domingo, 5 de julho de 2020

Ivanilson Martins dos Santos - Xokó ATÉ O NOSSO RITUAL, O OURICURI, TEM QUE ESPERAR: A PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS (COVID-19) E O MEDO QUE ASSOLAM OS POVOS INDÍGENAS: OS XOKÓ DA ILHA DE SÃO PEDRO, SERGIPE E A LUTA DIÁRIA CONTRA ESSE VÍRUS




ATÉ O NOSSO RITUAL, O OURICURI, TEM QUE ESPERAR:                                  A PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS (COVID-19) E O MEDO QUE ASSOLAM OS POVOS INDÍGENAS: OS XOKÓ DA ILHA DE SÃO PEDRO, SERGIPE E A LUTA DIÁRIA CONTRA ESSE VÍRUS

Ivanilson Martins dos Santos - Xokó

Graduado em História pela UFAL (Sertão), Técnico em Agroindústria pelo IFS
Indígena da etnia Xokó e membro do GT “Os índios na História/SE”


Saúde: a pandemia vista pelos índios
Coordenado pelo Professor Dr. Amaro Hélio Leite da Silva
Coordenador Neabi/Ifal


Vou tentar expressar um sentimento, que é também de uma coletividade, que demonstra de forma análoga de como essa nova pandemia do novo coronavírus assombra os povos indígenas do Brasil, entre esses, os Xokó da Ilha de São Pedro, município de Porto da Folha, no alto sertão sergipano.
Para entendermos melhor esse sentimento de medo, devemos lembrar que em nossa história sempre existiu pandemias e epidemias trazidas pelos invasores europeus, deixando nossa população bastante vulnerável ao longo do tempo, visto que nesse momento o problema de agentes biológicos nos territórios indígenas seria, para nós, novo. Os surtos epidêmicos foram e ainda o é, um problema bastante intenso que está dizimando milhares de indígenas entre nós.  Em nossa cosmovisão seria naquele momento como um castigo divino, nossos remédios não curavam mais, pois não existiam até então um vírus tão letal, precisamos nos adaptar e tentar outros meios como fazemos hoje, utilizando também da medicina moderna; não falo que deixamos de usar nossa medicina tradicional, ainda usamos em ocasiões específicas, mas para esse vírus não funciona, o problema é muito maior.  
Fazendo um levantamento sucinto de algumas epidemias ocorridas na Colônia, temos a primeira notícia em 1554, quando os jesuítas já descreviam que essas epidemias matavam vários indígenas. Os surtos de sarampo, varíola, cólera, bexigas e a gripe espanhola de 1918 sempre estiveram presentes em nossas populações indígenas ao longo da história e atingiam os aldeamentos, aldeias (comunidades indígenas) até os dias atuais, quando se espalha em grandes contingentes de grupos indígenas em contato. Parece-me que esse assunto de vírus nunca nos deixou em paz, o primeiro foi em 1500 e se alastrou por todo o século XVI, quando os portugueses aqui chegam para mercadejar e nos deixou um “presente” destruindo milhares de nós, perdemos nossas bibliotecas vivas, nossos anciões que tem o papel de nos passar toda a sabedoria de uma construção cultural, ou como dizemos hoje, identitárias,  digo assim! Natural.
Desde o primeiro caso confirmado no dia 26 de fevereiro de 2020, pelo Ministério da Saúde aqui no Brasil, o medo foi de como esse vírus iria se manifestar entre nós povos indígenas, e de como iríamos enfrentá-lo, pois, já está matando nossa gente.  O enfrentamento desse gravíssimo problema não é coisa nova, como já descrito anteriormente, esse medo não existe de hoje, mas de sempre, quando  começou a ser assunto de maior frequência entre nós povos indígenas, nesse século, após  a primeira confirmação  entre  indígena  que só ocorrera no dia 01 de abril de 2020, com uma parenta da etnia Kokama, moradora da aldeia São José, no município de Santo Antônio do Içá, no oeste do Amazonas, o sentimento foi de medo, porque estaríamos de mão atadas, o sentimento foi de incerteza.   Íamos enfrentar algo invisível, não mais nesse momento, os agentes físicos, como garimpeiros, usineiros, fazendeiros, madeireiros, que invadem e também são manifestadores de doenças entre nós indígenas. Nesse momento, a preocupação seria o vírus que já atingia várias aldeias pelo Brasil.
Para termos uma ideia, o governo federal não tinha criado nenhum plano estratégico e emergencial para o enfrentamento do novo coronavírus em nossas aldeias, o que só ocorreu no dia 16 de junho de 2020, com aprovação pelo senado federal do Projeto Lei (PL) 1142 que objetiva traçar um plano de como enfrentar esse vírus com maior estratégia na áreas indígenas.  Após quatro meses de intensa construção coletiva e mobilização, com Ongs e a oposição política, conseguimos criar a PL e a provação no senado federal, faltando somente a sanção do presidente da república, Jair Messias Bolsonaro.
O presidente, desde o início da pandemia, mostrou-se negacionista, ele mesmo incentivava  aglomerações apoiando manifestações ao seu governo; para ele, é uma “gripezinha”, frase dita no começo da pandemias e que hoje dia 02 de julho de 2020 o Brasil registra quase 1 milhão e meio de pessoas infectadas e mais de 60 mil mortes por COVID-19. Entre os povos indígenas, dados de 01 de julho de 2020, soma um total, até o momento, 407 mortes e 9.983 infectados de 119 povos indígena atingidos pelo coronavírus de acordo com dados cruzados pelas organizações indígenas, como a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde e Ministério Público Federal (MPF).
Na comunidade Xokó, a qual faço parte, o primeiro caso confirmado do coronavírus na aldeia ocorreu no dia 12 de junho, em um indígena do sexo masculino de 42 anos de idade. Os últimos dados do dia 02 de julho de 2020, somava um total de 6 pessoas infectadas, sendo 4 curadas e 2 em processo de tratamento fazendo a quarentena com as devidas orientações do grupo de saúde local; e na manhã do dia 02 de julho de 2020, chega a aldeia Xokó uma equipe de saúde da Universidade Federal de Sergipe (UFS), para realizar testes sorológicos com objetivo de identificar anticorpos do novo coronavírus em 200 indígenas. Vale ressaltar que essa é uma iniciativa da UFS e do Governo do Estado de Sergipe, que além de realizar esses testes rápidos para a COVID-19, a equipe realizou outros testes como de glicemia, pressão arterial entre outros, e doações de máscaras e kits de higiene pessoal.
Hoje, dia 04 de julho de 2020, o Portal de Notícia do G1, Sergipe, divulgou os resultados da Universidade Federal de Sergipe (UFS), sendo que 47 tiveram resultados positivos com identificação de anticorpos do novo coronavírus. Os 200 testes realizados na aldeia Xokó da Ilha de São Pedro, de acordo com o G1- SE, foram os seguintes obtidos pela Universidade Federal:  141 testaram negativo; 34 apresentaram IgG + e estão, possivelmente, curados; 10 estavam com IgM + e devem estar na fase inicial da infecção; 7 foram indeterminados; 3 apresentaram IgM + e IgG +, e podem estar em fase de recuperação. No entanto, após essa divulgação, a comunidade dobrou o isolamento domiciliar continuando com a quarentena em toda a aldeia.
Esse vírus é muito perigoso, e os resultados não mostram ao contrário, visto que a comunidade Xokó sempre vem cumprindo com as devidas orientações das organizações de saúde. No dia 21 de maio de 2020, a UFS e o Instituto Federal de Sergipe (IFS), fizeram as doações à Comunidade Xokó de kits de higiene e máscaras de tecido para ajudar na luta contra o COVID-19, ampliando com essa ajuda as barreiras sanitárias feitas na aldeia com objetivo de orientar nós indígena Xokó contra o vírus. É importante ressaltar essas ajudas de organizações, pois a comunidade teve que fazer adaptações no seu modo de organizações, seja em relação a cultura, religião e educação, a comunidade resiste de forma que evite ainda mais a propagação do novo coronavírus dentro da aldeia e de nosso território.
Vale ressaltar a ajuda, para o enfrentamento da COVID-19, do Colégio Indígena Dom José Brandão de Castro, que tem papel fundamental nessa luta, e muda para atividades escolares não presenciais, os  80 alunos que fazem  as aulas virtuais com acompanhamento de atividade, conforme determina a PORTARIA Nº 2235/2020/GS/SEDUC de 27 de maio de 2020, que regulamenta, as atividades escolares não presenciais na rede pública estadual de ensino, com o objetivo de conter a disseminação do novo Coronavírus (COVID-19). Sendo a escola indígena uma escola diferenciada, ela segue um cronograma que adapta a cultura local com ajuda também da Rádio Comunitária Xokó, em como uma luta constante para vencer o vírus, tudo agora é novo e precisamos de novas estratégia de sobrevivência, nesse momento o importante é viver, estamos fazendo novas adaptações, a exemplo das reuniões comunitárias que estão ocorrendo virtualmente via grupos do whatsapp, tudo isso tem a ver com a dinâmica cultural que nós indígenas tentamos nos reinventar.
A aldeia Xokó da Ilha de São Pedro, Sergipe, está vivendo uns de seus piores momento de crise, isso causado por algo invisível que só em falar gera um sentimento de medo, impotência e incerteza, e isso foi percebido no olhar da segunda maior festa cultural que não teve entre os Xokó, a Festa de São Pedro que é celebrada no dia 29 de junho. São Pedro é padroeiro dos Xokó, a imagem foi exposta em ritmo de procissão em um carro pela comunidade com poucas pessoas, o vírus é violento, mata sem dó nem piedade. Uma outra preocupação agora, é para a festividade de retomada do território Xokó, que acontece no dia 09 de setembro de todos os anos em comemoração à retomada e a reafirmação da identidade Xokó, que por mais de séculos foram negadas no processo histórico a qual o próprio Estado fez parte, vamos vencer.
Os Xokó têm o seu território demarcado pelo Decreto n° 401/91 de 24/12/1991 com homologação de 4.316,7768ha (Quatro mil, trezentos e dezesseis hectares, setenta e sete ares e sessenta e oito centiares), território esse que foi demarcado através de muitas lutas contra fazendeiro e posseiros que estavam usurpando nossas terras. Hoje, a luta muda de direção, e o maior alvo é o novo coronavírus que modifica de forma inexplicável nosso modo social por algo tão pequeno e invisível, mas grande em desastre, o COVID-19, mata e não olha a quem, venceremos mais essa guerra que nos assombram.

  04 de julho de 2020

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