sábado, 13 de junho de 2020

Erika Jeripankó. A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS E O POVO JERIPANKÓ


A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS E O POVO JERIPANKÓ

Erika Jeripankó

Estudante de Geografia, UFAL, Campus Sertão

Os povos indígenas estão vivenciando uma série de repetições históricas, dentre elas, destaca-se as epidemias que chegaram a exterminar aldeias inteiras. Atualmente, a população indígena está enfrentando o covid-19, que é uma doença respiratória viral provocada pelo novo coronavírus. Até então, uma epidemia nunca tinha se alastrado tão rápido entre os povos indígenas quanto o coronavírus. Segundo o Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena da APIB (Articulação dos povos Indígenas do Brasil), a letalidade dessa doença em relação aos povos indígenas é 8,8%, bem maior que a letalidade do restante dos brasileiros, que é 5,2%.   
Esta doença está adentrando e se espalhando rapidamente nos territórios indígenas, pois, segundo a Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena (Sesai) entre os povos indígenas, até o dia 15 de abril apresentava 23 casos suspeitos, 23 confirmados e 3 óbitos. De forma alarmante, no dia 10º de junho os dados oficiais apresentavam 2.392 casos confirmados de contaminação, sendo 85 óbitos. No entanto, esses casos estão sendo subnotificados, pois de acordo com o Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena da APIB, até o dia 09 de junho, foi informado que tem 94 povos infectados pelo COVID-19 em todo Brasil, mais de 2.886 indivíduos indígenas com casos confirmados e 256 óbitos.
De acordo com a APIB, famílias inteiras estão sendo contaminadas em regiões sem UTI e os que estão chegando aos hospitais não estão sendo registrados como indígenas, pois estão desconsiderando os indígenas que residem no meio urbano. Isso explica o fato das notificações da Sesai serem menores, pois há indígenas que morreram de Covid-19 e não constam na lista da Sesai. Essa é uma situação crítica de racismo institucional, um crime que está inviabilizando e desassistindo os povos indígenas, tornando-os mais vulneráveis.
Mesmo nesse contexto de pandemia, o atual governo não tem nenhuma ação efetiva para conter a disseminação do vírus entre os povos indígenas, pelo contrário, este vem atacando diretamente os direitos constitucionais dos povos originários. Isto está evidente desde o início do governo Bolsonaro, quando ocorreu as tentativas de acabar com aFUNAI ao retirar tal órgão do Ministério da Justiça, tentando passar as atribuições de demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, que é dominado pelo agronegócio. Além do fato de demandar a municipalização da saúde e educação indígena, sobretudo, o governo está dificultando as demarcações ao mesmo tempo em que cria propostas de facilitar a mineração em terras indígenas. Essas ações do governo têm incentivado as invasões em terras da União, sendo que esses invasores estão levando um risco extra de contaminação para as aldeias. É uma situação assustadora, pois além de lutar contra esse inimigo invisível (coronavírus), os povos indígenas têm que enfrentar massivos ataques do governo, ficando à mercê desse governo totalmente anti-indígena.   

O coronavírus na aldeia Jeripankó

            O povo indígena Jeripankó, localiza-se em Pariconha, no Sertão de Alagoas, possui uma extensão de 1.215 hectares, dos quais 215 ha estão em posse da comunidade, enquanto a outra parcela encontra-se em processo de demarcação, na qual estão distribuídas 340 famílias, distribuídas em seis núcleos: Araticum, Caraibeiras, Figueiredo, Ouricuri, Poço da Areia, Serra do Engenho,  os quais possuem a mesma estrutura organizacional, tendo o mesmo cacique, pajé e conselhos (tribal, educação e saúde).
Diante da pandemia do coronavírus, as lideranças (cacique, pajé e o presidente do Conselho de saúde indígena) buscaram parcerias para ajudar no enfrentamento contra a covid-19, inicialmente encontraram algumas dificuldades do governo ( tendo em vista que o atual governo não está apresentando ações positivas para conter a pandemia); porém, após muitas cobranças feitas aos órgãos que protegem e asseguram legalmente os direitos indígenas, tais como a Funai, Sesai, Dsei, MPF e também a Prefeitura Municipal de Pariconha, surtiu-se um efeito, pois o governo através da Sesai no âmbito do DSEI vem fornecendo uma base para auxiliar na luta, tais como  as condições possíveis para que a equipe de saúde realize seu trabalho dentro do território; além da Funai, que vem trabalhando junto ao MPF protegendo e fiscalizando as entradas do território, além disso tem-se ajuda ONGs como o CIMI e APOINME, CONAB.
Porém, falta transportes apropriados para os casos mais graves por infecção da Covid-19. Ainda ocorre um deslocamento obrigatório de indígenas até́ a cidade devido a necessidade de acesso a direitos como o auxílio emergencial, salários, aposentadoria e outros benefícios, o que é um fato preocupante para o MPF pois pode acelerar a propagação do vírus. O MPF pede a Funai e a Sesai que sejam elaboradas algumas estratégias para que os povos indígenas possam acessar esses direitos sem precisar se deslocar até as cidades. Os órgãos também devem fornecer alimentação e materiais de higiene às aldeias, pelo mesmo motivo. Em relação a essas medidas, até então foi efetuada a distribuição de cestas básicas, a proibição da entrada de não índios na aldeia e, com a ajuda da prefeitura de Pariconha, foi erguida barreira sanitária na entrada do território; ademais, foram fechadas a maioria das entradas, deixando uma entrada única para casos de emergência, isso facilita a gestão do fluxo de pessoas. Todas essas medidas foram tomadas com urgência a partir do momento em que, infelizmente, surgiram dois casos confirmados para a Covid-19 no povo Jeripankó.
De acordo com Wyraktã, presidente do Conselho de Saúde, uma das dificuldades enfrentadas foi é a conscientização do povo, pois “a organização interna é parte essencial, na medida que se o conselho não discute junto com as lideranças, o cacique e o pajé, a comunidade fica vulnerável”. E segundo Wyraktã, a maior dificuldade foi tentar mudar a rotina do povo, pois o povo Jeripankó tem um modo de viver e costumes diferentes do não-indígena, a exemplo:  tem as reuniões para fumar cachimbo, as rodas de conversa, a socialização quando um parente chega de fora, os rituais, costumes, tradições que são parte essenciais da vida dos Jeripankó. Pois é um povo que carrega no sangue a vontade de dançar um Toré, de se reunir com o seu povo na beira de um terreiro e ver os praiás dançar, de entoar seus cânticos para os encantados. Os Jeripankó necessitam disso para manter as suas forças e crenças.
 É justamente esse modo de vida coletiva dos indígenas que está dificultando as ações das lideranças. A vida coletiva é uma coisa boa, mas em relação ao covid-19 se torna um grande obstáculo. Um outro agravante é a questão territorial, pois cerca de um terço das 340 famílias estão desaldeadas, encontra-se à margem, seja morando na cidade ou em outros povoados. Isso significa que o Conselho, a Funai e a Secretária de Saúde têm que lidar com essas questões dos indígenas que estão fora do território delimitado, e isso dificulta as ações dos profissionais de saúde. Há também uma enorme preocupação com a população idosa, pois existe poucos anciões que resguardam as histórias dos ancestrais, eles são, simplesmente, tesouros vivos, fonte de manutenção da cultura dos Jeripankó.
No entanto, o povo Jeripankó resiste e segue firme na luta, e assim como os seus antepassados que resistiram as expropriações de seus territórios, que migraram para novas terras e construíram um novo território, lutaram pelos seus direitos perante a constituição; superaram os ditames da ditadura, a perseguição e balas dos coronéis e outras elites dominantes; resistiram ao silenciamento de sua cultura, tão bem como a outras epidemias; segue usando seus costumes tradicionais, seus remédios caseiros para melhorar o sistema imunológico. Os povos indígenas unidos irão vencer mais essa batalha.


A coordenação da coleta de material escrito por índios é realizada pelo Professor Dr. Amaro Hélio Leite da Silva e comporá um suplemento de Campus/O Dia. O blog pode discordar no todo ou em parte das publicações que realiza.