
mundo nos é retirado. Lembro agora da extraordinária irreverência do grupo Blitz: Todo mundo quer
ir p’ro céu, mas ninguém quer morrer”.
O
Ceará foi dado com 2.291 casos e 124 óbitos e o percentual de óbitos sobre o total dos casos é de 5% ou,
em outras palavras e de forma grosseira, para cada grupo de 100 infectados, no
Ceará morrem em torno de 5 pessoas. Sabe-se que estamos diante de uma notícia
errada. Dois estudos já foram realizados
– infelizmente não anotei os dados –
e falam que os dados reais estariam entre 12 e 15 vezes a mais. O virus
vai avançar; ele não vai parar em Fortaleza, sendo provável que avance para a região metropolitana e vida andando de
lestes para oeste, à procura de mundos como o Cariri de meu padrinho Padre
Cícero. E vai subir para Norte e vai descer para Sul: ele não para. Onde
existir um fenômeno chamado contágio ele encontrará seu momento. Como não se
pode matar a população para que ele viva, ela tem que ser retirada de seu
caminho e esperar que ele morra de fome e preso a uma bolsa, a um rosto e a quem sabe até fique morando em um
chinelo.
Um
fato que merece ser ponderado, diz respeito a que se tem no conjunto de seus
municípios, apenas 5%, segundo estudo da Fiocruz, aptos a tratar de casos mais
complexos e se pode pensar na complexidade de planejamento e logística para
atender ao que acontecerá. Assim parece ser em todos as outras unidades da
Federação: teremos municípios sim e municípios não. Como será viabilizado o
atendimento? Teremos que andar para saber.
Este
desequilíbrio está em todos os estados brasileiros, mas está no mundo. Não é algo que seja cosa mostra. Para os ricos seria a ilusão de segurança, para os
pobres praticamente a impossibilidade de ter; talvez seja oportuno pensar uma
diferença sutil entre ambos, chegando perto da antiga discussão sobre comunidades
cooperativas ou não. Eu daria
prosseguimento à ideia de que os ricos operam na maximização as segurança e os
pobres na minimização. São a mesma coisa? Jamais poderiam ser.
Não
sei onde li sobre a sociedade da escassez e a da abundância. O fracasso de uma
sociedade como a americana é terrível para seu povo; é como se fosse tirado o
direito de nobreza, ela que sempre viveu na abundância com seus altos índices,
mas inequivocamente, desigual. Não
estava preparada para a saúde, embora estivesse para a guerra, mas, na
realidade, convenhamos, que iria prever esta onda avassaladora sobre o mundo?
[UdW1]FILHO,
Bernardino A. Gomes. Memória sobre a
epidemia de cólera morbus, que grassou na cidade do Porto desde 1832 a 1833. Lisboa:
Tipografia da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos, 1842.
[UdW2]BRQANDÃO,
Mateus de Assunção. Novena do Glorioso São Roque por ocasião da Epidemia do
Cólera Morbus, oferecida e celebrada pela Real Irmandade de S. Roque de Lisboa.
Lisboa: Imp´resão Régia, 1832.
[UdW3]FORSTER,
T.
Projeto Memória da
Pandemia nas Alagoas
Coordenação
Luiz Sávio de Almeida
e José Carlos Silva de Lima
O blog pode concordar
ou não, em parte e no todo, com a matéria publicada
Nosso objetivo é
deixar um painel diversificado sobre a pandemia nas Alagoas
Agradecemos a Eduardo Bastos