sexta-feira, 25 de setembro de 2020

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terça-feira, 3 de junho de 2014

Lauthenay Perdigão. Depoimento para a história: Alfredo Ramires Bastos

 

 

Estes textos foram publicados em Contexto de 04 de setembro de 2011 em Tribuna Independente. Para este blog, estamos utilizando material digitalizado e com gerenciamento das imagens realizado por Kellyson Ferreira, com a coordenação do Professor Antônio Daniel Marinho.





Depoimento para a história: Alfredo Ramires Bastos
       Lauthenay Perdigão
 



Alfredo Ramiro Bastos nasceu no dia 25 de fevereiro de 1923. Formou-se em Medicina em 1948, na Universidade de Recife e se especializou em cardiologia. Também fez curso de especialização em Medicina do Trabalho. Foi professor atuante de Medicina na UFAL, Chefe do Departamento Médico da Clínica Médica do Hospital Universitário e do Serviço Médico da Salgema. Foi treinador do Centro Sportivo Alagoano e médico da Seleção Alagoana. Foi campeão pelo clube azulino no ano de 1952 e no tetracampeonato de 1955 a 1958. Também treinou as equipes de voleibol do Bonfim, CSA e Fênix. Foi campeão pela Fênix e, pelo CSA, conquistou I Jogos Abertos de Voleibol da FADA.


Existem treinadores que a torcida e o dirigente acreditam que dão sorte.Talvez este seja o caso do Dr. Alfredo Ramiro Bastos. Sempre foi um técnico vencedor, um homem capaz de levar seus comandados a vitórias sensacionais e seu clube a títulos memoráveis. Um desportista que aliava seus conhecimentos técnicos à liderança e à amizade que tinha com os jogadores. Seu grande trunfo era ser um comandante único. Ele treinava, orientava, escalava e comandava seu time sem ajuda de ninguém. Dr. Alfredo era um treinador diferente, um homem enérgico, líder, corajoso, leal e com muita moral. Um técnico que deixou seu nome gravado na história do Centro Sportivo Alagoano.

A formação profissional

Alfredo Ramiro Bastos é de família tradicionalmente azulina. Seu irmão, Dr. Carlos Ramiro Bastos, chegou a ser Presidente do Centro Sportivo Alagoano. Por isso, logo cedo ele foi levado para jogar nos juvenis do clube azulino. Entretanto, sem muito jeito para praticar 0 futebol, resolveu parar antes mesmo de começar. Apenas participou de algumas peladas no tempo do colégio. Preferiu os estudos e terminou seu curso de Medicina.

Quando regressou a Maceió, recém-formado foi logo consultado sobre a possibilidade de aceitar ser Presidente do Centro Sportivo Alagoano. O convite foi recusado. Dr. Alfredo não se achava com qualificações, com o gabarito e a experiência para ser Presidente de um clube como o CSA. Esse conhecimento significou 0 enfoque para que 0 jovem médico iniciasse uma atenção toda especial para as atividades do seu clube e também do próprio futebol alagoano.

A iniciação no CSA


Foi Segismundo Cerqueira, diretor do CSA, quem começou a levá-lo ao Mutange para
observar os treinamentos da equipe azulina. Assim, ele começou a se entrosar com o grupo. Um dia, Dr. Alfredo se descobriu treinador do clube. Foi quase incessível. Segismundo, que treinava o CSA junto com Palito, ex-goleiro do clube, foi aos poucos cedendo seu lugar. Em dado momento, lá estava Dr. Alfredo junto com Palito dirigindo o time azulino. Aliás, a dupla contrastava pela altura. Palito era magro e alto; Dr. Alfredo, baixo e forte.

Houve momento em que ele já treinava 0 time e outras pessoas o ajudavam, mas desde 0 dia em que começou a sentir a responsabilidade de comando da equipe, deixou bem claro que ele seria 0 treinador único. Existem técnicos que são treinadores, contudo não são comandantes. Dr. Alfredo teve que optar por uma técnica melhor ou um comando único. Ficou definido comandante único. Não iria admitir interferência de ninguém. Ele gostava da expressão "comandante". Não se considerava um técnico, e sim, um comandante. Aos poucos foi adquirindo conhecimentos técnicos e começou a se desenvolver. Mandar sozinho foi um fator preponderante para ele vencer e o time ser campeão.

Dr. Alfredo dirigia 0 time principal e 0 aspirante. Isso facilitava seu trabalho, porque ele manuseava as duas equipes, utilizando-se, quando necessário, dos jogadores dos aspirantes que eram escalados no time principal sem problemas. As duas equipes jogavam dentro do mesmo sistema e estavam todos sempre jogando. Os aspirantes jogavam nas preliminares do time principal e o CSA chegou a ser hexacampeão

Sua estreia oficial como treinador do CSA aconteceu no dia 5 de agosto de 1952, em uma partida realizada na Pajuçara pelo Campeonato Alagoano contra o Ferroviário. O clube da Rede Ferroviária estava formando uma grande equipe que, nos dois anos seguintes, seria bicampeão. O jogo era muito importante para Dr. Alfredo que sentia uma grande responsabilidade diante da torcida azulina. As lembranças estavam bem vivas para o técnico azulino, principalmente pelas mudanças no marcador: Ferroviário 2x0.

O congraçamento no esporte


Depois do jogo, Zequito Porto, falando com Segismundo Cerqueira, parabenizava-o pela bela exibição do CSA. Naquele instante, Segismundo foi muito sincero e leal. Ele disse para Zequito que todos os elogios deveriam ser para Dr. Alfredo, 0 verdadeiro e único responsável pelo sucesso do time do Mutange. Para 0 comandante dos azulinos, aquilo era gratifi-
cante, porque ele sempre considerou Zequito Porto como a maior autoridade do futebol Alagoano, e Dr. Alfredo não poderia deixar de registrar a importância de Zequito na sua participação dentro do futebol. Nas seleções alagoanas, um era 0 técnico e 0 outro o médico. Nesse convívio, havia muita conversa, principalmente sobre 0 futebol, suas táticas e suas técnicas. Tudo aquilo transformou os dois em verdadeiros amigos cuja amizade perdurou até os últimos dias do Zequito.


Dr. Alfredo já era comandante do time do CSA e, por isso, observava com atenção as instruções dadas por Zequito aos jogadores da Seleção. Era uma maneira diferente daquele que aprendera com Segismundo Cerqueira. Este era um técnico exclusivamente de campo. Zequito reunia essas qualidades e acrescentava a de psicólogo. Mostrava aos jogadores como se colocar em campo, como se defender e atacar. Seu time era bem distribuído e ocupava todos os espaços do campo. Tudo era observado e anotado por Dr. Alfredo e foi de grande utilidade
para quando ele retornou ao CSA. Começou a compreender a necessidade da teoria no futebol. Mandou buscar livros que comentavam sobre táticas e técnicas no futebol. Quando grandes equipes do futebol brasileiro jogavam em Maceió, e ele gostava de conversar com seus treinadores para aprender sempre mais.


O gosto pelo teórico

Com o passar do tempo, Dr. Alfredo foi se transformando, de certa forma, em um teórico. Chegou a dominar razoavelmente bem a técnica do futebol. Como comandante, ele considerava-se mais um técnico teórico do que propriamente um treinador prático e tático. Sua grande dificuldade, em determinado momento da partida, era transformar seus conhecimentos técnicos quando tinha que alterar 0 sistema de jogo da sua equipe. Apesar disso, não deixava transparecer a seus comandados qualquer indecisão de sua parte.

A Sofia e o Xaxado: 4 a 0

Xaxado era a música do momento e com os jogadores do CSA jogando dentro do gramado da Pajuçara e a torcida azulina batendo palmas e gritando Xaxado, Dr. Alfredo viveu um momento de grande emoção no futebol. O jogo era contra 0 CRB em 1952. Foi um verdadeiro "olé". Jamais se pensou em desrespeitar 0 adversário. Aquele era 0 dia do CSA. Tudo dava certo e para Dr. Alfredo era gostoso observar o passeio que os atletas do velho rival estavam levando naquela tarde de 21 de setembro. O CRB comemorava mais um aniversário e 0 CSA ofereceu 0 baile. Nesse jogo, aconteceu uma coisa curiosa. Por incrível que pareça, Dr. Alfredo não sabia do caso da Sofia, aquele jogo em que 0 CRB goleou o CSA por 6x0 em 1939 e, até os dias de hoje, o CSA não conseguiu fazer o mesmo placar. Quando no jogo do Xaxado o marcador marcava 4x0, a torcida começou a pedir mais. Entretanto, ninguém o advertiu que havia uma Sofia atravessada na garganta dos azulinos. Os jogadores azulinos queriam fazer a bola correr de pé em pé, sem se preocupar em fazer mais gois. Muitos foram perdidos. Apesar de não conseguir os 6x0, outra exibição daquela vai ser difícil de acontecer em um campo de futebol.

A força bruta de King


Um dos jogadores mais discutidos do plantei do CSA, na época, era King. Jogava nos aspirantes e muitas vezes era aproveitado no time principal, chegando mesmo a disputar um campeonato inteiro como titular. Apesar de ser chamado de "grosso", King sabia fazer gois, muitos gois. Tecnicamente era fraco. Contudo, uma bola lançada em profundidade à frente de King era meio gol. Não era veloz, mas sua robustez, pela sua massa muscular enorme que fazia do centroavante um bloco de músculo, dificilmente era derrubado. Dr. Alfredo gostava de utilizar King no segundo tempo dos jogos. O ataque do CSA era formado por jogadores leves, habilidosos que gostavam de tabelar, driblar. Durante quarenta e cinco minutos, a defesa adversária ficava sentindo a leveza, os dribles, os toques. Quase que não havia o corpo a corpo. No segundo tempo, entrava King e as coisas mudavam. Os zagueiros passavam a serem assediados, molestados. Eles sentiam a diferença e ficavam preocupados com 0 atacante azulino. King entrava duro, forte, dividia e dificultava as rebatidas dos âdversários.

E a luz sumiu

A rivalidade entre CSA e CRB atravessa os anos e todos que passaram pelos dois clubes sentiram de perto fortes emoções e também algumas decepções. Certa vez, Dr. Alfredo fez uma coisa que se fosse hoje não faria. Por isso, ele fez questão de contar o acontecido. Foi em um clássico CSA e CRB que começou atrasado e terminou mais atrasado ainda por falta de energia no campo do Mutange. Naquele tempo, os jogos eram disputados com bola alaranjada. A noite, essas bolas eram pitadas de branco, que com o passar dos minutos, a tinta ia saindo e a redonda não ficava branca nem amarela. O CSA vencia por 1x0 e ficou na defesa para garantir 0 resultado. O CRB foi todo para 0 ataque. A iluminação era deficiente. O goleiro azulino passava por dificuldades por causa da bola e dos refletores. Os dirigentes do CSA pediam para a Federação trocar a bola e não eram atendidos. Quando Dr. Alfredo sentiu que as coisas estavam pretas e 0 CRB podia empatar a qualquer momento, usou de um expediente nada correto.

Chamou Seu Antônio, que tomava conta do Mutange, e ordenou: desligue as luzes e desapareça. O pai do Peu, que obedecia cegamente ao Dr. Alfredo, não pensou duas vezes. Foi até a Casa de Força e desligou os refletores. Ninguém percebeu o que aconteceu. Todos pensavam que tinha havido um problema com a Força e Luz, hoje Ceai. Com o jogo paralisado, houve tempo para conversar com 0 árbitro, trocar a bola, esfriar a reação do CRB e acertar alguns detalhes com os jogadores do CSA. Quando Dr. Alfredo achou que estava tudo em ordem, a energia voltou, os refletores voltaram a funcionar, 0 jogo continuou e 0 clube azulino manteve o resultado. Dias depois, quando a diretoria do CSA soube o que realmente tinha acontecido, não gostou da atitude do Dr. Alfredo, principalmente Napoleão Barbosa.

A amizade acima de tudo

Apesar da grande rivalidade, aconteceram casos que mostram que uma grande amizade pode passar por cima de tudo. Dr. Alfredo tinha em Zequito Porto um grande amigo.

Um comandante do CSA; outro, treinador do CRB. Além da amizade, existia muita confiança entre os dois. Um exemplo disso está nesse detalhe. Dario Marsiglia, que jogava pela meia esquerda do CRB e era o grande craque do clube da Pajuçara, estava contundido. Era a semana que antecedia o clássico. Zequito levou Dario para Dr. Alfredo curá-lo. Ele trabalhou a semana toda para que o atacante ficasse bom do tornozelo. No dia do jogo, já no campo. Dr. Alfredo, técnico do CSA, enfaixou o pé do Dario e ele jogou normalmente. Esse não foi um caso isolado. Muitos outros jogadores alvirubros eram enviados ao consultório do Dr. Alfredo.

Depois da conquista do campeonato de 1952, Dr. Alfredo foi aos Estados Unidos para fazer um estágio a fim de aprimorar seus conhecimentos na cardiologia. Quando regressou, voltou ao CSA para conquistar o primeiro tetra- campeonato da história do clube azulino. Revendo as fotos dos quatro campeonatos, Dr. Alfredo não destacou nenhuma. Todas foram boas, cada uma dentro da sua temporada. O ambiente foi sempre o mesmo. Havia grandes  jogadores, porém a disciplina estava acima de tudo e foi um dos fatores mais importantes para se conquistar o campeonato quatro vezes. A cada título era uma emoção. No esporte, não tem coisa melhor do que sair vencedor em uma competição.

Dr. Alfredo nunca teve problema com seus comandados.

  A indisciplina violenta o esporte. Por isso, ganhava a disciplina de seus atletas com exemplo de assiduidade, pontualidade, esforço e boa vontade para resolver os problemas particulares de seus comandados. Dr. Alfredo recebia os atletas e seus familiares no seu consultório sem receber nenhum tostão. Com suas atitudes simples, franca e firmes deixavam os jogadores à vontade e conquistava a amizade e o respeito de todos.

A entrada de Dida no CSA


Foi Dr. Alfredo quem levou Dida para o CSA. Um dia um jogador chamado Penedo e que atuava nos aspirantes do CSA, convidou o seu treinador para assistir a um jogo de pelada na Praça da Cadeia. Lá jogava um garoto endiabrado chamado Dida. As jogadas do jovem atleta impressionaram Dr. Alfredo, que logo que terminou a pelada, procurou Dida e lhe perguntou se queria jogar no CSA. Dida bem que gostaria, mas ia depender da permissão de seus pais. O médico-técnico não perdeu tempo. Foi junto com Dida até sua casa para conversar com Seu Jaime. Ficou acertado que o CSA, nos dias de treinos e jogos, mandaria um carro para pegar Dida e depois trazê-lo de volta para sua casa, além de pagar seus estudos.

Na mesma semana, o futuro craque já estava no Mutange como titular da equipe azulina. Muita gente estranhou aquele menino franzino no time principal. Todavia, em uma das primeiras jogadas do treino, Edgar lançou uma bola para área. Dida suspendeu a perna direita, matou a bola lá em cima e quando ela desceu, chutou violentamente de pé esquerdo para o gol dos reservas. Estava ali o jogador que Dr. Alfredo precisava. Ali estava o malabarista, o artista e o futuro campeão do mundo.

No domingo, o CSA jogaria contra o Auto Esporte, vice campeão do ano anterior e uma das boas equipes do campeonato. Dida foi regularizado às pressas para jogar no domingo. Sua escalação foi uma surpresa para muita gente. Segismundo Cerqueira, que não tinha ido aos treinos do CSA, achava que Dr. Alfredo estava louco. Escalar um garoto para um jogo tão importante. Afinal, Dida era desconhecido e nem tinha passado pelos aspirantes. Depois da partida, com uma excelente atuação, Dida calou a boca dos descrentes. Dida, como todo artista, tinha sentimentos delicados, tinha uma forma toda especial de ser conduzido e, nesse aspecto, parecia frágil, mas não era. Jogava valentemente contra duros zagueiros.

No início da década de cinquenta, Dr. Alfredo foi médico da Seleção Alagoana e participou de duas memoráveis partidas. Em 1952, contra os sergipanos no famoso jogo dos 163 minutos. Jogo disputado no Mutange e que, além da vitória nos noventa minutos, os alagoanos tiveram que disputar duas prorrogações de trinta minutos e o gol alagoano que definiu nossa classificação veio aos treze minutos da terceira prorrogação. Neste jogo. três fatores decidiram a nossa vitória: disciplina, bom nível técnico dos jogadores e preparo físico. A outra partida aconteceu em 1954 contra os paraibanos. Alagoas perdia de 3x1 e virou o marcador para 4x3 com Dida fazendo dois golaços. Foi o jogo que levou Dida para o Flamengo. Na virada, valeu a raça e a vontade de vencer dos alagoanos. 

Quando serviu à Seleção Alagoana, Dr. Alfredo era médico e Zequito Porto era o técnico. Foi um período de muito aprendizado para o técnico do CSA. Era muito observador e tirava proveito de tudo de bom que via nas preleções, nas mudanças táticas da seleção durante o jogo e o comportamento de todos. Dr. Alfredo que sempre foi um comandante sério e um técnico teórico habilitou-se a ser um vencedor. O mesmo sucesso também se repetiu no esporte amador quando foi treinador de voleibol.

Por tudo de bom que aconteceu com ele, valeu à pena ser um comandante no esporte. As amizades que conquistou, as emoções pelas muitas vitórias que viveu e pelo aprendizado que recebeu, Dr. Alfredo agradece ao esporte, hoje. aos 88 anos de idade.

Lautheney Perdigão. Lautheney. Depoimento para a história: César, goleiro do CRB

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 19 de fevereiro de 2012 em Tribuna Independente 

domingo, 15 de junho de 2014

25 de setembro de 2020 

Lautheney Perdigão. Depoimento para a história: César, goleiro do CRB

Texto publicado em Contexto de 19 de fevereiro de 2012 em Tribuna Independente. Para este blog, estas utilizando material digitalizado e com gerenciamento das imagens realizado por Kellyson Ferreira, com a coordenação do Professor Antônio Daniel Marinho.

Um pequeno bilhete sobre futebol

Luiz Sávio de Almeida

Mais uma vez, o  futebol aparece em Contexto sob  a batuta do maestro Lautheney Perdigão e  agora balanceando o que é do  CSA e o que é do CRB. Houve uma grande transformação no futebol de Alagoas, com o deslocamento do papel de Maceió; antes o interior não estava consolidado, apesar do que acontecia em Penedo, mas atualmente, ninguém pode negar a importância de posições como a de Arapiraca a partir de uma brilhante reestruturação do ASA. Isto significa, que há massa de capital suficiente para sustentar a profissionalização, redistribuída territorialmente. Alguns locais parecem ter fracassado nesta sustentação, como é o caso de Palmeira dos índios e a minha querida Capela.

A relação entre capital e futebol é estreita: poder de sustentação de profissionais, pagamento de massa salarial e outras despesas de monta. Os clubes não conseguem mais viver sem o merchandising. A camisa está alugada E interessante ver a transformação do símbolo e a própria resignificação de termos no mundo do futebol. Perdeu em densidade expressões como amar a camisa, sua a camisa, dar a alma pelo time e por aí vai. É que o universo do futebol cada vez mais se dilui em mercado. Bom, Contexto tem se beneficiado e muito da participação de Lautheney Perdigão que se prepara para um blog do Museu, que merece ser acessado por todos nós. Hoje ele nos traz a história de César, goleiro que marcou época. Ser goleiro é algo dificílimo e requer, a meu ver, um enorme senso de ângulos. O goleiro é um geômetra, um calculador de ângulos. Foi uma posição em que nunca pisei. Fui ruim em outra, eu era péssimo em tudo mas especialmente onde eu teimava em jogar: center- half. Não sei como se chama hoje. A bola era quem jogava e não eu.

Apesar de tudo, continuo amando o futebol e vendo sentido em declarar minha ligação com o CRB e com o Flamengo, coisa bem semelhante ao Toroca. Acho que foi por conta do Toroca que me deram um título de Sócio Honorário do CRB. É isso, Toroca?
•Sávio Almeida
 
Depoimento para a história: César, goleiro do CRB

Lautheney Perdigão


Defender uma bola que vem alta, rebater de soco ou fazer uma ponte, são coisas que um bom goleiro deve saber fazer para não errar. Socar uma bola no ar não é tão fácil quanto pode parecer. Exige uma coordenação de movimentos muito grande, principalmente se o goleiro usar apenas os punhos. E todo bom goleiro precisa ser tranquilo, elástico e voador, quando necessário. Carlos César tinha tudo isso e mais alguma coisa. Seguro, correto, profissional compenetrado de seus deveres, primando sempre pela disciplina, César sempre foi querido pelos companheiros e respeitado por dirigentes e torcedores. Nasceu no dia 22 de setembro de 1954. Estudou no Colégio Guido. Sempre gostou de uma boa música e é fã de Roberto Carlos.
Começou nos juvenis do CSA em 1971. A oportunidade surgiu através de um convite do amigo Capeta. No clube do Mutange se deu bem e logo era titular da equipe.

O técnico era Gerson que o incentivava bastante. César ganhava vinte cruzeiros por semana. No momento da reforma do compromisso dos dirigentes azulinos, prometeram um aumento e não cumpriram. O tempo foi passando, surgiu um convite do CRB que lhe garantiu uma boa gratificação e César se transferiu para Pajuçara.

No clube alvirrubro, assinou um contrato de gaveta que deram entrada na Federação em março de 1973. Durante dois anos atuou pelo juvenil do clube. Formou ao lado de Jeová, Ailton, Marcus, Jorge Siri, Roberval Davino, Capeta, Everaldo e outros, um dos melhores times da categoria. Graças as suas boas atuações no gol do time juvenil o treinador Jorge Vasconcelos começou a colocar César no banco de reservas nos jogos do time principal. Sua estreia se deu contra o ABC de Natal no jogo de entrega das faixas aos Campeões Alagoanos de 1972. Jorge Vasconcelos foi o técnico que acreditou em seu futebol. Ofereceu a Cesar as grandes oportunidades que ele soube aproveitar. Quando era escalado como titular, sentia- -se muito bem.
 
CRB - Tetracampeão

Fisicamente estava excelente. Tecnicamente lhe faltava experiência. Isso ele foi conquistando com os jogos. E a partir do jogo contra o Bahia no Campeonato Brasileiro de 1973, Cesar se tornou titular absoluto do CRB. Honesto e aplicado nos treinamentos, o jovem goleiro começava a ter o gostinho de ser ídolo de uma grande equipe.

Houve um período que Cesar poderia ser transferido para o Flamengo do Rio de Janeiro. Seria uma grande chance para o jovem goleiro. Acontece que os dirigentes do CRB acharam que era muito cedo para sua saída da Pajucara. Sua inexperiência poderia lhe prejudicar no futebol carioca, porem prometeram que no futuro poderiam facilitar sua transferência. No começo, Cesar ficou chateado. Jogando no futebol carioca, ao lado de grandes craques, ele poderia aprender bastante. Mas, como bom profissional, acatou as ordens de seus superiores.

Continuou defendendo a meta do CRB com uma frieza que, as vezes, amedrontava seus torcedores. Quando o perigo rondava sua area, ele se mantinha calmo, procurando se colocar de acordo com o rumo da bola. Uma de suas qualidades era a de não ficar nervoso. Por isso, inspirava confiança a todos os seus companheiros. A chegada do novo goleiro Jonas serviu de incentivo para Cesar. Ele era o titular. Tinha confiança em si mesmo e para Jonas tomar seu lugar tinha que provar em campo que era melhor do que ele. A sombra de Jonas fazia com que ele treinasse mais, cuidasse-se mais. E Cesar se tornou amigo de Jonas. A rivalidade era apenas no campo.


Nem sempre os chutes contra seu gol sao motivos para fazer pontes sensacionais ou voos espetaculares. Cesar preferia as defesas mais simples e sem complicações. Para impedir que a bola ultrapassasse sua meta era necessário muito treino, muito preparado físico, muito talento. Para Cesar, o chamado gol frango era normal. E como se um atacante perdesse um gol feito. Todos falham e o goleiro também.

O gol perdido e sempre esquecido e o frango passa a ser uma triste lembrança para o goleiro que falhou. Na historia do futebol, ate os grandes goleiros falharam. Ele era favorável à concentração, porque nem todos os atletas eram responsáveis. No CRB, foi tetracampeao nos anos de 1976. 1977. 1978. 1979.

No ano seguinte, o clube da Pajucara poderia ser pentacampeao. Na penúltima rodada, em jogo realizado na cidade de Arapiraca, o CRB enfrentou o ASA. Quando o marcador era de 2x2, aconteceu um pênalti a favor do clube da Pajucara. Cesar foi para a cobrança e perdeu.

Se o CRB vencesse, jogaria pelo empate na rodada final contra o CSA. Com o empate, quem jogou com a vantagem foi o clube azulino. Para Cesar, o pênalti perdido contra o ASA não teve muita repercussão depois da partida. Afinal, o clube ainda tinha um ultimo jogo. Depois do clássico com o CSA, o qual ganhou o campeonato com o empate, e o CRB perdeu o tão sonhado título, foi que começaram os comentários. “Quem devia ter cobrando o pênalti era o Joãozinho Paulista”, “Se Cesar tivesse feito o gol o CRB teria sido penta”. Coisas assim ele ouviu muito.


Suas grandes atuações no Brasileiro de 1980, principalmente depois do jogo contra o Paysandu, quando Cesar fechou o gol, chamou a atenção do treinador João Avelino, que indicou seu nome para Osvaldo Brandão que estava reformulando o plantei do Corinthians. Veio a Maceió um empresário que tomou informações sobre Cesar junto a torcedores, cronistas e dirigentes. Nem precisou observar Cesar jogando. O goleiro alagoano estava contratado pelo Corinthians. No inicio, financeiramente não foi muito bom. No CRB, ganhava quarenta mil e tinha casa, comida, a família e os amigos. Assinou com o Corinthians sem luvas e cem mil por mês, contudo pagava apartamento, comida, não tinha a família ao seu lado e os amigos estavam longe. Tudo era compensado pelas gratificações que recebia por vitorias. Muitas vezes as gratificações mensais eram maiores do que o salário.

No Corinthians teve bons e maus momentos. Treinava muito, pois tinha que mostrar servico. A imprensa paulista e a torcida corinthiana achava que Cesar era um goleiro baixinho. Mesmo sem ligar para algumas criticas, ele treinava mais que os outros. Entre 1981 e 1983, Cesar vestiu a camisa do Corinthians com muito profissionalismo. Seu grande momento no futebol aconteceu no dia 14 de marco de 1982, quando o Corinthians enfrentou o Internacional de Porto Alegre no Morumbi. Os paulistas venceram por 1x0 e Cesar fechou o gol.

CRB 1982

A torcida gritava seu nome e ele ganhou todos os prêmios de maior jogador da partida. Na segunda-feira, os jornais só falavam em Cesar:
“A Cesar o que e de Cesar” - “ As mãos de Ouro” - “O pequeno grande Cesar” - “O Dia em que Cesar foi herói corinthiano” - “Corinthians supera Inter em tarde de Cesar” - “Nunca vi coisa Igual”.

Essas foram algumas manchetes de jornais de Sao Paulo depois do jogo contra o Internacional. Cesar foi uma muralha. Era reconhecido na rua, dava autógrafos, chegou a fazer parte da lista de 40 jogadores pre-inscritos para a convocação de Tele Santana para a Copa de 1982. Era uma felicidade que parecia não ter fim. Dias depois, um chute sem maiores pretensões do lateral do Grêmio de Porto Alegre foi exatamente em cima de Cesar que falhou e o gol foi marcado. O goleiro jura que a bola não entrou.


Foi um jogo noturno e o juiz somente marcou o gol porque o bandeirinha apontou para o centro do campo. Se no domingo tinha sido herói, naquela noite passou a ser o vilão da fiel torcida. A derrota tirou o Corinthians do campeonato e, desclassificado, Cesar foi dispensado. Depois do jogo contra no Grêmio, Cesar ficou conhecendo como e o tratamento de dirigentes com os jogadores.

O diretor de futebol do clube era Adilson Monteiro que depois dos jogos sempre lhe procurava para os tradicionais tapinhas nas costas e a promessa de boas gratificações. Depois do jogo com o Internacional, Adilson só faltou colocar Cesar nas costas e sair correndo pelo gramado. Quando o jogo do Grêmio terminou, o diretor fez que não viu o goleiro. Logo depois, Cesar era emprestado ao Juventus.
  
A posição de goleiro é difícil e ingrata. Quando toma um gol defensável é o bandido, o estraga festa ou simplesmente o frangueiro. Na alegria das vitórias nem sempre são lembrados pelas belas defesas. As atenções são voltadas para os artilheiros. Dificilmente acontecem casos como aquele de César contra o Internacional, já que no jogo seguinte o melhor pode virar o pior. As mãos que aplaudem são as mesmas que jogam pedras. César foi emprestado ao Juventus de São Paulo onde teve grandes atuações. O clube da rua Java- ri estava pronto para comprar seu passe que pertencia ao Corinthians.


César não teve paciência de jogar em um time considerado pequeno como o Juventus e isso atrapalhou seu trabalho em São Paulo. Poderia continuar jogando e depois conseguir um clube de maior torcida. Magoado com as críticas de certa parte da imprensa e da torcida do Corinthians, preferiu retornar a Alagoas e assinar contrato com o ASA de Arapiraca. Foi uma boa passagem pelo clube alvinegro, afinal estava perto da família e dos amigos. Não foi melhor, porque o ASA tinha problemas que eram passados para o plantei. Depois, foi jogar no Flamengo do Piauí. Foram dois anos e meio de muito sucesso. Foi campeão e sempre como o melhor goleiro do campeonato. Criou grandes amizades e tinha o crédito de todos daquela cidade. Retornou para Maceió e lembra com muita saudade o período quem vestiu a camisa do Flamengo.

Para César, o melhor treinador foi Jorge Vasconcelos. Com ele aprendeu muito. Jorge era um técnico exigente, mas justo. Seus jogadores eram seus amigos. Por isso, o time foi muitas vezes campeão com ele. Quando César chegou no Corinthians, encontrou Osvaldo Brandão. Um bom técnico, entretanto na hora do aperto sempre procurava colocar a culpa nos jogadores mais humildes. Tecnicamente, o melhor foi Candinho. Ainda no Corinthians, encontrou um goleiro que não era flor que se cheirasse. Chamava-se Rafael. Tinha jogado no Coritiba e achou que seria o titular.

Na reserva, não falava com César e procurava, de todas as maneiras, criar problemas para o goleiro alagoano. Por ser um atleta disciplinado e que não discutia com arbitragem, César nunca foi expulso de campo em mais de dez nos de profissão. Ele pretende receber o prêmio Belfort Duarte que foi instituído para os atletas mais disciplinados do nosso futebol. Outro episódio que tira César do sério, é quando se comenta sobre a Máfia da Loteria. No início dos anos oitenta, o radialista Flávio Moreira o denunciou como integrante da Máfia da Loteria.


Apesar de logo depois seu nome ter sido retirado da lista, o boato se espalhou e muita gente olhava atravessado para ele. Foram momentos difíceis de sua vida. Quando se fala sobre o assunto, César duvida que alguém possa acusá-lo novamente. Para aqueles que o conhecem, sabem do comportamento de César dentro e fora dos gramados. Todavia, a injustiça serviu para realçar sua grande virtude: a personalidade. Lutando calado em meio à tempestade, sem lamentar ou lançar acusações precipitadas, ele continuou dando duro nos treinamentos.

Apesar de tudo, valeu a pena passar mais de dez anos jogando futebol. Fez muitas viagens, conheceu países lindos e desfilou seu grande futebol em estádios normalmente lotados. Um rapaz que saiu de Maceió para jogar no Corinthians, um clube que tem uma das maiores e fanática torcida do mundo e começar a viajar de Jumbo para conhecer países com  costumes e tratamentos diferentes. O México foi aquele que mais o impressionou.

Um povo que ama o futebol e sempre lota seus estádios. César conta que foi na cidade do México que fez sua maior defesa como goleiro.
Um chute forte, um pulo para o lado, a bola desviada para o outro e ele teve que voltar e fazer sua grande defesa. Como todo mundo, César também teve suas grandes emoções. Conquistar o tetracampeonato pelo CRB jogando nos quatro anos consecutivos foi bom demais. No ano do tetra, o clube tinha como base jogadores da nossa terra. Eram sete os nossos jogadores. Apenas Deco, Mundinho e Flávio vieram de outros Estados. O CRB passou um sufoco nas três últimas rodadas, mas valeu a pena. E o título chegou no clássico contra o CSA, quando o CRB venceu por 2x0. Conquista de título derrotando o tradicional rival tem um gosto mais especial.






Nos dias de hoje Cesar vive na Barra de São Miguel


Luiz Sávio de Almeida. O primeiro livro sobre a história do futebol em Alagoas

 

 12 de fevereiro de 2012

sábado, 14 de junho de 2014


Texto publicado em Contexto de 12 de fevereiro de 2012 em Tribuna Independente. Para este blog, estamos utilizando material digitalizado e com gerenciamento das imagens realizado por Kellyson Ferreira, com a coordenação do Professor Antônio Daniel Marinho.


O primeiro livro sobre a história do futebol em Alagoas

Luiz Sávio de Almeida

Este texto estava no meu arquivo e bote tempo; não sei a data, mas deve ser da década de oitenta do século passado. Foram muitos encontros com Renato e recordo, perfeitamente, das conversas na varanda de entrada de sua casa, com o velho Philips K-7 rodando, meu primeiro gravador comprado por influência do Theo Brandão. Renato era fechado, mas bom cara. Na verdade, caiu fora de Maceió por uma situação perigosa que viveu. Sem querer, ouviu o papo de dois figurões e, sem pensar, colocou a boca no trombone ao querer dar um furo. Resultado: ra, re, ri, ro, rua. Foi embora. Dele, guardo im presente: um caderno onde colava as crônicas que escreveu sobre futebol. Estou cuidando da reedição do livro. Quem sabe a Associação dos Cronistas e a Federação ajudam nesta empreitada. Renato merece, pela coragem que teve de conseguir ver um objeto inusitado para a intelectualidade alagoana: a bola como motivo de escrita. Eu perdi meu exemplar, mas  o Lautheney me emprestou o dele.

Renato Araújo Sampaio é um nome desconhecido pela nova geração, que se interessa pelo futebol nas Alagoas; mas seu nome é muito mencionado pelos companheiros da época em que andou por Maceió, trabalhando na imprensa. Renato foi quem produziu o primeiro livro sobre o futebol em Alagoas e, sem dúvida, um dos primeiros do Brasil. Neste sentido, tanto pela época e quanto pela qualidade, pode ser considerado um clássico da literatura brasileira especializada. Seu grande pecado, foi ter sido escrito em idioma caeté e, aí, sumiu no Brasil e sumiu nas Alagoas. Trata-se de livro simples, sem revoada teórica, mas honesto na tentativa de produzir sobre documentos e história oral e de uma coragem temática inusitada para a época provinciana, quem sabe desafiando o tempo em que foi escrito e publicado.
 
É um trabalho de natureza expositiva e paga um preço: o futebol se faz abstratamente, desvinculado das raízes estruturais, como se estivesse em qualquer tempo e em qualquer espaço, pouco ou nada indicando sobre o modo como ele se fez alagoano. Poderia ser nas Alagoas, como poderia ser em qualquer outro ponto, pois não possuía amarras. Ali estava o futebol posto na solta do tempo, não havendo uma ponte clara para que se entrasse na terra das Alagoas e a pelota corria em um campo também sem tempo e quem sabe era uma bola ahistórica. Seria querer demais, que naquela altura da vida e naquela motivação pessoal, Renato fosse além do que produziu. A ideia era brilhante e capaz de gerar uma visão do que se havia passado em Maceió, após o que se pode considerar como o ano inicial do pé na bola alagoano: 1908.
 
O futebol estava contundentemente posto na vida do povão. Esta a grande vantagem do livro. Por outro lado, o que poderia ser cobrado de um rapaz que se infernizava história adentro? Um rapaz que desejava inovar numa Maceió daquele tempo e ainda por cima nos cueiros de sua carreira jornalística? Nada mesmo a cobrar e apenas um bom sorriso aliado ao elogio; ele teve foi uma atitude louvável, ao romper com o vai-vem da intelectualidade alagoana, abandonando o que poderia ser um tema consagra- dor em termos de prestígio e status, para dedicar-se ao prosaico do povão, trocando espadas e canhões reais ou de oratória, por bolas, pés descalços e algumas chuteiras. E rompeu em boa companhia, pois Ledo Ivo teve a boa vontade e inteligência para escrever o prefácio. Renato colocou o lápis debaixo do braço e saiu por aí, entrevistando mundo de gente, lendo velhos documentos, conversando com jogadores e dirigentes, agarrado com o tema meses a fio
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Se ainda hoje (note-se o ano deste texto, LSA), o futebol não é um tema que desperte suspiros intelectuais, naquele tempo deveria ser pior. Quem iria transformar em tema de livro, a correria atrás de uma bola? Graciliano Ramos meteu o pé no futebol quando ele andou pintando em Palmeira dos Índios. Tá lá, nas páginas de O índio. Imagine-se que Alagoas vivia a construção de sua historiografia guardiã de um ènfoque moral classista, escrita pelos homens bons, para os homens também bons e ter-se-á quanto o futebol seria um tema escorraçado, especialmente quando a elite abandonou os grounds, preferindo financiar pobres para darem o espetáculo que, quanto mais comprado, mais interessante seria.
 
UMA PEQUENA VIRADA DE MESA 

Renato deu uma guinada de muitos graus no que seria uma carreira intelectual esperável em Alagoas. Fugiu do que seria idealizável no compasso da música provinciana. Ele teve à sua frente, todo um beletrismo a vencer, pois era de bom tom participar de cultos heróicos, dos encontros lítero-musicias e continuar abonando as excelências da jamais extinta Guarda Nacional, que gerou coronéis em substituição aos barões. Na verdade, poucos se recusariam à facilidade da consagração e, neste contexto, o livro não deixa de ser uma virada de mesa, mas sem qualquer efeito no panorama intelectual, que jamais poderia considerá-lo como um igual.
 
Aparece um livro que pensava em goals e isto dessacralizava o universo histórico, buscando o humilde de times que treinavam em vacarias, expectativas que se faziam em ambições de pequenos funcionários. Era diferente. Uma espécie de fora de propósito, coisa meio amalucada e não fosse o gracioso que poderia gerar, seria difícil de ser digerida. Renato inovava, mas isto não quer dizer que se processava qualquer maior mudança no panorama. Até mesmo deve ser considerado, que a elite se encontrava consagradamente rural, preservando a teia ideológica ruralesca. Renato Sampaio ensaia seus andares pelo manto urbano, que se insinuava nos contrafortes desta mui querida Maceió.
 
Quase nascia em Viçosa
 
Quem era este audacioo? Afinal de contas, era um pioneiro. E lá vai conversa e chega Zequito Porto e chega Floriano Ivo Júnior. Conversa vai e conversa vem e disseram que ela havia sido do Conselho Nacional de Economia. E vai que vai, de andança em andança, descobri que era pai de um amigo, o físico Renelson Sampaio, com quem eu havia trabalhado no levantamento ecológico cultural do que era chamado de complexo lagunar-estuarino das lagoas Manguaba-Mundaú. Após toda uma caminhada de adivinhação, fomos encontrá-lo em sua casa, tranquilamente tomando a sua insulina.
 
Era um homem vindo de família pobre; seu pai chamava-se Manoel Correia Sampaio e sua mãe, Júlia Araújo Sampaio. Ele nasceu em Major Izidoro, no dia 20 de maio de 1921, nasceu e foi levado imediatamente para Viçosa, onde seu pai foi trabalhar no beneficiamento do algodão. Ele fica em Viçosa, faz o curso primário no Grupo Escolar Treze de Outubro, de onde guardaria a figura da professora Ivone Torres. Viçosa seria o padrão mas o capital agrega o campo de futebol a este complexo de padrão urbano. Obrigatoriamente, Viçosa teria futebol. A meninada do interior sempre viveu inventando divertimentos e eram criados os tempos de brincadeira. Tempo de pião, tempo de papagaio...
 
O futebol resistia a isto, mesmo em tempo invernoso. E foi em Viçosa que Renato se aproximou do futebol. O seu tempo de infância parece não ter sido agradável. Renato - ao conversar - sempre passava raspando por ele, e dava um salto para Maceió. Num de repente, nascia e estava em Maceió, onde ele continuou pobre e morando na Rua Formosa, parte do complexo urbano da Levada. Aqui, coma dificuldade da roupa cochica- da e do dinheiro faltando - vez em quando o professor Guedes Lins ajudava - ele fez o exame de admissão para o Liceu Alagoano e no ano dé 1936 começa a trabalhar como jornalista.
 
JORNALISTA E HISTÓRIA DE VIDA
 
Começou a trabalhar na Gazeta de Alagoas, como aprendiz de revisor em 1935; seu aprendizado como revisor foi realizado em O Semeador, em trabalho conseguido por Manoel Valente de Lima. Posteriormente, ele passa a fazer matéria sobre futebol e polícia. O salário dava para ir suprindo suas necessidades: 150 mil réis por mês, além de faturar comissões; quando o assunto era carnaval, tinha como certa a propaganda de J. Barros; quando era economia, entravam em cena Flávio Luz e Morgado Pinto.
 
Chamado por Afrânio Melo, vai ser revisor do Jornal de Alagoas, fazendo o turno da tarde; apesar do dinheiro que entrava, a dificuldade era grande. Tanto que eu uma de caderneta de aula, ele anotou cuidadosamente: “Comprei meu sapato, no dia de 20 de dezembro de 1937.” Era o famoso sapato da festa, quem sabe o calçado a ser guardado com cuidado e parte do conjunto de peças que se conhecia como a roupa de ir pros cantos, a roupa da missa no domingo e por aí vai. A temporada no Jornal de Alagoas foi curta. Na mesma caderneta está anotado: “Entrei no Jornal de Alagoas no dia 31 de janeiro de 1938; saí no dia 8 de maio de 1938”.
 
O grande incentivador de sua carreira em Maceió foi Sílvio Almeida, que era responsável pela área comercial da Gazeta. Foi a partir de Sílvio, que passou a manter contato com as empresas de Maceió, angariando propaganda, fazendo corretagem e aumentando o salário. Pelo mesmo Sílvio vai ingressar na crônica esportiva, escrevendo seus primeiros artigos e passando a manter coluna, incentivado sempre por Zequito Porto que o orientava na redação das matérias.
 
Quando sai de Maceió, o aprendizado realizado em nossas pequenas redações vai ser de extrema valia, mesmo quando passa a revisor do Jornal do Brasil e redator de O Meio Dia. Ele vai ter toda uma carreira ligada aos grandes jornais: Diário Carioca, Diário de Notícias, Observador Econômico. Nesse seu caminho, deve ser dado especial destaque á sua participação na revista Desenvolvimento e Conjuntura. Ele foi fundador e diretor. Fora Desenvolvimento e Conjuntura, Renato fundou um pequeno jornal em Maceió, tendo circulado alguns poucos números: Democracia.
 
Desenvolvimento e Conjuntura era porta voz, no campo técnico, da Confederação Nacional das Indústrias e, como o próprio título revela, analisava a conjuntura do ponto de vista do desenvolvimento. Renato dirigia o corpo redatorial e era membro do Conselho Técnico Consultivo, com o primeiro número tendo aparecido em 1957, com sua apresentação trazendo um texto de norte para a revista. Isso gerará polêmica acirrada com o grupo de Eugênio Gudin, especialmente quando se tem a famosa Instrução 113 da SUMOC.
 
A vida de Renato vai se misturar à defesa da industrialização, montagem de um parque acional que sustentasse a tese da substituição das importações. É nisso que se dá o choque com a visão do grupo de Eugênio Gudin e que acaba, inclusive, por franco debate na imprensa. A vida de Renato, portanto, ao fazer-se no Rio de Janeiro, deixava uma imensa distância da crônica esportiva, mas restou- -lhe a prudência de continuar torcendo pelo Clube de Regatas Brasil.
 
Ao sair, encontra um novo caminho e vai para uma série de trabalhos ligados à história do Brasil; prepara prefácio para a reedição do livro clássico de Si- monsen; pronuncia conferência sobre Simonsen na Confederação Nacional da Indústria. Torna-se, também, um dos fundadores e membro do Conselho Técnico do Instituto Roberto Simonsen para o Desenvolvimento Econômico, Conselho do qual faziam parte D. Helder Câmara, Josué de Castro e outros. Participa de curso patrocinado pela Cepal, ministrando aulas sobre a evolução do processo industrial brasileiro, quando a temática histórica fica em evidência, posta sob A saída de Maceió
 
Renato teve que sair de Maceió para enfrentar a vida, antes que Maceió enfrentasse a dele. É na economia que vai fazer sua carreira culminando por uma cátedra e pela participação, a convite de Juscelino, no Conselho Nacional de Economia e ali funciona como representante da ^vertente industrial, que argumenta com a necessidade de se fundar e firmar um setor secundário nacional. É por tal motivação que entra em debate com o grupo de Gudin, conhecido como pai do monetarismo brasileiro. Na verdade, na medida em que entrou na implicação entre conjuntura e desenvolvimento, fatalmente seria levado a uma posição contrária a de Gudin. Na medida em que a problemática do desenvolvimento nacional entrasse em discussão face à substituição de importação, iria contra qualquer privilegiamento do setor internacional.
 
Esta sua preocupação, leva a que seja professor de Evolução e Conjuntura da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Rio de Janeiro; será conferencista da ESG, ISEB, CEPAL. Esta sua atividade conduz em 1957, a que seja nomeado membro do Conselho Nacional de Economia. Na realidade, toda a sua carreira é ligada às representações patronais e isso acontece primeiramente na Bahia, de onde vai assentar-se no Rio de Janeiro e em Brasília. A carreira baiana começa com cargo na Comissão de Planejamento Econômico do Estado da Bahia, ano de 1953, posição em que permanece até 1956. Contudo, a vida baiana é iniciada em 1948, quando ingressa na Suerdick como Assessor Técnico, passando a Sub-Diretor e a Superintendente.
 
É através da vinculação com a Suerdick que fará parte do Conselho de Representantes da Federação das Indústrias do Estado da Bahia e do Serviço Social da Indústria. Torna-se Vice-Presidente da federação e seu representante junto à CNI, terminando por dirigir o Departamento Técnico daquela entidade. Ainda ligado à vertente industrial, vai ser Superintendente Adjunto e Chefe da Assessoria de Programação e Orçamento do Centro Industrial de Aratu. Por
último, dirigiu o Banco Regional de Brasília, parecendo-nos que foi, também, Presidente da Companhia de Desenvolvimento de Alagoas. Renato foi membro do Conselho Técnico do Instituto do Fumo da Bahia, Diretor do Departamento Nacional de Mão de Obra e Salário, além de outras participações em menor escala
 

CHEGANDO AO LIVRO
 
A lista do que andou fazendo, depois que saiu de Maceió, é grande. E vamos cada vez mais nos afastando de seu livro, curiosamente chamado de À Margem do Futebol. O próprio título merece explicação; ele o considerava como se fosse um ponto de partida para poder escrever outros tantos. É daí que o futebol está à margem.
 
Ele tinha era vontade de ampliar para casos, contos, fazer do futebol uma espécie de abertura para uma intensa atividade literária. Os casos faziam com que vibrasse. É assim que ele relembra Segismundo Serque' a que tinha a mania de ir a campo carregando um guarda-sol ou guarda-chuva a depender do tempo. O engraçado é que Segismundo ir andando atrás da bola como se fosse bandeirinha e ai de quem ficasse na frente. Quando terminava o jogo, deveria ter perdido alguns quilos.
 
Lembro de uma história que o Renato me contou sobre um jogador que fechava os olhos quando ia chutar. Era uma mania da qual não se livrava. Um dia mandam que ele vá cobrar um pênalti. Ele se prepara, fecha os olhos, corre e a ola ficou lá, quieta. Ele passou por ela.
 
Tanto Renato era amigo do pessoal do futebol, quanto do grupo de rapazes intelectualizados, tanto que Ledo Ivo vai escrever o Prefácio. Renato fez uma tiragem de 2000 exemplares e ele hoje é uma raridade; foram penosamente impressos de cem a cem, na velha e antiga tipografia Machado. A imensa bóia, Renato saiu distribuindo com o pessoal de futebol, jogadores e dirigentes.
 
É que ele pensava o livro, como extraordinário sucesso de mercado e, daí, os dois mil exemplares. Pensava, também, que falando de tanta gente, iria vender fácil. Todo mundo se interessaria na compra. A impressão custou a bagatela de quase três contos de réis. Praticamente, passou uns seis meses sem trabalhar, apenas cuidado da edição. Além disso, esperou uns oito meses, para que Elói Paulírio entregasse o clichê da capa, todo esculpido na ponta de canivete com a figura do Renato sentado e em manga de camisa.
Dizia-me Renato, que recebeu uma corda imensa para escrever o livro. Quando viu o primeiro exemplar, saiu emocionado, julgando ter escrito uma obra prima e sentindo-se inteiramente consagrado. Levou correndo para vender no Enéias, no Ramalho. Colocou na vitrine de A Brasileira, levou para a Casa Normande, Loja do Povo, Bilhar do Comércio, Sapataria do Ferreira. Conseguiu vender e entre tudo saíram uns 250 exemplares. Mas algumas pessoa e empresas adquiriram em quantidade: Flávio Luz, José Dionísio Sobrinho, Mauro Paiva, Paulo e Pedro Pedrosa.
 
Zequito Porto foi o grande mentor. Deu a mão, ajudou na elaboração, apresentou a diversas pessoas; finalmente, colocou Renato em contato com o grande mundo do futebol da época. Renato foi a Penedo e Palmeira dos índios à procura de informações. Paulo e Pedro Pedrosa ajudaram; consultou a documentação que estava disponível por parte do CRB e do CSA. Um grande auxílio foi dado por Pai Manu e também pelo célebre engraxate: Rás Gonguila.
 
Renato leu durante um ano e meio; debruçou nos jornais do Instituto Histórico. Foi desta forma que apareceu “À Margem, do Futebol”. Hoje, uma raridade. Se não foi a primeira tentativa para compreender o nosso futebol, foi a primeira apresentação sistemática do eu se havia plantado até década de trinta do século XX.