domingo, 9 de agosto de 2020

Luiz Sávio de Almeida. Chorinho: Maceió: Grutinha

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Chorinho: Maceió: Grutinha



Esta roda de choro acontece aos sábados no Grutinha






Yatan Lima dos Santos AQUI O TORÉ PAROU, OS PÁSSAROS CONTINUAM A CANTAR: OS XOKÓ NA LUTA CONTRA A PANDEMIA DO COVID-19.



AQUI O TORÉ PAROU, OS PÁSSAROS CONTINUAM A CANTAR: OS XOKÓ NA LUTA CONTRA A PANDEMIA DO COVID-19

Yatan Lima dos Santos - Indígena Xokó
Graduando em Geografia Licenciatura, UFAL-Sertão.

Para entendermos um pouco sobre o caos que estamos vivendo nesse momento epidêmico, é preciso voltar um pouco no tempo; é preciso considerar pouco mais de 500 anos de luta, história, massacre, genocídio e resistência indígena. Refletir sobre o passado nos faz compreender melhor como se deu as contaminações de diversas doenças, desde a invasão do território brasileiro até hoje. Dessa forma, fica mais fácil falar sobre o COVID-19. Resistir ao colonizador não foi tarefa fácil, mas éramos muitos, nossos arcos e flechas chegaram a vencer os invasores em muitas batalhas.
Nesse contexto, nossos ancestrais lutavam bravamente em defesa de nossas terras, de nosso povo e pela própria sobrevivência. Resistir foi preciso, vencer o colonizador se tornou impossível, pois nossos parentes tinham que lutar contra o opressor e contra as doenças trazidas por eles, essas abriram espaço para os invasores, destruindo povos inteiros. Poucos conseguiam escapar, os sobreviventes ou eram capturados, ou buscavam abrigos junto aos grupos aliados.
As histórias de lutas dos povos indígenas do Brasil contra as doenças que assolavam as etnias, remontam aos primeiros contatos com os europeus. Com eles, entranhados em seus corpos sujos veio uma arma mortífera invisível, o vírus. Este, através dos contatos com os colonizadores, transmitiu a nós povos indígenas diversas doenças infecciosas: sarampo, gripe, catapora, varíola, pneumonia... dizimando vários povos originários que aqui habitavam. A colonização do Brasil, se fez possível ou pelo menos de forma mais acelerada, devido ao contágio de doenças que reduziu drasticamente a população indígena.
As doenças trazidas pelos europeus, que assolavam nossos ancestrais séculos atrás, atravessavam continentes, e continuam atravessando ainda hoje. Os indígenas foram os que mais sofreram com as diversas pandemias (e ainda sofrem); isso porque a forma de vivência dos povos indígenas é bem diferente da vida cotidiana dos não indígenas. Essa forma de vida fica bem clara quando uma doença contagiosa chega às aldeias, como é o caso do COVID-19. Esta doença, transmitida através do contato, logo ganha proporção diante de um povo cujo costume é estar sempre junto, pois somos uma família onde compartilhamos tudo: as rodas de conversas frequentes com os mais velhos em baixo de uma árvore, ou envolta de uma fogueira, ou no Ouricuri, nosso lugar sagrado dos momentos de orações e dos nossos cantos, o Toré.
O coronavírus que apareceu lá na China, hoje se encontra em meio aos indígenas de todas as aldeias do Brasil. Há muitos indígenas infectados, isentos de recursos médicos, sem acompanhamento adequado das equipes de saúde, precisando urgentemente de medidas que os ajudem a passar por esse momento de caos pandêmico. As aldeias mais afetadas se encontram na Amazônia, lá os recursos médicos são mais escassos, isso porque não podemos contar com o atual governo que pouco se importa com a saúde indígena. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), deveria ser mais atuante, no entanto, estamos à mercê do novo coronavírus até que algo seja feito.
A aldeia indígena Ilha de São Pedro, etnia Xokó, está localizada no município de Porto da Folha, Sergipe. Tem uma população aproximadamente de 400 habitantes. Os Xokó estão com as portas da aldeia fechadas para os não índios, uma decisão da comunidade para evitar que o COVID-19 entre na aldeia. Não é inesperado que os Xokó estejam com medo dessa doença, pois as notícias que a mídia traz a cada dia é alarmante. Então, a fim de conscientizar a população indígena, o Polo Base de Saúde da Aldeia organizou uma equipe e montou uma barreira sanitária; essa equipe de saúde foi formada somente por integrantes da aldeia, com uma enfermeira, dois agentes indígenas de saúde (AIS), dois agentes indígenas de saneamento (AISAN), dois técnicos de enfermagem, um técnico em saúde bucal, e pessoas que não fazem parte da equipe de saúde, mas estavam prontas para ajudar.
Essa equipe foi formada com o seguinte propósito: monitoramento, orientações de prevenção, busca ativa de sinais e sintomas para o COVID -19. A enfermeira de saúde local, da própria aldeia, com sua equipe, passava em todas as casas dando instruções e orientações de como evitar o contágio do novo coronavírus. Essas medidas preventivas ajudavam no entendimento e a encarar a realidade de forma mais segura; no entanto, mesmo com uma equipe bem preparada na conscientização dessa nova doença, era impossível olhar nos olhos das pessoas e não sentir o medo em seus olhares, elas estão assombradas, como se não houvesse palavras que as confortassem. O medo ficava estampado na cara dos indígenas, e piorava quando chegavam notícias que parentes de outras aldeias, haviam perdido sua vida para o COVID-19.
A ciência mostrava o índice de mortalidade, tanto para índios como para brancos, indicando que os mais velhos eram os mais vulneráveis ao vírus. Então, olhar para nossos anciãos e saber que a qualquer momento poderíamos perdê-los, era angustiante. O COVID-19 nos reprimiu de muitas coisas: como o futebol – por ser um esporte bastante praticado por quase toda juventude da aldeia –, as rodas de conversas embaixo das árvores durante o dia ou a noite sob o brilho da lua. Por se tratar de uma doença transmissível através do contato, ela nos afastou também do nosso ponto de encontro mais importante da aldeia, nosso Ouricuri, lugar sagrado onde cantamos e dançamos o Toré.
Numa determinada sexta-feira, um índio Xokó se assusta e deixa a comunidade inquieta ao receber a notícia de que um colega de trabalho não indígena foi diagnosticado com o novo coronavírus; para a tranquilidade do povo Xokó, ele testou negativo para COVID -19. Outro dia, não muito distante desse acontecido, uma índia que reside numa cidade próxima à aldeia, e que no momento se encontrava na comunidade, teve notícia que seu cunhado testou positivo para o novo coronavírus. Ela havia tido contato com ele há poucos dias, isso deixou a comunidade tensa, mas a tranquilidade veio logo, após ela testar negativo. Os casos não pararam por aí. Um homem não índio, casado com uma índia, morador da comunidade, havia tido contato com um colega de trabalho que testou positivo para o novo coronavírus, ele estava doente e todos os sintomas nos levavam a crer ser o COVID-19. Ele foi isolado em sua própria casa, com os cuidados da equipe de saúde local, foi examinado e testado negativo.
Esses fatos e relatos marcaram nossa aldeia. Foi como se nos preparassem para o que estava por vir. Os Xokó estavam muito apreensíveis, tensos com a nova situação.  O medo dos anciãos, das crianças e de todos da comunidade era percebido através do olhar. E como foi previsto por quase todos da aldeia, o novo coronavírus chegou à comunidade no dia 12/06/2020, com um parente que testou positivo para o coronavírus. A preocupação do povo e o medo aumentaram ainda mais, mas a equipe de saúde fez todo o monitoramento da pessoa infectada, dando orientações aos familiares, esposa e filhos, a fim de evitar o contágio nos mesmos. O paciente ficou isolado em sua própria casa com sua família, e não apresentou sintomas graves que viesse a interná-lo.
Após o primeiro caso confirmado, em menos de quinze dias já havia sete casos confirmados; a equipe de saúde tentou conter o contágio, mas parece ser inevitável, pois até esse momento a SESAI não havia mandado uma equipe de saúde especializada para combater o COVID-19. Só depois dos sete casos, a SESAI enviou no dia 22/06 uma equipe composta por três profissionais, uma enfermeira e duas técnicas de enfermagem para dar suporte a nossa comunidade; a partir daí, os cuidados foram redobrados. No dia 02/07 de 2020, a Universidade Federal de Sergipe (UFS) veio à comunidade realizar testes sorológicos que identificam os anticorpos do novo coronavírus. Dos 194 testes realizados em indígenas Xokó, 47 apresentaram resultados positivos para anticorpos do novo coronavírus. Antes desses testes realizados pela UFS, havia sete casos apenas confirmados pela secretaria municipal de Porto da Folha/SE. O teste sorológico não detecta o novo coronavírus, apenas os anticorpos produzidos pelas pessoas ao ter contato com o vírus, diz a UFS.
Dos resultados obtidos pela UFS, foram 141 negativo, 34 apresentaram IgG + e estão possivelmente curados, 10 estavam com IgM + e poderia estar na fase inicial da infecção, 7 foram indeterminados, e 3 apresentaram IgM +, que pode estar em fase de recuperação. Com esses resultados, o povo Xokó entraram em desespero e todos passaram a temer o novo coronavírus. Alguns tentam esconder o medo que sentem, outros preferem não acreditar. Estamos lidando com uma ameaça invisível, enfrentar o vírus que assombra toda a população não é nada fácil, e há quem diga que essa doença não existe, que é uma farsa; porém, essas mesmas pessoas que dizem não acreditar no coronavírus, são as que mais fazem uso de máscaras e álcool em gel.
Podemos sentir o medo nos mais velhos e nas crianças. Esse medo ficou mais evidente quando a equipe de saúde passava nas casas dos indígenas dando o resultado dos testes, e mesmo aquelas que não apresentavam sintoma algum, ainda assim sentiam medo. Uma criança com aproximadamente 11 anos de idade, ao receber o resultado que estava com anticorpos do novo coronavírus, supostamente curado, correu para o seu quarto chorando com medo do COVID-19. Só depois dos resultados divulgados pela UFS, a SESAI envia outra equipe de saúde, dessa vez junto com enfermeiras e técnicas de enfermagem e um médico. Até este momento, foram 28 casos confirmados e todos curados. Segundo a enfermeira Jéssica (Xokó), o monitoramento foi realizado pela equipe da SESAI durante 14 dias. A nossa comunidade continua lutando até que esse vírus esteja totalmente controlado em todo o território nacional.