terça-feira, 29 de setembro de 2020

Luiz Sávio de Almeida e Viviane Rodrigues. A Grota do Pau d’Arco I

 

Viviane na Grota do Pau d'Arco

        Viviane na Grota do Pau d'Arco

domingo, 20 de julho de 2014

Urbanismo: Maceió: Grota: Pau d'Arco I: 2011




Esta matéria foi publicada no tablóide Contexto, Tribuna Independente, Maceíó, 13/11/2011

As fotos são de autoria de Viviane Rodrigues e há permissão para a publicação de imagem dos informantes

Um pequeno bilhete sobre Grotas 



      Segue outra história de grota e histórias de vida. É mais uma parceria entre Contexto e o Museu Cultura Periférica. As histórias das grotas se parecem; as histórias de vida dão o tom da singularidade e demonstram o genérico do processo de empobrecimento gerado pela organização da sociedade. A história das grotas, como história de pobreza alagoana passa no mundo negro. Contexto abraça a todo povo amigo e honrado da Pau d’Arco I. 

Uma boa leitura.



Sávio de Almeida




A história das Grotas do Jacintinho (II)

A Grota do Pau d’Arco I

Luiz Sávio de Almeida e Viviane 

Rodrigues




Viviane na Grota do Pau d'Arco
             A Grota do Pau d’Arco I é uma das mais conhecidas do Jacintinho e pode ser vista por quem passa pela Avenida Afrânio Lages, junto à entrada do Buganville. Pouco se percebe da complexidade de suas ruas e das características do terreno, demarcado pelo acidente geográfico  que os moradores chamam de o “buraco”, vala que foi se abrindo e dividindo o território em duas porções,  sem que tinham denominações diferentes: há uma unidade por eles demarcada, integrando e fazendo o que atualmente é conhecido como Pau d’Arco I. O buraco foi uma pequena vala, de mais ou menos 50 cm  e hoje, está de tal forma alargado que cabe um carro dentro;  um se projetou na sua fundura e ficou como monumento à incúria governamental. Na Grota existe área de risco, especialmente, para as casas que vão tendo o terreno comido, justamente, pelo alargamento do dito cujo buraco.
            
Ela é das mais antigas do Jacintinho;  pessoas que foram entrevistadas, moram ali a mais de 40 anos e já existia, formada a partir de um sítio de cujo dono não se tem notícia. Consta que era área desocupada e as pessoas foram chegando e construindo suas casas. Há uma coincidência profunda com a história da Grota da Bananeira. Ambas derivam de um sítio, embora a forma de aquisição de terreno tenha sido diferente, pois a Bananeira tinha dono em um de seus lados, o que fica voltado para o Reginaldo. 





A Grota do Pau d’Arco I  fica no final da Rua Santa Luzia, onde se localiza o Quilombo, que teima em sobreviver e conseguirá.   Nós podemos dividir a Grota em duas porções: a da Praça e a posterior em destino ao Reginaldo. Na altura da Praça, parece estarem as melhores construções e é a parte mais antiga da região. O Pau d’Arco I tem, portanto, desnível interno de condições de moradia, embora que não se pode falar de diferença de renda. A direção do Reginaldo tem casas em piores condições, mas isto não diferencia pela renda, parecendo que houve mais tempo de investimento nas residências da outra porção.
            Sua posição característica leva a que não se articule com outra Grota, em termos de divisa, desde que seu acesso é o Reginaldo e a noroeste se encontra a Avenida Afrânio Lages. A leste, correspondendo à subida da Santa Luzia, fica a Coronel Paranhos, a grande linha divisória do Jacintinho. O Pau d’Arco tem seu nome derivado de uma árvore que existia na região e que ficava na subida que vai dar na Afrânio Lages, área ainda hoje de baixa ocupação, pois a Grota começou a estruturar-se entre a vala e a Praça e ali adensou suas construções.
            No fundo, ao tratarmos da história das grotas, especialmente verificada a partir das histórias de vida, nós encontramos o que vamos chamar de  um padrão de ocupação e uma variação no que há de pessoal. Os processos biográficos são diferentes, mas o social tende a se repetir, pois é uma história, na verdade, que se faz entre uma pobreza a sobreviver e o poderio econômico urbano. Assim, por exemplo, a história do Pau d’Arco I se interliga à da Bananeira na questão da conquista de serviços pela comunidade.
Eis um traço das Grotas que aparece em todos os depoimentos: a tentativa de cerco ao poder para a conquista do mínimo de serviços: o que seria trivial aparece na história construída sobre o lugar e pelo lugar, como feito praticamente resultante de batalhas, de constância no pleito. É assim que surge a água, a luz. É como se os depoimentos ao falarem do coletivo estivessem demonstrando e acentuando os serviços públicos como sinal evidente da marginalização do território no contexto urbano, gerando a movimentação em busca de solicitações ao poder, Isto significa que a grota pelos depoimentos, entende que a marginalização urbana do território requer, para ser vencida, atitudes cooperativas e busca de representação política de seus interesses pela instituição de entidades que, via de regra, fracassam. 
            Como em toda e qualquer Grota, os moradores têm que traçar estratégias de sobrevivência e nelas, é possível, que o considerado legal pelo sistema não seja por eles entendido desta forma. Na verdade, o sistema manipula condições. Um exemplo está nos chamados gatos. A comunidade vem pleiteando a regularização do fornecimento de energia elétrica: não há uma resposta aos abaixo assinados, às solicitações, segundo é reclamado. No fundo, por uma questão moral, não são os moradores que se locupletam da coisa pública: ela é que é negada a eles que pedem a regularização e neste sentido, acontecendo o estranhamento jurídico entre um cidadão que precisa e um estado que nega. Além do mais, até mesmo eles são prejudicados, por não terem os triviais comprovantes de residência.  



           A penetração urbana dos evangélicos demonstra-se nas Grotas. Os crentes  formam um grupo identificado nas relações de vizinhança. A urbanização desigual contém a penetração das Igrejas em um território que era predominantemente católico e marcado pela presença do Padre Cícero e do Frei Damião, entes do cotidiano sagrado nordestino e dos pobres urbanos de Maceió. Em parte, o crescimento acontece em face do vazio dos serviços católicos, da impossibilidade de se multiplicar centros de agregação, do mesmo modo como acontece com os protestantes das diversas denominações. Parece acontecer maior flexibilidade de ação dos evangélicos do que por parte da Igreja Católica. Talvez uma das razões de perda católica, esteja na manutenção de solenizações que ficam longe do trivial simples do cotidiano local.
            Sem dúvida, as Grotas do Jacintinho resultam da  forma como a pobreza está articulada à economia urbana de Maceió. Os dois entrevistados cujas falas reproduzimos, são oriundos de outras cidades e um deles viveu o que vamos chamar de périplo urbano, passando por diversos bairros até assentar-se no Pau d’Arco, enquanto outro teve uma espécie de semi-diáspora familiar, com seus filhos retirando-se da área e depois regressando ao mesmo nicho de pobreza de onde se originaram.
            A Grota vive o que vamos chamar de medo do inverno; o que é chuva para eles se traduz em risco de vida; todo inverno é a possibilidade de problemas sérios, especialmente para os que moram nas vizinhanças da vala. O infortúnio coletivo divide a Grota em duas grandes porções: a de maior e a de menor risco no inverno e isto cria uma espécie de alerta coletivo para com as chuvas, e, possivelmente, interfere na solidariedade que sempre se pronuncia na desgraça. Por outro lado, o tempo da  chuva é de queixa quanto ao mau cheiro, em face das águas que passam a rolarem na vala.
            As falas são dramáticas.  Seu Alcides chorou durante toda a entrevista, revendo a vida que levou e o que passou. Existem, então, vidas-choro e a dele, sem dúvida é uma delas. Ele vem saído de Pilar, menino de doze anos de idade, caminhando em cima de um jegue até chegar em Satuba. Depois, foi a pé por Fernão Velho, até chegar a Jaraguá onde foi conviver com os ratos dos armazéns. Há, portanto, uma vida-choro a ser respeitada e a leitura deste número de Contexto requer o senso do outro, algo em profundidade, capaz não de lastimar a sorte, mas de entender que existe algo errado numa permissibilidade de sofrimento adredemente montada e arquitetada pela natureza das relações em torno do poder. Na fala de seu Manoel, identifica-se a natureza política de que sua vida é a de todos e para todos requer uma visão correta por parte do poder.
            Resta ler e sentir que o espaço é mais do que sua mecânica; ele contém os sentidos de vida e ela, a vida, aparece como revelação do drama humano que a história jamais poderia esconder ou esquecer, mas que a historiografia pode tentar.  Ao contar suas histórias de vida e a história do lugar, as pessoas demonstram como desejam aparecer historicamente. A história de vida ganha, portanto, uma expressiva posição no corpus documental científico.
A história urbana de Maceió ao se renovar, tem que partir em busca  desses conjuntos considerados marginais que não foram e nem poderiam ser considerados em clássicos como Craveiro Costa, o primeiro a nosso ver a transformar a cidade em matéria de análise, fora da linha almanaquista de Moira, Moura, Espíndola. Aliás, a primeira geografia médica trabalhada em Alagoas – e que foi dos meados do século XIX –, possivelmente pela sua ênfase no miasma, traça uma imagem das áreas pobres, o que não faz Craveiro e nem o Manoel Diégues Júnior que se anexa ao clássico.
Ela, a pobreza, emerge e começa a ficar clara, em um romance recentemente reeditado e escrito por Pedro Nolasco Maciel, anterior ao trabalho de Craveiro. Ele enxerga a distribuição espacial da pobreza que jamais poderia andar pelas grotas, pois parecem ser fenômenos da década de sessenta do século XX, quando se dá a intensa urbanização populacional no sentido de deslocamento da população do campo para Maceió e, nisto, a procura de sítios para a morada  por parte dos  empobrecidos advindos. No fundo, a perversa regra da urbanização que aconteceu, trabalha uma máxima: mora-se onde é possível morar. O que parece trivial fundamenta o axioma social que leva à formação das grotas, a casa na cavidade em obediência à topografia e aos critérios sociais que fazem a rejeição do local por segmentos de renda  mais alta e de melhor situação, portanto, na economia urbana.

Difícil será entender a grota sem vê-la  na perspectiva da economia política; elas não são um acaso, mas parte de uma circunstância global de desacerto estrutural da sociedade maceioense.  E são os  mesmos critérios que desacertam, aqueles que levam ao preconceito, na imensa confusão que patrocinam entre pobreza e criminalidade. É como se ali, na grota, estivessem os detestáveis bandidos, locais da criminalidade. Não é isso. Uma grota é uma terra de muito suor e de muita decência; não pode ser confundida com seus bandidos. Se confundir um espaço com seus bandidos,  ai de ti Maceió assaz pecaminosa...

 Faz tempo, andou em larga evidência, um tipo de antropologia que tratava de uma questão: a cultura da pobreza. Dela, metodologicamente, deu boa conta o Oscar Lewis, com poucos livros traduzidos no Brasil. A sua leitura é fantástica, tanto pela beleza de estilo quanto pela forma como sonda o mistério das famílias, os encontros e desencontros. Havia, contudo um problema: o pobre era culpado por ser pobre.  A cultura das Grotas pode ser uma cultura da pobreza, mas muito mais do que isto, é um processo histórico de empobrecimento. As Grotas são parte deste empobrecimento, do modo como as pessoas são tornadas pobres.
Este painel que pretendemos, ao mostrar a singularidade de cada vida demanda que elas não sejam vistas como fragmentos, mas como interligação; o vazio entre elas é aparente, todas se implicam não somente por estarem no meio da pobreza mas por um fato fundamental e simples: são as vozes narrando o empobrecimento que foi gerado em cada uma história de vida e isto nos permite definir a Grota de uma forma mais íntima a seu contexto: todas as Grotas são histórias de vida e elas significam a ideia de espaço. Elas se definem por conter vidas e estranhamentos no mesmo lugar.
As mudanças acontecidas na economia urbana de Maceió, parecem confirmar o papel que vem sendo estereotipado para as Grotas, colocando-as como local privilegiado da violência e da bandidagem. A montagem urbana foi especializando o território, restando para os pobres ocuparem as decidas do terreno. Não deve ser um termo recente, na caracterização das áreas de Maceió, pois, por exemplo, está consagrada a expressão no texto clássico de memória de Carlos de Gusmão, aparecido em 1970: Boca da Grota. Nova é a associação que se pretende fazer entre elas e a criminalidade, mas um passo injusto construído pelo preconceito que identifica pobreza com marginalidade: nem todos os pobres são marginais. Grota é um pedaço da cidade igual a toda cidade, menos na sua característica de ser pobre.
Ao que tudo indica, elas existem na medida em que a cidade sobe para o que era chamado de Jacutinga; antes deveriam existir apenas como acidentes físicos e, somente, depois, é que vão tendo o sentido de um modo específico de viver Maceió, derivado da urbanização que se acelera e ganha corpo a partir dos anos 60 do século passado.  Talvez, então, seja possível pensar que estamos diante de uma situação cinqüentenária e que, posteriormente, vai assumindo a condição de hoje, talvez – novamente a possibilidade – a partir de uns vinte anos de vida da intensa crise urbana de Maceió, representando uma Alagoas incapaz de suportar o peso do crescimento de sua população economicamente ativa e colocar Maceió como local de uma acelerada disputa pelo que não existe efetivamente: posto de trabalho.


Um pouco da história de vida do Seu 

Alcides






Nasci em 06 de setembro de 1930, em Manguaba no Pilar. Minha mãe morreu quando eu era pequeno; tive irmãos de criação.  Fugi de casa com doze anos, sai do Pilar porque não tinha mãe, vim só com um bocado de matutos que iam passando e pedi “Vocês estão indo para onde?”, “Estamos indo para Satuba!”, “Pode me dar uma carona no jegue”, “Sim!”. Deram-me, isso faz muito tempo, minha história é longa.
Cheguei em Satuba às cinco horas da tarde, de lá fui para Fernão Velho a pé. Caminhando cheguei em Jaraguá, entrei num armazém para passar a noite e no outro dia procurar meu rumo, mas acabei ficando por lá. Conheci uma senhora que me ajudou muito, fiquei dormindo com ratos, morcegos. O filho dessa senhora disse assim “Mãe, vamos ajudá-lo porque é trabalhador!”. Fiquei lá um tempo, depois chegou um rapaz e me levou para Ipioca para trabalhar com cal. Andei muito pelo meio do mundo ajudando os outros e me ajudando.
O meu trabalho era encher um balaio de pedra e subir uma escada... Deus sempre comigo! Meu pai e minha mãe sempre foram Deus. Eu não tinha para onde ir, o armazém era minha casa, dormia no almoxarifado no meio de pá, enxada. Ai chegou a idade de me apresentar no Exército, era uma fila de cem homens de um lado e cem do outro;  então chegou o tenente e o capitão , os que iam ficar, ficava, os que não iam para casa, no meu caso o armazém. Como estava adoentado fiquei internado no hospital do Exército. Quando fiquei bom o major me chamou “O senhor mora aonde?”, moro na Pajuçara, “Em qual canto?”, “Em um armazém”.
Trabalhava de dia e dormia de noite no armazém, depois o dono não queria mais pagar. Eu reclamei “Dr.º  Antônio se não pagar a gente direitinho vou embora”. Fiquei abusado com ele e pedi as contas. Sai de lá e fui para a casa de meu irmão em Ipioca, mas tinha indo para São Paulo. Encontrei um amigo que me chamou para sua casa, não queria ir : “Você têm filhos...”, não deu certo lá. Daí fui para a casa de uma prima na Garça Torta, Generosa o nome dela, já morreu.
Estou desde os doze anos a sofrer, aqui e acolá. Aí arrumei essa menina, estamos casados há 45 anos, tivemos doze filhos. Quando casei estava com 36 anos e ela 16 anos. Demorei em casar porque estava escolhendo, a obrigação do homem é namorar muito, namorei muito, e procurar a certa e a honesta. Hoje está difícil arranjar um casamento fixo.
 Quando vim morar aqui já tinha três filhos, os outros nasceram aqui. Aí em cima tinha uma senhora que dava assistência (parteira, VCR) muito bem, morava na rua do Arame, irmã Lurdes. Eu trabalhava na Socôco e morava na casa da minha cunhada lá em cima e que tinha esse terreno, perguntou se eu não queria morar, perguntei quanto queria e ela cobrou 500 cruzeiros. Paguei.
Isso tudo aqui era mato, um sítio. Só tinha três casinhas aqui em frente. Aqui comprei nove paus, arrodeie de lona e zinco. Fiz o barraco de lona, zinco e tábuas. Depois o pessoal começou a chegar para morar. O povo que veio morar aqui estava todo espalhado. Trabalhei muito, fazia serrão, trabalhava das cinco às duas da manhã. Entrava aqui com medo porque a gente tinha que se guardar.
Não tinha água aqui, íamos para uma cacimba aqui perto com água limpa. Minha mulher lavava roupa, pegava água para beber. A gente chamava os vizinhos, se reunia aqui na porta para conseguir o que precisava. Era eu, o Cícero barbeiro (morreu), a mãe de Teresa (morreu), muita gente já morreu. Hoje temos água e luz, mas agora tem esse buraco. Não havia esse buraco, eu atravessava. Essa água que passa que fez o buraco vem dessas ruas de cima. Aqui usava candeeiro para ter energia, falamos com a esposa do Suruagy e do Major Luís.
O fato mais alegre que aconteceu aqui é porque a maioria do povo é crente. É um povo que respeita Deus, que merece nossos maiores elogios. Deus não é menino, é um Deus, é poderoso! Nós não fazemos nada por ele, mas ele faz tudo por nós. Minha maior alegria é ele aqui (apontou para o coração, VCR).
Já teve fatos tristes aqui. Já tive a chance de vender essa casa, mas Deus não quis. Construí esse barraco, criei doze filhos, morreu dois: um afogado e o outro mataram. O que mataram foi porque procurou, se não tivesse procurado estaria vivo como eu.
Aqui tinha jaqueira, cajueiro, coqueiro. Tinha um pé de Pau d’Arco. Eu viajei e queria ter trazido um pé de Pau d’Arco, mas não consegui. Grota do Pau d’Arco porque tinha um Pau d’Arco.
A prefeitura fez uma escada ali no beco. Os dois presidentes da associação de moradores que teve aqui não fizeram nada, só souberam embolsar o dinheiro. Nunca teve escola, nem posto de saúde. Será que esse governador vai fazer? Eu duvido. O governador trabalha muito pela cidade, mas pela periferia não. Ele faz pelo recanto, para deixar o “mais ruim” no mesmo lugar: sem nada.






História de vida do Seu Manoel Henrique

Meu nome é Manoel Henrique, tenho 51 anos, nasci em São Luís do Quitunde, sai com dois anos e fui para Matriz de Camaragibe. Com treze anos vim com minha família toda para Maceió, meu pai construiu uma casinha aqui na Grota do Pau d’Arco. Meu pai trabalhava de vigilante, depois minha mãe faleceu e deu derrame nele. Hoje em dia meu pai vive cuidado pelos outros.
Quando cheguei para morar aqui a gente usava candeeiro com gás, aí foi tempo que começaram, faziam uma casa, depois outra, subiam no poste para fazer uma ligação, até hoje ficou por isso mesmo. Cada pessoa que fizer um barraco na beira do buraco só precisa ir num depósito, comprar 20 ou 30 metros de fio, paga cinco ou dez reais a um camarada que sobe e liga. Isso porque o governo nunca se importou com o lugar onde a gente vive.
A maioria das pessoas que moram aqui veio do interior. Antigamente o buraco estava mais estreito, então era mais fácil construir. As mulheres trabalhavam como doméstica, hoje ainda é assim. Trabalham ganhando menos de um salário e os homens de servente de pedreiro. Quando vim morar aqui não tinha profissão, comecei a trabalhar de servente, ai pensei que tinha que aprender  a profissão de pedreiro.
Se eu medir essa casa minha só dar seis metros, mas tinha doze. A parede da minha casa estava na beirada do buraco, vejo a hora de dar uma chuvada e cair a metade da casa. No inverno nem dorme eu e nem minha esposa.
Esse esgoto começou ali na rádio 96 FM. Quando vim morar aqui nem uma rua dessa de cima era asfaltada, tudo de barro. Quando vieram asfaltar as ruas esse buraco já existia. Cícero Almeida, o prefeito, trabalha em frente ao perigo. Ele nunca foi um homem para vim aqui olhar o que esta acontecendo. Fizemos uma reunião para fazer um abaixo assinado, teve cerca de 40 pessoas, para levar a rádio 96 FM  e entregar na hora do programa dele. Ficou, vai, não vai, de 40 sobrou uns 15 ou 20, então não adianta porque se todas estão morando no perigo, tem que ir todas.
O serviço do interior é corte de cana, limpar capim, a minha profissão não bate com a do interior: pedreiro. Aqui em Maceió para onde me virar trabalho de pedreiro, faço minha semana, assumo minha casa. Morei dez anos em casa de aluguel, nunca atrasei na minha vida. Depois parei e pensei, vou comprar um barraco para morar. Comprei meu barraco na Via Expressa, depois fui morar no Benedito Bentes, passei sete anos lá. Voltei para o Jacintinho e fui morar numa vila que minha mãe tinha e esse buraco já estava largo, ninguém podia pular de um lado para o outro.
Nesse tempo teve vários prefeitos que, vinham e olhavam, o presidente da associação também e diziam que no próximo ano ia mudar. Vou dizer uma coisa a senhora: tá com uma faixa de mais de 30 anos que moro aqui, ai chega um candidato, entra na minha casa, olha e diz “Seu cadastramento está feito, no ano que vem o senhor vai sair daqui”. A situação cada dia fica pior e a gente não sai daqui. Minha casa tem uns seis cadastramentos, tenho casa “garantida” no Benedito Bentes, no Conjunto Carminha, no Conjunto Sorriso I e II, Eustáquio Gomes e nessa brincadeira estou aqui até hoje.
Quando voltei para morar aqui meus filhos eram pequenininhos, hoje tem 16 e 15 anos, estou vendo a hora deles se  casarem e eu ficar aqui. Eu não tenho condições de sair daqui e comprar uma casinha melhor em outro lugar, porque ganho apenas o salário. O salário que ganho só dar apara assumir a casa, tenho meus filhos com 15 e 16 anos, tenho que fazer tudo por eles, porque o perigo de um filho é nessa idade. Tem que ter o pai e a mãe em cima deles, senão vai na onda dos outros, ai termina dando prejuízo ao pai e a mãe. O que ganho é suado, não posso fazer minha casa. Se cair a parede do fundo vai ter que diminuir a casa, para frente não posso fazer mais porque é caminho. Isso aqui não é sobre eu, e sim todos.
Os moradores criaram uma associação, só teve dois presidentes. Se tiver seis ou sete anos é muito. O associado pagava três reais por mês, pagava para ver a melhoria da grota. Os moradores do Pau d’Arco é quem sabe o que está passando. A associação daqui vive parada.  Para comprar um barraco dentro do Pau d’Arco tem que pagar R$ 8.000,00 e viver na beira do buraco. Daqui a pouco ele chega na porta dela e não vai valer mais nada.
Tinha um camarada aqui da Associação de Moradores que todo ano quando batia o inverno chegava a minha porta com 30 ou 40 metros de plástico para revestir a barreira. Quando estava chovendo “emparava”, mas com dois dias de sol o plástico já se rasgava porque era fraco. Quando dá uma chuvazinha de duas ou três horas de relógio pesada a água sobe para mais de dois metros. É uma água fedida, preta, ninguém agüenta ficar dentro de casa.
O fato mais triste está com uma faixa de seis anos, estava aqui dormindo, começo do inverno, a barreira desabou, gritei: “Acorda gente que a casa está caindo!”. Metade da barreira caiu e os fundos de minha casa. A casa de minha irmã caiu e ficou na rua. Ela é crente, chegou às igrejas pediu ajuda, os pastores deram o material e eu tive que construir de novo no mesmo cantinho. Não teve um vereador, um deputado, um prefeito que dissesse se aqui caiu, não faz mais nesse lugar.
Não houve mudança aqui, continua do mesmo jeito. Para mim nunca houve nenhum fato alegre aqui. Cada ano que passa sonho em sair daqui para criar meus filhos, já tenho 50 anos. Quero deixar meus filhos num cantinho que não tenha problema, perigo. Eu não quero morrer e sabe que minha mulher e meus filhos ficaram na beira do perigo. O governador gasta milhões e mais milhões para construir um viaduto, deveria investir nas grotas.

História de vida do Seu Manoel 

Henrique

Meu nome é Manoel Henrique, tenho 51 anos, nasci em São Luís do Quitunde, sai com dois anos e fui para Matriz de Camaragibe. Com treze anos vim com minha família toda para Maceió, meu pai construiu uma casinha aqui na Grota do Pau d’Arco. Meu pai trabalhava de vigilante, depois minha mãe faleceu e deu derrame nele. Hoje em dia meu pai vive cuidado pelos outros.
Quando cheguei para morar aqui a gente usava candeeiro com gás, aí foi tempo que começaram, faziam uma casa, depois outra, subiam no poste para fazer uma ligação, até hoje ficou por isso mesmo. Cada pessoa que fizer um barraco na beira do buraco só precisa ir num depósito, comprar 20 ou 30 metros de fio, paga cinco ou dez reais a um camarada que sobe e liga. Isso porque o governo nunca se importou com o lugar onde a gente vive.
A maioria das pessoas que moram aqui veio do interior. Antigamente o buraco estava mais estreito, então era mais fácil construir. As mulheres trabalhavam como doméstica, hoje ainda é assim. Trabalham ganhando menos de um salário e os homens de servente de pedreiro. Quando vim morar aqui não tinha profissão, comecei a trabalhar de servente, ai pensei que tinha que aprender  a profissão de pedreiro.
Se eu medir essa casa minha só dar seis metros, mas tinha doze. A parede da minha casa estava na beirada do buraco, vejo a hora de dar uma chuvada e cair a metade da casa. No inverno nem dorme eu e nem minha esposa.
Esse esgoto começou ali na rádio 96 FM. Quando vim morar aqui nem uma rua dessa de cima era asfaltada, tudo de barro. Quando vieram asfaltar as ruas esse buraco já existia. Cícero Almeida, o prefeito, trabalha em frente ao perigo. Ele nunca foi um homem para vim aqui olhar o que esta acontecendo. Fizemos uma reunião para fazer um abaixo assinado, teve cerca de 40 pessoas, para levar a rádio 96 FM  e entregar na hora do programa dele. Ficou, vai, não vai, de 40 sobrou uns 15 ou 20, então não adianta porque se todas estão morando no perigo, tem que ir todas.
O serviço do interior é corte de cana, limpar capim, a minha profissão não bate com a do interior: pedreiro. Aqui em Maceió para onde me virar trabalho de pedreiro, faço minha semana, assumo minha casa. Morei dez anos em casa de aluguel, nunca atrasei na minha vida. Depois parei e pensei, vou comprar um barraco para morar. Comprei meu barraco na Via Expressa, depois fui morar no Benedito Bentes, passei sete anos lá. Voltei para o Jacintinho e fui morar numa vila que minha mãe tinha e esse buraco já estava largo, ninguém podia pular de um lado para o outro.
Nesse tempo teve vários prefeitos que, vinham e olhavam, o presidente da associação também e diziam que no próximo ano ia mudar. Vou dizer uma coisa a senhora: tá com uma faixa de mais de 30 anos que moro aqui, ai chega um candidato, entra na minha casa, olha e diz “Seu cadastramento está feito, no ano que vem o senhor vai sair daqui”. A situação cada dia fica pior e a gente não sai daqui. Minha casa tem uns seis cadastramentos, tenho casa “garantida” no Benedito Bentes, no Conjunto Carminha, no Conjunto Sorriso I e II, Eustáquio Gomes e nessa brincadeira estou aqui até hoje.
Quando voltei para morar aqui meus filhos eram pequenininhos, hoje tem 16 e 15 anos, estou vendo a hora deles se  casarem e eu ficar aqui. Eu não tenho condições de sair daqui e comprar uma casinha melhor em outro lugar, porque ganho apenas o salário. O salário que ganho só dar apara assumir a casa, tenho meus filhos com 15 e 16 anos, tenho que fazer tudo por eles, porque o perigo de um filho é nessa idade. Tem que ter o pai e a mãe em cima deles, senão vai na onda dos outros, ai termina dando prejuízo ao pai e a mãe. O que ganho é suado, não posso fazer minha casa. Se cair a parede do fundo vai ter que diminuir a casa, para frente não posso fazer mais porque é caminho. Isso aqui não é sobre eu, e sim todos.
Os moradores criaram uma associação, só teve dois presidentes. Se tiver seis ou sete anos é muito. O associado pagava três reais por mês, pagava para ver a melhoria da grota. Os moradores do Pau d’Arco é quem sabe o que está passando. A associação daqui vive parada.  Para comprar um barraco dentro do Pau d’Arco tem que pagar R$ 8.000,00 e viver na beira do buraco. Daqui a pouco ele chega na porta dela e não vai valer mais nada.
Tinha um camarada aqui da Associação de Moradores que todo ano quando batia o inverno chegava a minha porta com 30 ou 40 metros de plástico para revestir a barreira. Quando estava chovendo “emparava”, mas com dois dias de sol o plástico já se rasgava porque era fraco. Quando dá uma chuvazinha de duas ou três horas de relógio pesada a água sobe para mais de dois metros. É uma água fedida, preta, ninguém agüenta ficar dentro de casa.
O fato mais triste está com uma faixa de seis anos, estava aqui dormindo, começo do inverno, a barreira desabou, gritei: “Acorda gente que a casa está caindo!”. Metade da barreira caiu e os fundos de minha casa. A casa de minha irmã caiu e ficou na rua. Ela é crente, chegou às igrejas pediu ajuda, os pastores deram o material e eu tive que construir de novo no mesmo cantinho. Não teve um vereador, um deputado, um prefeito que dissesse se aqui caiu, não faz mais nesse lugar.
Não houve mudança aqui, continua do mesmo jeito. Para mim nunca houve nenhum fato alegre aqui. Cada ano que passa sonho em sair daqui para criar meus filhos, já tenho 50 anos. Quero deixar meus filhos num cantinho que não tenha problema, perigo. Eu não quero morrer e sabe que minha mulher e meus filhos ficaram na beira do perigo. O governador gasta milhões e mais milhões para construir um viaduto, deveria investir nas grotas.