quarta-feira, 29 de julho de 2020

Géssika Costa. Quando as lágrimas caíram



Quando as lágrimas caíram 


Géssika Costa

Jornalista, editora do coletivo de jornalismo O Que os Olhos Não Veem

Quem me conhece de perto, ao longo dos meus vinte e tantos anos, sabe, ao menos, duas coisas sobre mim: odeio coentro e não gosto de chorar. Não me orgulho da última, mas também não me sinto culpada por simplesmente ser assim, eu. Quanto ao tempero, como legítima alagoana, sofro na hora de almoçar em família ou ir a um restaurante, onde a hortaliça reina, mas como para quase tudo na vida há um jeito… dá para superar.  Como eu disse: quase tudo.

Em março, quando toda essa loucura de pandemia começou, não cogitei que no Brasil o luto chegaria para tantas famílias. Imaginei que por termos assistido – literalmente – as cenas chocantes de hospitais em países da Europa poderíamos diminuir as consequências da Covid-19 entre nós.
 No fundo, apesar de observar dia após dia o avanço do vírus no Brasil, imaginei que conseguiria me blindar. Ledo engano, sou humana e trabalho como jornalista. Tenho a minha própria história e vivo para contar outras.

 Neste tempo, respirando com a ajuda dos aparelhos que formam o home-office, iniciei, ao lado de outros amigos da comunicação, um projeto para tentar diminuir o número de fake news sobre a pandemia em Alagoas. Aliás, apesar da expressão em inglês ter se propagado com a mesma força desses conteúdos enganosos, devemos chamar de desinformação. Notícia, para  mim, só pode existir se for verdadeira.

Nos primeiros dois meses da iniciativa a rotina foi mais que puxada, era exaustiva. Não por apenas trabalhar  – muitas vezes – por quase doze horas seguidas, mas por ter tido a minha energia sugada pela prática perigosa de pessoas que espalharam, por meio de áudios, vídeos e fotos, informações falsas sobre a pandemia e suas consequências.

Com um celular na mão e a ausência total de razão, a maioria desses criminosos produzia –  propositalmente – conteúdo falso em nome da morte e contra todas as recomendações dos órgãos de saúde pública. “Melancia transmite o vírus, máscaras estão contaminadas, remédio x leva à cura”, eles diziam. Mas dentre tantas fakes, nenhuma me deixava mais triste e revoltada do que os áudios cheios de teorias conspiratórias de que tudo isso que estamos vivendo (sim, ainda não acabou) seria uma farsa implantada pelos governos. Pensando bem, eu nem deveria me surpreender. Afinal, o que esperar de uma nação em que o próprio presidente alimenta a desinformação nas suas entrevistas e atos, dando mau exemplo para os seus fervorosos seguidores? 

Enquanto muita gente vivia no mundo das fakes, em maio pude sentir na pele – mais do que nunca – que o vírus era uma realidade tão próxima quanto dolorosa. A minha querida Dilma Leite – vizinha/amiga da minha família que sempre torceu por mim e me viu crescer – partiu aos 59 anos, depois de lutar por mais de uma semana contra o coronavírus. Durante alguns dias tentando lidar com o baque, me afastei do trabalho porque não estava aguentando lidar com anônimos que nunca aprenderão o significado da palavra humanidade. Eles decidiram não aprender.

Do dia 11 de maio para cá, outro adeus estranho. Meu tio Dagoberto também perdia a batalha para essa doença. Recolhendo os cacos, ainda não estou recuperada e não tenho pressa para isso. Na atual situação, apenas sinto e sinto bem mais porque as pessoas não estão sentindo a gravidade do momento. 

Vivo num ‘estado-de-luto-eterno’ misturado com uma anestesia psicológica, desenvolvida como uma forma de defender a minha própria sanidade e tentar apenas sobreviver até a chegada da vacina. 
Hoje choro pela partida dos meus e de todas as 84.202  trajetórias que foram interrompidas de maneira abrupta, ao mesmo tempo que conto os dias para deixar de sentir as consequências dessa doença que exige senso de coletividade e provoca  – na mesma medida – um sofrimento solitário.

Quem é



Géssika Costa – Formada em Comunicação Social – Jornalismo – há cinco anos, é fundadora e editora, desde março  deste ano, do coletivo de jornalismo alagoano O Que os Olhos Não Veem, iniciativa que busca dar visibilidade às vidas e aos fatos dos que são colocados à margem. 

É também coordenadora de Multiplataformas e repórter da Agência Tatu de Jornalismo de Dados, onde escreve sobre cidades, trânsito, meio ambiente e economia, entre outros assuntos com base em dados públicos. Além disso, integra a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Prevenção à Violência, órgão vinculado ao Governo de Alagoas.

Com cinco anos de formada, conquistou 12 prêmios regionais e nacionais. Em 2019, foi finalista do Prêmio Nacional da Confederação de Transportes (CNT) com uma reportagem que contou a trajetória da primeira caminhoneira trans no Brasil. Por dois anos consecutivos (2017 e 2018), foi considerada uma das repórteres mais premiadas da Região Nordeste.

Já trabalhou em sites de Maceió, jornal impresso, numa agência nacional de notícias para rádio e como repórter especial em rádios locais. (Elen Oliveira)


Memória da Pandemia nas Alagoas


Elen Oliveira 


Quando eu ingressei na Ufal, em 1991, o professor Luiz Savio de Almeida já era uma lenda. Nos corredores do antigo CHLA, hoje ICHCA (Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Arte), ele se postava a dar conversa a quem se aproximasse com a mesma atenção que dedicava a palestras, mesas de discussão e entrevistas. Entre 2008 e 2009, trabalhamos junto no antigo O Jornal, onde ele propôs a abertura de um espaço dialógico da universidade com a sociedade, por meio da publicação de artigos acadêmicos. Entusiastas do debate e da pluralidade, o então diretor, Gabriel Mousinho, e o então editor-geral, Roberto Tavares,  cederam espaço ao Espaço, nome dado ao suplemento quinzenal publicado entre setembro de 2008 e 2012, quando o veículo foi extinto. À época editora-executiva e de Suplementos, eu editei a publicação até 2009 com Alexsandra Vieira, que era editora do caderno de Cultura, o Dois. Reformulado, tornou-se posteriormente Contexto, no jornal Tribuna Independente, até materializar-se em Campus, o suplemento semanal que é veiculado no jornal O Dia e reproduzido n’o Campus do Savio, o blog de múltiplas falas com o qual colaboro esporadicamente.

 O longo parágrafo de introdução foi escrito para contar como chegamos a Jornalistas e a Pandemia, proposto pelo professor Savio como parte do projeto Memória da Pandemia nas Alagoas, que ele está a construir desde abril e que reúne relatos vindos de representantes dos povos indígenas, artistas, intelectuais e integrantes de áreas diversas sobre o atual momento. Ele propôs, e eu aceitei, que organizássemos uma seção para compor essa construção feita a muitas mãos. “Quero deixar um imenso painel para um pesquisador no futuro”, informa o pesquisador, que há tempos constrói fundamental acervo da memória sobre Alagoas.
 

O blog pode discordar no todo ou em parte do material que publica