domingo, 31 de maio de 2020

RECURSOS FEDERAIS PARA ALAGOAS. ENTREVISTA DE CÍCERO PÉRICLES. Memória da pandemia nas Alagoas

EM MEIO À PANDEMIA, UNIÃO JÁ INJETOU R$ 1,7 BILHÃO EM ALAGOAS

A receita que movimenta o consumo vêm de ajuda de benefícios sociais como o Bolsa Família

Sérgio Lima. O BRASIL NA GUERRA: RELATOS DE EX-COMBATENTES ALAGOANOS SOBRE SUAS EXPERIÊNCIAS NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL





O BRASIL NA GUERRA: RELATOS DE EX-COMBATENTES ALAGOANOS SOBRE SUAS EXPERIÊNCIAS NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Sérgio Lima


Professor Sérgio Lima da rede municipal de Maceió e Mestre em História pela Universidade Federal de Alagoas

O professor Sérgio de Lima terminou de defender sua dissertação de Mestrado na Universidade Federal de Alagoas, orientado pela professora  doutora  Ana Paula Palamartchuk a quem devo desculpas por não ter mencionado seu nome como orientadora do Gustavo em sua dissertação sobre o integralismo. Costumeiramente, quando recebo material derivado de orientação, coloco o nome do orientador. Apesar de ter sido por mero e raro esquecimento, acho que devo apresentar minhas desculpas.
Sérgio havia preparado esta matéria para Campus, antes de sua defesa. E decidimos priorizar a fala dos Pracinhas, desdobrando o texto em duas partes e, na primeira, colocando dois comentários introdutórios: um dele e outro meu.
Trata-se de um jovem talento que deve buscar seu doutorado.
Vamos ler.
Luiz Sávio de Almeida

Este material foi publicado em Campus/O Dia no ano de 2015

 

Alagoas, a guerra e seus pracinhas

Luiz Sávio  de Almeida

           Por conta da Segunda Guerra Mundial, o Brasil sofreu algumas modelações especiais, principalmente na área política interna, com a queda da ditadura do Estado Novo e a eleição de um general para a Presidência da República. Era mais um militar a assumir o comando do País,  como fora o próprio Getúlio Vargas que vai terminar a vida em 1954. A guerra foi travada longe do Brasil, na Itália de onde vieram nomes que chegam a fazer parte do território nacional como o Monte Castelo no exemplo das batalhas, como Pistoia que seria avançado cemitério brasileiro e absolutamente trágico naquela uniformidade de cruzes.
Claro que se pode discutir a participação do Brasil na guerra, desde a sua entrada à sua estada. Não há campo que possa e deva ficar isento de um debate e de uma discussão e, como tal, a guerra está aí, também, para isto. No entanto, para mim, há algo que deve ficar resguardado no mais absoluto respeito: o sangue derramado, expressão aparentemente piegas, mas é assim, desta forma, que se expressa gratidão.
 Se foi certo ou errada a participação do Brasil na guerra é uma coisa e o sangue derramado é outra. Certa ou errada, a guerra exigiu um sacrifício nacional e muitos foram feridos, mutilados e mortos e isto exige um respeito eterno.  E não estou falando em heroísmo e sim em pessoas, em uma infinidade de Josés, Pedros, Raimundos. São eles que de repente são chamados, retirados das famílias, assardinhados em navios e plantados em um solo que muitos nem sabiam que existia; foram eles que ficaram por aqui,  mas estavam lá, observando a costa, olhando os céus...
Respeito, mas respeito mesmo e baixo a cabeça com toda a humildade de cidadão brasileiro, para os que foram envolvidos na guerra da qual  muitos sequer sabiam do motivo quando foram chamados a largarem seus lugares. Esta sensação de humildade cívica nasceu certa feita, quando fui ver uma exposição por eles preparada. O Floriano Ivo Júnior me pediu para passar e fui em horário no qual eu poderia ficar o mais confortavelmente sozinho. E de repente fui me lembrando de meu pai que tinha um retrato de um filho do Heitor (seu primo) e quando pegava nele me dizia: este foi para a guerra. E de repente foi ficando claro que eu poderia retirar toda aquela aura heroica que se desejava passar e chegar no profundo das famílias, dos vizinhos, das Rosinhas que ficaram lá em Propriá.
Eu acho que comecei a lidar com a poética da morte e talvez por isto, aquela expressão Ex-Combatente passou e me incomodar, talvez pelo Ex que indicava um inexorável passado, talvez pelo Combatente, pois era pouco.  E algo meio confuso passou a fazer parte daquele lusco-fusco da razão: eu não poderia negar o combate, mas teria que descombatizar aqueles homens e vê-los em circunstância tal que fosse do mais absolutamente geral da guerra, ao mais infinitamente pequeno de um travesseiro onde lágrimas de dor molhavam o sono que não chegava. Eu preferi me agarrar às lágrimas ocultas.
Sempre digo em aula: procure ver o que está escondido e trabalhe este elemento e não o que se encontra evidente. Quando buscava tema para o doutorado, lembrei-me das prisões de 1935 e das mulheres que foram ao cárcere.  Cheguei a esboçar alguma como a mulher em 1835, mas não a presa e sim aquela que foi deixada com a família a ter de manter e sustentar seus filhos sob a pecha de casa de comunista. Deu vontade de tomar o chamado Pracinha, e de tentar estudar o drama das famílias vivendo o provisório da vida. Feliz ou infelizmente, fui me distanciando disto e terminei estudando a primeira metade do século XIX.
Ali estavam dois pontos para trabalhar: o que o Pracinha disse da guerra e o que viveu a família do Pracinha. De certa forma, lembrei Thompson da history from bellow com seu estudo sobre a guerra napoleônica.  No meio da documentação sobre a guerra, ele encontrou um maço de cartas de um soldado para a família e logo viu que além dos generais, os soldados também falam.  Este incidente,  termina por gerar um dos mais férteis ramos do marxismo crítico inglês, muito mais rico, a meu ver, do que Hobsbawn e Mills.
Os Pracinhas estão sumindo. Quem tinha 20 anos de idade em 1945, hoje estaria em torno de 90 anos. As vozes irão se desligando e a guerra é uma imensa polifonia. Eles estão escritos oficialmente em concreto de monumento; eu desejo o Pracinha do pequeno quadro na parede, da condecoração sumida em uma petisqueira,  o Pracinha de uma lágrima de recordação. Na verdade, seria uma história do Pracinha e não da guerra, uma história do filho do Heitor, primo de meu pai, apanhado pelo redemoinho do mundo.
O trabalho do Professor Sérgio Lima, agora publicado por Campus, deriva de uma pesquisa por ele realizada, quando de seu mestrado em história sob a orientação da Professora Dra. Ana Paula Palamartchuk. Podemos ouvir os Pracinhas e quem sabe alguns já morreram. É o primeiro trabalho acadêmico que conheço, sobre a guerra e Alagoas. Seria imensamente interessante, caso alguém escrevesse sobre a guerra em Alagoas; o que foram e como foram os anos da guerra especialmente nesta Maceió que parece recebeu muitos soldados filipinos.
Talvez este fosse um caminho para o doutorado do próprio Professor Sérgio Lima.  É também um tema urgente: quem tem notícias da guerra já vai desaparecendo; do ponto de vista militar, quem sabe exista documentação no 20º BC, quem sabe nos arquivos da Capitania dos Portos, mas, sobretudo, deveria ser uma história de como a cidade guardou a memória da guerra. O que seria isto? Para o Partido Comunista em Maceió, por exemplo, foi muito importante pela possibilidade de voltar à rua em face da União Soviética ser  do grupo contra o Eixo.
Há muita coisa a ser vista e somente os talentos novos vão dando a sensação de que tudo avança. Parabéns ao Sérgio, que é um amigo e marche para seu doutorado


O BRASIL NA GUERRA: RELATOS DE EX-COMBATENTES ALAGOANOS SOBRE SUAS EXPERIÊNCIAS NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL[i].

Sérgio Lima

Há mais de setenta anos o Brasil mandava para o Teatro de Operações italiano um contingente militar superior ao número de 25 mil jovens brasileiros, tendo como um dos seus objetivos fazer parte das forças aliadas no combate ao nazifascismo naquele território, além de tentar consolidar a sua participação direta na guerra[ii]. Outros nacionais foram convocados, advindos de vários estados da federação, que também tiveram a sua cota de participação registrada em documentos oficiais, periódicos e em pesquisas posteriores, sendo designados para atuarem na defesa do litoral do país, contribuindo assim para a proteção da costa brasileira entre os anos de 1942 a 1945.
A FEB operou na Itália durante aproximadamente sete meses e dezenove dias. Nesse período, que se iniciou em 16 de setembro de 1944 até 02 de maio de 1945[iii], a FEB perdeu cerca de 440 homens, entre soldados e oficiais. Teve perto de três mil internados nos hospitais da retaguarda, mas, conseguiu capturar 20.573 prisioneiros[iv].
Tudo isso são números, que transmitidos de forma fria e desavisada não possibilita àqueles que os examinam uma melhor compreensão do quadro de horror que serviu de base para a exteriorização dessa lógica matemática, tão apartada dos sentidos e que representou por muito tempo a única base de sustentação das obras tidas como historiográficas sobre o período em que alguns brasileiros estiveram envolvidos na guerra.
Dessa forma, logo após o fim do conflito grande parte da história da participação de brasileiros na Segunda Guerra Mundial, de início, foi sendo reproduzida apenas pelo segmento militar. A falta de uma bibliografia que não se baseasse somente na lógica fria dos números da guerra foi aos poucos se fazendo presente através de depoimentos de ex-combatentes que dela participaram[v].
As experiências vividas pelos convocados, as suas falas e as ressignificações dadas sobre aqueles momentos difíceis que os seus depoimentos possibilitaram, tornaram possíveis entender mais detalhadamente o que foi a Segunda Guerra Mundial, não apenas do ponto de vista dos governos ou dos generais, mas pelo olhar dos homens e mulheres simples que lutaram pelo seu país e pouco ou quase nada receberam em troca.
Alagoas foi um dos estados que teve alguns homens e mulheres convocados para a guerra. No total, 148 alagoanos fizeram parte da FEB[vi], alguns da FAB[vii] e da Marinha brasileira e outros tantos foram convocados para defenderem o litoral brasileiro. Mesmo assim, poucos trabalhos foram feitos sobre a participação desses alagoanos. Apenas pequenas reportagens e citações bem resumidas podem ser encontradas sobre as experiências desses brasileiros quando do conflito mundial[viii].
Acreditamos que essa lacuna, ou essa falta de memória[ix], tenha sido causada, entre outros motivos, pelo fato de a maioria dos trabalhos produzidos sobre o tema se limitar apenas à bibliografia oficial, esquecendo-se da importância que se deveria ter dado, também, a outras fontes possíveis de serem utilizadas. Não há a intenção aqui de hierarquizar os meios de prova na construção de um estudo sobre esse tema. Se a importância das entrevistas ganha um destaque especial será pelo fato de não se poder desqualificá-las diante do que representam em relação ao entendimento da participação de ex-combatentes alagoanos durante a Segunda Guerra.
Conseguimos entrevistar alguns alagoanos que dela participaram diretamente. São eles: Os senhores Ulisses Firmino de Oliveira, Joaquim Balbino dos Santos e Aurino Ribeiro da Silva. Todos tiveram a espontaneidade de relatar, depois de quase 70 anos das suas convocações, as suas impressões da guerra e tentaram estabelecer um nexo de relação entre a sua vida durante e depois de terem sido convocados para defenderem o Brasil.
A média de idade dessas pessoas entrevistadas, à época da guerra, estava em torno de vinte e poucos anos[x]. Era a média de idade dos brasileiros convocados durante os últimos anos do conflito. Eram solteiros, não tinham filhos e detinham pouca instrução escolar. Vinham de famílias com uma renda econômica baixa e trabalhavam no setor urbano, como empregado, comerciante ou servidor do estado, na condução de bondes.
Atualmente, encontram-se instalados em suas casas com seus familiares sendo aposentados como ex-combatentes, recebendo uma quantia irrisória que mal dá para custear as suas necessidades básicas. Ajudam os familiares naquilo que podem e recebem dos mesmos certa consideração por terem os ajudado muito mais quando ainda detinham forças para trabalhar.
São velhos homens, que com a sua velhice conseguem ainda se situar no espaço deturpadamente estabelecido para os mais jovens que eles[xi]. Por conta do descaso de alguns e da falta de sensibilidade de outros para com o passado e com a memória, fazem com que estes velhos combatentes continuem lutando para manter vivo aquilo que acreditam ser importante e que moldaram os longos anos de suas vidas, ou seja, a pura e simples vontade de seguir vivendo e continuando a contar as suas experiências de vida, na qual se inclui os seus momentos como jovens convocados para a guerra. Assim sendo, passemos à palavra a esses ex-combatentes alagoanos, verdadeiros homens de guerra.

 AURINO RIBEIRO DA SILVA[xii].


Eu me chamo Aurino Ribeiro da Silva, sou do município de Pilar e nasci no dia 16 de outubro de 1920. Minha mãe era doméstica e o meu pai pescador. Sempre trabalharam para sustentar a família. Só estudei até as primeiras séries e completei apenas o primário. Trabalhava como comerciante, vendendo camarão, siri na feira. Sou um ex-combatente alagoano que participou na defesa do litoral brasileiro durante a Segunda Guerra mundial.
Quando fui convocado para guerra tinha, mais ou menos, 22 anos. A minha participação, ou o meu trajeto como convocado pode ser resumido da seguinte forma: Eu fui sorteado e convocado, partindo logo em seguida para o 20º BC. Deste, um trem levou a gente para Recife. Chegando lá já tinha um caminhão esperando para nos levar à outra cidade, no caso, Olinda. De Olinda eu fui para Piedade, sendo levado, junto com outros rapazes, para Fernando de Noronha, no navio Itupiara, passando três dias e três noites, navegando dentro do oceano, vendo gente vomitando aquela água azul, pois não tinha mais o que vomitar dentro do corpo. Chegando em Fernando de Noronha, acabei servindo por quatorze meses. Depois desse tempo, passando uma vida medonha, só tinha lá... rato, só tinha rato branco, cobra não existia, voltei para Olinda. De Olinda eu fui engajado, depois fui reengajado.  Quando terminou o reengajamento aí eu pude ser enviado para casa.
Quando estive em Fernando de Noronha tive contato com vários tipos de armamentos e equipamentos de guerra. Um deles foi o telêmetro[xiii], que servia, entre coisas, para avistar os civis ou o inimigo. Tinham também os canhões 152,4 mm, que era preciso duas pessoas na padiola para botar na câmara, para depois disparar. Quando ele dava os estampidos muita gente “pocava” os ouvidos e se estivesse com a boca aberta mordia a língua. No morro, às vezes, desabava muitas pedras por conta do estampido do canhão.
Quando fui convocado, depois da guerra ter estourado, eu não tinha nenhuma ideia do que estava acontecendo no mundo. As notícias que eram publicadas nos jornais, na rádio ou até mesmo entre os meus amigos à época, tinha pouco conhecimento e pouco me interessava. Eu tinha medo, mas não tinha jeito.
Quando estive em Fernando de Noronha, local aonde fiz meu curso de combate, aconteceu um fato interessante. Tinha um tenente que obrigava a gente a ir a olhar para um canto e para outro e em uma das vezes apareceu um submarino. Quando o submarino apareceu nos preparamos para fazer fogo. Aí, ele falou que tínhamos que comunicar primeiro para o Rio, quando vier ordem do Rio, então nós poderíamos sentar fogo no submarino. Aconteceu o seguinte: o submarino emergiu foi embora e aí ninguém fez nada. Este submarino era alemão.
Tive contato com poucas pessoas lá em Fernando de Noronha. Não me lembro mais dos seus nomes e nem do lugar de onde vieram. Lembro apenas de um advogado que passou batido nas provas que nós fizemos quando lá chegamos. O curso foi muito interessante. Passei onze meses naquela região. Sei que não podia ser mandado para Itália, mas alguns acabaram indo. O meu dever era proteger o litoral de possíveis ataques alemães. Sempre houve essa conversa de que os alemães poderiam atacar o Brasil. Mas aí a gente estava na atividade. Sempre olhando, por que se aparecesse dentro do oceano algum submarino inimigo a gente atirava, claro que com o aval do comando superior. Só podíamos matar se houvesse a ordem do Rio. No momento em que avistamos o submarino bateu uma cisma na gente pelo fato de não sabermos o que vem de lá, né? Por isso que é bom às vezes esquecer esses acontecimentos.
Passado tantos anos, eu me vejo hoje como um Ex-combatente, sócio da Associação de Ex-combatentes do Brasil, seção Alagoas, aposentado e tendo que me apresentar de seis a seis meses na 20ª CSM.
Guardo da guerra mais tristezas do que alegrias. Eu sou ex-combatente e recebo como ex-combatente, depois de muita luta. Na minha carteira, sou Cabo. Não quis continuar no Exército por um simples fato: quando acabou a guerra ninguém queria saber mais de nada, queria era ir para casa. Se eu não tivesse sido obrigado a me apresentar e a participar como soldado brasileiro, eu é que não ia me arriscar numa coisa daquela. Seria bom que não existissem mais guerras. Quem quer saber de guerra, rapaz?

 [i] Este artigo foi produzido pelo professor da rede municipal de ensino de Maceió Sérgio Lima, mestrando do curso de História da UFAL e orientando da professora doutora Ana Paula Palamartchuk.
[ii] MOURA, Gerson. Relações Exteriores do Brasil: 1939-1945: Mudanças na natureza das relações Brasil-Estados Unidos Durante e após a Segunda Guerra Mundial / Gerson Moura; apresentação de Letícia Pinheiro; prefácio à nova edição de Leslie Bethell.─ Brasília: FUNAG, 2012.
[iii] SILVEIRA, Joel e, THASSILO, Mitke. A Luta dos Pracinhas: A FEB 50 anos depois, uma visão crítica. Rio de Janeiro: Record, 1987.
[iv] Roteiro da FEB, disponibilizado pela Associação dos Ex-combatentes do Brasil, secção de Alagoas, baseado em dados disponibilizados pelo Exército brasileiro.
[v]Ver: FERRAZ, Francisco C. A. A guerra que não acabou: A reintegração social dos veteranos da Força Expedicionária Brasileira (1945-2000). Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina (EDUEL), 2012.
[vi] MORAES, J. B. Mascarenhas. A FEB Pelo Seu Comandante. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2005.
[vii] BUYERS, John W. A História do 1º Grupo de Caça, 1943-1945. Maceió: Editora do Autor, 2001.

[viii] Jornais como A Notícia, O Semeador e o Jornal de Alagoas, além de algumas reportagens encontradas no acervo da Associação dos Ex-combatentes do Brasil-Secção de Alagoas (AECB-AL).
[ix] Sobre as memórias subterrâneas ver: POLLAK, M. Memória, Esquecimento e Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.
[x] Requisitos para ser convocado: Ser brasileiro nato, ter mais de 21 anos e menos de 26 anos de idade, ter boa conduta comprovada com atestado da competente autoridade policial ou por oficial das Forças Armadas Nacionais, ser solteiro ou viúvo sem filhos e ter no mínimo instrução primária completa (fonte: Jornal de Alagoas: 27/06/43 (IHGAL)).
[xi] Sobre a memória dos velhos, ler: BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças dos Velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
[xii] O ex-combatente alagoano Aurino, morador do bairro do Vergel do Lago, localizado em Maceió, foi outro dos pracinhas que conseguimos entrevistar. Foi convocado para a defesa do litoral brasileiro, mas especificadamente em Fernando de Noronha. Aurino, homem de poucas palavras, demonstra uma boa saúde e relata as suas experiências de guerra, sendo um dos colaboradores deste trabalho. Sua entrevista aconteceu em 12/04/2014. 
[xiii] É um dispositivo de precisão destinado à medição de distâncias em tempo real

sábado, 30 de maio de 2020

Aldjane de Oliveira, A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FRONTEIRA INTERÉTNICA: UMA ANÁLISE ENTRE OS WASSÚ QUE ESTUDAM NA CIDADE



A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FRONTEIRA INTERÉTNICA: UMA ANÁLISE ENTRE OS WASSÚ QUE ESTUDAM NA CIDADE.


Aldjane de Oliveira


Uma pequena introdução

Este texto deriva de monografia apresentada ao Curso de Especialização em Antropologia, ministrado pelo Institutop de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas, Teve a orientação de Amurabi Pereira de Oliveira. Esta é a segunda colaboração da autora, que Campus publica, sinal de  interesse em divulgar seu trabalho e tratar sobre nossos índios, especialmente os Wassu. O problema da educação indígena gera um tema de difícil abordagem e de alta complexidade,  com um veículo controlado pelo estado nacional cruzando as fronteiras da etnia e com ela interagindo.  Oficialmente,  discussão do assunto é posta dentro de um organismo que pertence ao Estado, no caso, a Secretaria de Educação que é associada a um Conselho de Educação, sendo de perguntar sobre aquilo que resta para a etnia em termos de  posicionar-se sobre si mesma na oportunidade em que o cruzamento se realiza. Perguntas e mais perguntas surgem na abordagem sobre educação indígena, mas uma me preocupa diretamente:  pode o estado entender-se como resguardando os interesses de uma etnia, mormente tomando-se em conta o papel da educação na dominação política, onde o curriculum é essencial? É interessante ler as reflexões da autora em torno da temática e passando diretamente pelos Wassu. Campos agradece mesmo a gentileza da professora Aldjane de Oliveira, hoje em pleno mestrado de Antropologia e motivo de esperançaa, em face de sua seriedade e talento. 

Luiz Sávio de Almeida

O texto foi publicado em Campus/O Dia em julho de 2015

Aldjane de Oliveira, natural de Joaquim Gomes–AL. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas- UFAL, pós-graduada em Gestão Educacional pelo CEAP, Especialista em Antropologia pela UFAL e Mestranda em Antropologia pela UFS. É professora de Sociologia no nível médio. É vice-presidente da ONG Casa de Cultura Cidadã Urucum- CACCUM, que atua no município de Joaquim Gomes- AL.




A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FRONTEIRA INTERÉTNICA: UMA ANÁLISE ENTRE OS WASSÚ QUE ESTUDAM NA CIDADE.Aldjane de Oliveira

Este artigo, o segundo a ser publicado neste suplemento cultural é  fruto de uma  análise de parte da minha monografia desenvolvida durante o curso de Especialização em Antropologia realizado junto a UFAL, que teve como título: Identidade étnica, trajetórias e percepções de estudantes wassú: a partir da escola não-indígena de Joaquim Gomes-AL.”
Como forma de contextualização, esclareço que o povo Wassú encontra-se localizado na zona da mata alagoana, na área rural do municipio de Joaquim Gomes, seu território é cortado pela BR 101 e possui uma população com  2.037 pessoas, segundo a Administração Regional  da FUNASA- Maceió (2010). Tal pesquisa foi realizada na Escola Estadual Mário Gomes de Barros, localizada na área urbana da referida cidade, onde foram entrevistados alunos wassú, entre 14 e 18 anos, durante o ano letivo de 2013/2014.
Pretendemos aqui analisar, principalmente, a escola como um espaço de fronteira interétnica e suas implicações para a construção da identidade étnica entre os estudantes wassu que estudam na escola não indígena. Este conceito pego emprestado de  Tassinari(2001), ela trata da escola indígena  enquanto espaço de fronteira, no caso do presente artigo, consideramos a escola não-indígena como espaço de fronteira interétnica, visando a análise da presença dos wassú na escola não-indígena de nível médio.
Escola como espaço de fronteira interétnica

O que seria  identidade étnica ou etnicidade? Valho-me da explicação de Barth para embasar minhas colocações, onde para ele a sustentação formativa dos grupos étnios dar-se por meio das diferenças culturais e não nos seus conteúdos em sí. Ou seja, é no espaço de contato com a alteridade, que emergem os de marcadores de diferenciação, gerando assim espaço/ambiente propício para as afirmações identitárias étnicas ou mesmo para seu silenciamento da mesma.
Entendo que a escola é um espaço-ambiente de experiências, é um espaço de fronteiras interétnicas, onde vivenciar a alteridade traz percepções ao sujeito, sobre as diferenças existentes entre  os grupos culturais distintos. Como exemplo de utilização ou percepção teórica da escola, enquanto fronteira interétnica, temos o trabalho de Tassinari(2001), intitulado  Escola indígena: novos horizontes teóricos, novas fronteiras de educação.
 Penso, também, a escola como um espaço de trânsito e de redefinições ou ajustes identitários, visto que neste ponto tratamos sobre os contextos e situações nos ambiente escolares, onde estão em jogo as relações sociais e o contato com a alteridade que influencia na construção dos processos identitários, visando compreender os processos de ressignificação da identidade étnica entre os estudantes wassú.
Portanto, apesar de os estudantes wassú ora afirmarem, ora omitirem sua indianiedade, com uma lógica de convívio social fora da aldeia e receio de sofrer discriminação; eles têm consciência de pertencerem a um grupo étnico, têm noção das especificidades de sua cultura (digo isto, com base nas entrevistas feita junto aos estudantes wassú que já frequentaram a Escola Indígena  e posteriormente frequentaram a Escola não-Indígena).
Poemos perceber e reafirmar a importância da Educação Escolar Indígena, por meio da Educação Diferenciada. Os estudantes construíram também a partir da escola indígena uma consciência de pertencimento étnico, conforme apontaram as entrevistas. A Educação Escolar Indígena torna-se importante, pois o fato de se pensar aquilo que é particularidades de cada comunidade indígena, necessidade, objetivos e assim desenvolver conteúdos e formas de aplicação de acordo com seu cotidiano e com seu projeto de futuro.
Esclarecendo que pelo fato de a escola aqui ser considerada como fronteira interétnica, não implica dizer que ela seja definidora dos grupos étnicos, mas num sentido em que, é um lugar de contato e de conflito entre grupos sociais e étnicos diferenciados, a escola também disputa com grande vantagem, no caso da escola não-indígena, a formação ideológica, cultural e comportamental do sujeito, no sentido de ser homogeneizadora dos que as frequentam.
Implementação da pluralidade cultural nas escolas:  lei 11.645/08
Contudo, questionamos se nas escolas não-indígenas, a exemplo da E. E. Mário Gomes de Barros, está sendo realizanda a “implementação” da temática de pluralidade ou diversidade cultural a partir das Leis 10.639/03 e 11.645/08, que implicam a obrigatoriedade das temáticas de história e cultura afro-brasileira e indígena, respectivamente, nos diferentes níveis escolares. Tais leis  e os Parâmetros Curriculares Nacionais- PCN’s dão suportes legais para se trabalhar dentro das escolas a questão da diversidade cultural.
Mas, há outros problemas: o (des)prepraro dos professores que estão atuando, falta de formação continuada,  escassez de materiais didáticos que abordem, de forma politicamente correta, tais temas, além  da falta de motivação nas atuais condições de trabalho e salários,  já que no ano de 2013 e início de 2014 a maioria dos professores da referida escola, assim como em todo o Estado de Alagoas, eram monitores, e têm que trabahar mais horas/aulas para complementarem suas rendas.  O que dificulta um melhor desempemho dos mesmos.
É importante a implementação de um currículo diferenciado, pois isto reflete diretamente na formação das novas gerações, principalmente daquelas que fazem parte de grupos sociais e étnicos ou minorias sociais. Mas também é importante para os jovens como um todo, terem esta formação ou informações, que se  trata ao implementar estas leis, que tenta-se apresentar as difenças, a diversidade e a necessidade do respeito ao “outro”.
Assim, Silva (2010), no artigo A temática Indígena no currículo escolar à luz da Lei 11.645/2008, trata, justamente, sobre a temática em questão, analisando a construção histórica destas conquistas legais, referentes à educação étnico-racial nas escolas de ensino básico e sua dificuldade de efetivação, ao afirmar: “Essa nova perspectiva de inclusão dos valores socioculturais e históricos indígenas, no cotidiano escolar, abre espaço para discutirmos as reais condições das relações e redes sociais que os povos indígenas estão inseridos” (SILVA, 2010, p.41).
Esta mesma autora afirma que “o currículo não deve ser uma reprodução cultural passiva, mas um campo que possibilite reflexões e contestações sobre modelos de sociedade existentes, para construirmos formas de transgredí-los” (Idem, p.41). Portanto, a escola deve contemplar a diversidade ou pluralidade étnico-racial, levando em consideração a realidade local e a história nacional. Será que num âmbito geral há, nesta lentidão do processo de efetivação da contemplação da diversidade cultural, uma negligência das políticas direcionadas à diversidade? A prática da referida lei, deve, não ensinar a tolerar o diferente, mas a conhecê-lo nas suas particularidades e a respeitá-lo.
Com base na etnografia e entrevistas realizadas, podemos dizer que a E.E. Mário Gomes de Barros, até o termino do ano letivo de 2013 – periodo de realização do trabalho de campo- não colocou em prática a lei 11.645/08, de forma coordenada e organizada como projeto ou prática de ensino naquela comunidade escolar.
Preconceito na escola: “tem gente que se acha mais importante e não chega perto da gente que é índio”

Exponho neste tópico, as respostas dos estudantes wassú que nos fazem refletir sobre a noção de preconceito que os mesmos têm, como classificam as situações de afastamento ou inferiorização impostas pelos “outros”/ alunos da escola não-indígena. Adianto que, a partir da observação das entrevistas, os estudantes wassú, geralmente, não utilizam a palavra preconceito ou não definem como preconceito as situações descritas por eles, exceto quando são postos frente à análise de situações, ou seja, quando pergunto diretamente se tais situações não seriam manifestações de  preconceito. Mas há a recorrência da palavra “piadinhas” que tomo como sinônimo de de preconceito.
 Analisemos as respostas para a seguinte pergunta: Na escola da cidade você se sente diferente? Por quê? Em sua maioria, a princípio não entenderam a pergunta ou ficaram receosos em responder, talvez pelo fato de a pesquisadora fazer parte da escola como professora. As respostas foram as seguintes:
“Não... Sim, por que na escola tem mais pessoas que num é índio...”
“Aqui eu me sinto diferente um pouco dos outros... por que aqui tem uns melhores de vida... aí eu me sinto diferente. E eu sou índio e a maioria não é.”
“Não, eles me tratam bem, mas a minha cultura é diferente da deles.”
“Um pouco. Porque aqui ales ficam falando de quem mora no sítio ou nos terrenos... Porque quem mora na cidade é mais branquinho e a gente é mais escuro, ficam dizendo que a gente é de sítio... Aqui na cidade tem gente,  que é mais branca, que diz isso.”
Analisando estas falas, percebemos que os estudantes wassú apontam como principal percepção de diferença entre uma escola e outra, o fato de eles serem índios e os outros alunos da escola não serem. Mas para além disto, eles mencionam a questão da diferença cultural como na frase: “Não, eles me tratam bem, mas a minha cultura é diferente da deles.”, mostrando que sabem (a seu modo) da existência de culturas distintas e que coexistem ou apenas que há costumes (entendido como cultura) diferenciados entre eles e os outros. Apontam, também, para o preconceito sofrido pelo fato de que no local em que  moram, como sítio e terrenos (é o nome popular de um bairro mais afastado do centro da cidade).
 Destacam ainda a questão da cor, o que também é uma identificação de preconceito, como na frase: “porque quem mora na cidade é mais branquinho e a gente é mais escuro, ficam dizendo que a gente é de sítio... aqui na cidade tem gente  que é mais branca, que diz isso.”. Apontam, assim, para o fato de os mais brancos da cidade dizerem coisas que os incomodam sem que tenham, os estudantes wassú, uma ampla conciência de que isto pode denotar preconceito racial ou, no caso, étnico-racial.
Oracy Nogueira (2006), no trabalho Preconceito de marca e preconceito de origem,  apresenta a distinção do sentido que atribuímos ao preconceito, em comparação com o preconceito racial no Brasil e nos Estados Unidos. Assim constata-se que, mesmo entre os primeiros pesquisadores (brasileiros ou não) desta temática, acreditava-se ou concluía-se que no Brasil não havia o tal preconceito racial.
Quando, finalmente, se reconheceu a existência do preconceito racial no Brasil, o perceberam como preconceito de marca, ao passo  que, nos Estados Unidos se denomina preconceito de origem. Então, o que diferencia estes dois tipos de preconceitos seria que o de marca refere-se à cor acentuada, que fica visível aos primeiros olhares, já o de origem refere-se a própria origem, a ser descendentes de pessoas de cor mesmo que não se tenha pele escura ou negra.
Contudo, percebemos que isto é reflexo contextual de cada sociedade analisada, assim, a partir das respostas dos estudantes wassú, aqui problematizadas, vemos que o “preconceito”sofrido por eles, tratado neste tópico, refere-se para além da origem indígena, mas, para à tonalidade da cor de pele mais escura, o que os tornam mais “visados”, independentemente de sua indianidade.
Ainda sobre a mesma pergunta, obtivemos outras respostas tais como:
“Um pouco... Porque nem todos são índios, mas eu não tenho preconceito não, assim... porque a pessoa não é índio. Mas eu converso normal, eu não vou falar dela (da outra pessoa) sem ela falar de mim...”
“Um pouco diferente, tem gente que se acha mais importante e não chega perto da gente que é índio. Nesse ponto eu me sinto diferenciada dos outros... Aí fico na minha, penso que todos são iguais e  que ninguém é melhor que ninguém...”
 Quando ouvi a primeira resposta questionei à Iracema: mesmo sem você ter preconceito com os “ outros” será que os “outros” não teriam preconceito com você? Ao que ela me responde:“pode ser que alguém tenha preconceito comigo porque ... aqui na aldeia a  gente tem pintura, toré, artesanato, roupa de índio pra apresentação do toré, quando vai apresentar fora...”. Apontando, então, para o preconceito com as coisas de índio.
Quando ouvi a segunda resposta, principalmente o trecho:“tem gente que se acha mais importante e não chega perto da gente que é índio”, perguntei se isto já não seria uma forma de preconceito para com os índios: ela parou um pouco e, depois, balançou a cabeça afirmativamente.
Passemos a analisar agora o seguinte questionamento: Enquanto um indígena, você se sente respeitado na escola? A pretensão desta pergunta, seria buscar compreender a visão, a percepção, do próprio sujeito estudado sobre como eles enxergam os fatos e situações que acontecem à sua volta referente ao seu pertencimento étnico. Temos as respostas:
“Sim... Mas, só não me sinto quando alguém dá piadinha, me sinto mal, pois eles sabem que  pessoa é (indígena) e ainda fica fazendo piadinha, que num sou...”
 “Sempre tem alguém que dá piadinha na gente. Tem gente que diz, que a gente diz que é índio sem ser... Acho que essas pessoas que falam isso da gente se sente melhor que a gente, ficam julgando a gente que é índio.”
“Não, por exemplo, ficam dizendo que eu não sou índia. Porque da parte da minha vó, os índios mesmo... Teve alguma coisa lá naquela época que tirou, expulsou a família da minha vó do Ouricuri, aí eles não considerou a gente... Mas, agora a gente é... Mas, hoje a gente já é considerado e reconhecido, tem carteirinha na FUNAI  e tudo.”
Observemos a recorrência da expressão “piadinha”, compreendida aqui como indicação da existência de frases e acontecimentos que, de certa forma, tentam inferiorizar o estudante wassú, menosprezá-lo ou julgá-lo, eles não indicam a recorrência, assim como o prosseguimento das respostas que denotam evidências de desrespeito a estes indígenas, por parte da maioria que com eles convivem na escola não-indígena da cidade.
A recorrência da palavra “piadinhas”, foi usada pelos estudantes wassú tanto quando perguntados sobre preconceito quanto sobre respeito ou a falta dele. Penso que os pesquisados, quase não utilizam no dia a dia estas palavras(preconceito) e seus conceitos ou, raramente as atribuem aos fatos cotidianos.
Há também uma percepção de uma imposição de superioridade e inferioridade por parte dos “outros”, os alunos não-indígenas, por exemplo: “acho  que essas pessoas que falam isso da gente se sente melhor que a gente, ficam julgando a gente que é índio.”. Assim, constata-se uma questão histórica sobre a ideologia da formação do povo brasileiro quando se compara os brancos, índios e negros.
Na última resposta, sobre se enquanto indígena se sentem respeitados na escola, constata-se um certo conflito interno ao próprio grupo de estudantes indígenas, segundo Naara,  isso acontece por parte dos que conhecem a história da família de sua avó.
Quando perguntados se por ser índio já sofreram preconceito de colegas e professores, obtivemos ,apenas uma resposta afirmativa:
“Sim, falam mais por causa do meu cabelo, que não é preto, nem liso, falam da cor... Sofro preconceito pela aparência, por que eles acham que pra ser índio tem que ter aparência de índio, cabelo lisinho...”
Houve apenas esta resposta afirmativa da existência do preconceito para com eles no espaço escolar, provavelmente pelo fato de esta indígena ter características fenotípicas que a sociedade dissocia do imaginário do que seria um indígena.
Quando perguntei à Bartira se as “piadinhas” não são preconceitos, ela respondeu:
“Não são não, porque preconceito é só com pessoas que tem a pele mais escura, como com os negros. Por exemplo, se tem índio que é galego, o povo num tem muito preconceito, mas se tem um índio que é mais pretinho ai tem, mesmo sendo tudo índio...”

A resposta acima nos remonta para a questão de preconceito de marca e  origem. Neste contexto, se a escola, efetivamente ,trabalhasse no seu currículo a questão da diversidade cultural, talvez, muitas destas confusões sobre preconceito, grupos étnicos, respeito ao “outro”, ao “diferente”, fossem também, paulatinamente se desmistificando.   
Concluo apontando às relações sociais dentro da escola não-indígena, entre indígenas e não-indígenas, assim como as relações entre o próprio grupo de estudantes indígenas que frequentam a E.E. Mário Gomes de Barros, como peça chave para compreender a proposta de escola não-índígena como fronteira interétnica e constitutiva de ajustes, pescepções e afirmações de pertencimento étnico entre os estudantes wassú.
BIBLIOGRAFIA
BARTH, Fredrik. “Etnicidade e o conceito de cultura”, in Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia e Ciência Política, n. 19, 2º. Sem., 2005 (pp.15-30.).


NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestões de um quadro de referencia para a interpretação de material sobre relações raciais no Brasil. Tempo Social, revista de sociologia da USP, pp. 287- 308, v. 19, n. 1, nov. 2006.

SILVA, Maria da Penha. A temática indígena no currículo escolar a luz da Lei 11.645/2008. Cad. Pesq., São Luis, v. 17, n. 2, maio/ago. 2010.

TASSINARI, Antonella Maria Imperatriz. Escola indígena: novos horizontes teóricos, novas fronteiras de educação. In: Antropologia, História e Educação: a questão indígena e a escola. Silva, Aracy Lopes da – Ferreira, Marina Kawall Leal (Org.) – 2. Ed. – São Paulo: Global, 2001.