domingo, 27 de setembro de 2020

Luiz Sávio de Almeida.O Neuton da Capela e a Maria Furadinha são tesouros do feijão alagoano

 

sábado, 19 de julho de 2014

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Este artigo foi publicado em O Jornal em 14 de setembro de 2007

O  Neuton da Capela e a Maria Furadinha são tesouros do feijão alagoano

Luiz Sávio de Almeida

Não é fácil preparar bom feijão, sustentar a qualidade da comida diária de uma casa. A sua presença e a do arroz montam o trivial de nossa mesa, existindo, inclusive,  para a sua repetida e repetida presença,  uma expressão para a rotina que se faz chatinha: é o mesmo feijão com arroz. A gente já cresce sentindo o cheiro dele e quando é tempo de comida de panela, cuidadosamente ele vai sendo introduzido, por ser pesado e vai ser de absoluta necessidade para a sustança.  Se alguma nutricionista fizer uma pesquisa procurando saber os alimentos que o povo reconhece como forte, sem duvida vai ouvir falar muito de nosso feijão. Para curar a fraqueza, o feijão aparece no receituário: tá fraco das pernas, é preciso comer feijão.
E por ai seguem o de corda, arranco, preto, branco, mulatinho e haja feijão. A beleza de tudo esta na simplicidade;  cada casa tem seu feijão e penso que chegue a ser uma espécie de  impressão digital domiciliar. Como em cada casa existe um tipo de amor, em cada cozinha existe um tipo de feijão. Sei lá  como se pode ter tanto gosto diferente, tanta textura diferente de caldo... O mulatinho pesa em todos os lares, aquele caldo, o marrom, a sopa em potencial. Para mim, o feijão de maior presença publica é o dos pedreiros. Não sei se é a hora em que ele começa a cheirar, mas é como se de imediato o olfato recomendasse o sabor. O cheiro e o gosto assumindo a construção, como se estivessem emoldurados pelo Chico Buarque de Holanda.
Eu não sei se é o cimento, a poeira, o barro, a lata, a lenha... Não sei... Apenas sei que é uma bela hora de almoço. Quando faço amizade com pessoal de alguma construção perto de casa, vez em quando colaboro na comedoria, recebo meu quinhão e tome farinha e pimenta. Mas aqui pertinho da Maceió, existe um restaurante extraordinariamente pedreiro: mesmo feijão, mesmo poder de charque:  a Maria Furadinha, onde se encontra, também, o belo serviço de mesa prestado pela não menos competente Taioba. Seria difícil que o feijão da Maria Furadinha tivesse o poder que tem, sem a Taioba para brilhar em futuro esporte olímpico:  prato à mesa. Ela joga bem. Dois garçons ficam na minha memória: a Taioba e o Pescoço.  Pescoço quando eu pedia uma cachaça, ele colocava outra para ele e saiamos cambaleantes: o freguês e o garçom que se danava a fazer conta errada. Não é o Pescoço do Graci: é outro e talvez por parecer com o do Gracy, a gente chamava assim. A ultima vez que o vi, ele trabalhava na Peixada Pajussara, na esquina do quarteirão em que ficava o Bar das Ostras, lá na Lagoa. Faz é tempo...
Excelência do feijão  é o caldinho do Bar Sem Nome do  Neuton na Capela. Alias, o primo serve o de feijão, galinha e misto, valendo a pena sair de Maceió e deliciar o caldinho em uma rua calma, parece que em frente ao Cartório do primo Cícero Cocó, oitão do Forum e de frente para a Estação do Trem, parada, sem, movimento, com aqueles trilhos vivendo a toa por maldade do destino. Quando o trem chegou na Capela, o povo tinha pena do bicho cansado,  resfolegando de tanto andar e andar. Pois a estação esta ali, confronte o  Neuton.  
É impressionante a limpeza onde o caldo é preparado. Limpo, limpo, limpo... Nem parece que por ali andou galinha ou feijão. Não se vê uma pena, uma semente de tomate, uma queixa do galo marido da galinha. Maria Lopes tinha razão: vale a pena sair de Maceió, ir tomar o caldinho do primo. lsto é bom, ainda de acordo com a Maria Lopes, para quem deseje tomar um deforete, descansar do burburinho.   preciso um cuidado; vai chegando por perto do meio-dia, o primo fecha; não gosta de muita gente e eu entendo: não ha abuso mais chato do que de bêbado e de freguês gritando: eu quero isto e que quero aquilo! Maria Furadinha e o primo Neuton são exímios curadores da cozinha do feijão. Maria Lopes fala da sopa de feijão da Lurdes lá no Cajueiro Grande em Penedo, mas a Maria esquece que a Lurdes já morreu. Coitada, saudades. Foi quem me deu muito pirão de peixe e caldo de piranha quando eu era menino na Rua da Penha em Penedo.