segunda-feira, 4 de maio de 2020



AS NECROTEOLOGIAS DO CORONAVÍRUS
Paulo Nascimento
Bacharel em Teologia (Seminário Teológico Batista do Nordeste).  Doutorando em Linguística (Universidade Federal de Alagoas)
Sim, é isso mesmo que o título desse pequeno texto enuncia: a iminência da presente pandemia da Covid-19 faz brotar insidiosamente alguns tipos de Teologias, isto é, de discursividades que partem da fé e que produzem fé, além de mobilizar indivíduos e grupos de diferentes formas. Não importa que essas Teologias não se intitulem assim. Continuam sendo isto: Necroteologias do Coronavírus.
Acho que dentre todas elas, aquela que produz os piores efeitos é a que está a serviço do Deus Capital e à serviço da adoração ao mercado financeiro. Não é de hoje a percepção de que o Capitalismo é uma Religião. Isso já havia sido proposto por Walter Benjamim (1892-1940) algumas décadas atrás.
Também não é de agora a denúncia das maldades dessa Religião. No auge da Teologia da Libertação pessoas como Jon Sobrino, Elsa Tamez e Jung Mo Sung, entre muitas outras, já nos chamavam a atenção para as consequências genocidas do culto cego ao deus Mercado.
Foi com a pastora mexicana Elsa Tamez, por exemplo, que eu me dei conta de que, à exemplo dos antigos deuses astecas que exigiam sacrifícios humanos, o Capital assim também o exigia como uma condição de sua própria sobrevivência. A pandemia que agora enfrentamos ocasiona, portanto, a vociferação dos teólogos do deus Mercado, para quem o sacrifício de vidas humanas é uma parte natural, necessária e imperativa de sua narrativa cósmica.
De consequência menos tanatológica, mas nem por isso menos grave e preocupante, está aquela Teologia que hora cheira a mofo medieval, hora cheira a manicômio. Aquela mesma que ajudou a colocar no poder o projeto político que governa o Brasil no momento. Quero me corrigir: essa Teologia tem sim consequências tanatológicas graves, ainda que a médio prazo.
Elas cultivam o desprezo pela Ciência, e mais do que isso, tentam fazer de suas alucinações religiosas, ações do próprio Estado brasileiro. Seu trunfo? Um chefe do Poder Executivo que entende muito bem como usar o fundamentalismo religioso para fins políticos.
Essa Necroteologia, já representada institucionalmente em alguns Ministérios em Brasília, é a mesma que agora teima em manter templos religiosos abertos e atuantes, e é a mesma que quer fazer do jejum religioso uma política pública. Triunfalismo arrogante, muitas milhas distantes da simplicidade, da leveza e da sobriedade daquele a quem supostamente dizem seguir.
Eu confesso que gostaria de ver brotar desse momento uma outra Teologia. Ela não precisaria ser exclusivamente cristã. Nem precisa se reconhecer nesse nome. Mas também admito que a memória histórica do Cristianismo teria muito o que lhe informar. Uma Teologia, por exemplo, que assumisse a comunidade de Atos 2 como imagem arquetípica. Mais ou menos como fizeram Frederick Engels e Rosa Luxemburgo, ao verem nas narrativas do Cristianismo primitivo os brotos de um novo mundo mais fraterno.
Sim, porque é correta e autêntica a ansiedade de quem teme o colapso econômico, ainda que seja um blefe desvincular isso da crise sanitária que teremos de enfrentar. A crise sanitário-econômica, no meu entender, oportuniza o surgimento dessa outra Teologia, na qual “ninguém solta a mão de ninguém” (simbolicamente !!!). Nesse caso, a imagem arquetípica da comunidade de Atos 2 fundaria uma Teologia da Vida!
Mas, Teologia da Vida em que sentido? Primeiro, na denúncia que essa Teologia faria ao nefasto casamento entre necropolítica e necroteologia em curso no Brasil, que naturaliza a morte de grupos humanos como necessária à manutenção do deus Mercado.
Segundo, pelo potencial de ação contido nessa nova Teologia da Vida: “e todos tinham tudo em comum...”, se dizia acerca da arquetípica comunidade cristã de Atos 2. Contudo, certamente não é a caridade pura e simples que nos salvará dos impactos econômicos de tudo isso. Mas não tenho dúvida de que a solidariedade deve ser parte fundamental do modo como temos que enfrentar tudo isso. E para tanto, uma outra Teologia da Vida necessitaria ser gestada o quanto antes.

Projeto Memória da Pandemia nas Alagoas

Coordenação
Luiz Sávio de Almeida e José Carlos Silva de Lima
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