sábado, 30 de maio de 2020

Luiz Sávio de Almeida. Tropeçando na Abolição


 
Uma escultura do meu grande amigo Hércules Mendes


Tropeçando na Abolição (I)Luiz Sávio de Almeida



Dois dedos de prosa

O mês de maio passou e com ele tivemos uma efeméride: a Abolição. Hoje nós decidimos trazer material que saiu na imprensa de Alagoas, pequenos jornais, quando da oportunidade do 13 de Maio. É possível, pelos pequenos textos que publicamos neste número – outros virão – ver aspectos do que foi a luta vivida. Como digo, sempre tropeçaremos na Abolição como efeméride. E sempre será preciso discuti-la. O que não posso é esgotar o movimento nos resultados da Abolição.
A partir deste número, contaremos com a colaboração de Hércules Mendes. A capa é uma sua escultura sobre a Serra da Barriga, ou, como se pode ver, a mãe serra-terra grávida de quilombos.
Uma boa leitura.
Um abraço
Sávio
Observação: Foi publicado em Campus/

Tropeçando na Abolição (I)Luiz Sávio de Almeida


A abolição não se deu graciosamente em face de desejos de uma princesa tida como A Redentora. E foi mais saudada como resultado de um ajustamento da sociedade ao ideal ”civilizado”, do que como propriamente negro a ser celebrado, pois trouxe o fim formal da escravidão, mas se deu a continuidade do preconceito, do racismo e da manutenção deles em ferrenho círculo de pobreza.

A abolição foi um marco político no sentido do aggiornamento da sociedade imperial, mas correspondeu à construção de um novo tempo de opressão sobre o  negro, lançado nos círculos de pobres daqueles finais do império, o que foi acentuado no decorrer da República; o negro foi dito livre, embora posto nas fileiras do exército industrial de reserva, na condição de um lupem,  parte do que por tempo foi considerado como as classes perigosas.

É preciso ter o cuidado de ver a abolição muito mais no aggiornamento do que no negro: lidava com o escravo mas pouco  ou nada desenharia com e para o negro. Aliás, seria possível explorar que, da abolição, se consolida a figura política atual do negro e a dominação assume, deste modo,  outros meandros e engendrando novas formas de manter o poder pelo controle tradicional do estado e de instrumentos que são, paulatinamente, criados na geração tática e estratégica da contenção da liberdade.

Se 13 de Maio não é para ser comemorado, deve sem dúvida ser lembrado e tomado como efeméride, palavra que nos leva ao nosso calendário cívico, onde alguns marcos nos fazem, querendo ou não, tropeçar neles e levá-los em conta com uma pergunta simples: o que eles nos falam? E se desejarmos observar a nossa especificidade, a pergunta é mais objetiva: o que falam para esta nebulosa chamada Alagoas?

Gosto desta expressão, que também foi de uso do Octaviani ao tratar do Brasil; aduzo que se trata de uma nebulosa em movimento, sedenta de conceitos ou como se movimenta um universo que concretamente se define como especificidade, com determinações e resoluções próprias. No fundo, gira uma questão sobre onde, quando e como encontrar estas Alagoas que tanto nos animam enquanto discussão e por onde temos tropeços na obrigatoriedade de seus marcos.

Pouco ou quase nada se tem produzido sobre os modos de se pensar Alagoas, visando explicá-la, sendo claro, contudo, que existiram e existem modos que embasam a formulação de um pensamento sobre ela, pois se montaram o que vamos chamar de paradigmas responsáveis por visões que são necessariamente políticas.  Em grande parte, esta ausência de escrita decorre da rotina posta pelo agrarismo  que  fundamentou a vida senhorial de Alagoas, cujas bases começaram a ser sacudidas e aparecem demograficamente  no quadro de crescimento urbano,  consolidado a partir dos anos sessenta do século XX.

Este agrarismo fez com que Alagoas tivesse um pacote de respostas prontas que servem para alguns, mas que carecem de sentido quando vamos procurar o chão de nossa miséria ou a forma como se objetivaram as rotas de acumulação, em nosso espaço, na construção de nossas desigualdades e onde avulta a condição do negro. Nós tivemos a nossa própria via, o nosso próprio caminho e gostaríamos de retirar da discussão, a ligação quase imediata da palavra via a modos de encaminhamento do capital na Europa.Se a via é entendida como caminho, como percurso de construção, nós somos o duro efeito de impasses colônias em nossas atualizações e nos determinamos como subdesenvolvimento no contraponto nacional sem que, por qualquer razão, apareça uma ordem dual em nossa formação histórica e no modo como somos a nação posta em nós, pois carregamos o nosso próprio universal.

Não estaríamos à procura do que muitos chamam de formas clássicas, mas diante de nosso modo de subdesenvolvimento, discussão de nossa construção agrária, da formulação ao longo do tempo da sacralização das formas rurais e da baixíssima alavancagem de capital. Vamos a busca do que radica em nós como miséria e isto passa pela natureza, forma e modo da peculiaridade que nos fez e que somos.

Quando estava tropeçando na Abolição, encontrei material publicado em jornais e pensei em partilhar com os leitores de Campus, dar-lhes a chance de estarem no espírito do Século XIX e, sobretudo, sentir pontos para a discussão ou reflexão. O primeiro (Textos 1 e  2) foi material publicado em A Lâmpada, pequeno jornal, semanal que circulava em Maceió sob a responsabilidade e redação de Odon Maia e José Egydio. Estava ainda em seu primeiro ano e todo o seu número 3, datado de 19 de Maio de 1888, foi inteiramente dedicado à Abolição.
Libertas quae será tamen é o mote desenvolvido na matéria da editoria do jornal.  Estava entendido que a liberdade do escravo estava correspondendo à liberdade da nação.  Em segundo plano e não menos importante, estava identificado um sujeito político que se chama povo e, finalmente, sabia-se da oposição entre uma canalha e uma granfinagem senhorial.

Ave libertas   – texto de José Primênio – demonstra que existia a quem chamar coletivamente de protestante, não importa que tamanho naqueles tempos de penetração no universo católico brasileiro. Além do mais, setores do protestantismo afinavam-se com a renovação das estruturas, pois concebiam que mudanças em direção à atualização capitalista levariam ao que é pregado na mensagem:  liberdade religiosa.

O texto 3 aparece em  Lincoln,  órgão oficial da Sociedade Libertadora Alagoana, um dos elementos que fazia parte das tendências existentes dentro do movimento abolicionista. Você irá ler o  pronunciamento do seu Presidente Antônio Antero Alves Monteiro. Nele vem uma pergunta insinuada: o que fazer? E logo se aponta para preparar o negro para estar na sociedade branca, através da educação e trabalho, no que se implica a civilização. Este material está publicado no nº 10, Ano V, 17 de maio de 1888.

Os textos 4 e 5 falam sobre as comemorações em dois pontos do Rio de São Francisco: Traipu e Pão de Açúcar. Foram publicados em O Trabalho, nº 282, Ano VII, em cuja redação estavam Achilles Mello e Mileto Rego. Era editado em  Pão de Açúcar. O que me chamou a atenção foi o modo como se narrava o negro nas comemorações.

Talvez, em uma reflexão sobre a Abolição seja necessário fazer uma distinção radical entre o movimento e ela, colocando, em evidência, também, o que vai acontecer no após 13 de Maio. É evidente: se a Abolição acontece, dentre outros fatores, é por conta do movimento e ele não é ela. Seria passar dos limites sofríveis de interpretação, entender que tudo esteve sob o controle senhorial; seria muito pouco para entender o movimento de quebra do escravismo tardio.

Eu não posso, por outro lado,  é deixar de admirar a coragem de enfrentamento ao senhorial por parte de  muitos militantes, o escondido que está por detrás da evidência do legalismo. Não importa o rumo das concepções, mas digo que admiro a coragem que teve um Professor Domingues, um bacharel como Manoel Menezes, artistas como Pedro Nolasco, intelectuais como Dias Cabral. Cada qual no seu cada qual andaram em busca do que pensavam como liberdade e, acredito,  o momento tenha sido de formação de frente, quem sabe, o primeiro a dar uma versão moderna aos movimentos sociais em Alagoas. A Abolição em sí seria outra conversa.




LÂMPADA – TEXTO 1

Libertas quae será tamen

Eis o estandarte sublime que desde 1792 emanava as cintilações fúlgidas do sol da Liberdade, erguido no altar de todos os corações brasileiros como as santas ideias que erguem-se nas asas do pensamento: eis o nosso horizonte iluminado com as auroras da verdade e o esplendoroso arrebol do futuro: eis o nosso apanágio, o nosso fanal, a bússola da nossa civilização e progresso!

E a glória dessa conquista que irradia como o novo sol da geração presente, os louros desse triunfo grandioso a quem pertencerão?

Eis o perfil rafaelesco da verdade: é dura e por isso mesmo é que não se amolda a conveniências sabidas e vergonhosas.

O único conquistador foi o POVO, o herói sublime de todas as lutas, o maior sobrando que conhecemos deste país; pois a cousa estava nesse extremo: ou vai ou se quebra!

Saudemos portanto à pátria!

Viva a liberdade!

Viva à “canalha” abolicionista!

Glória!

LÂMPADA – TEXTO 2

Ave libertas!

Protestantes! Movidos pela maior gratidão para com o nosso Redentor o Senhor Jesus cristo, unamo-nos cordialmente às manifestações em regozijo pela excelsa vitória ganha pelo Abolicionismo Brasileiro.

O estandarte abolicionista erguido no Século XVI por Lutero e Calvino já tremula em nosso país!
Hoje não há mais escravidão!

Breve não haverá mais igreja oficial mas todas as crenças religiosas serão plenamente livres e iguais!

José Primênio


LINCOLN – Texto 3
  

Meus amigos e compatriotas, eis-nos ao termo de nossa penosa jornada; os dias dos sacrifícios valeram bem às provanças das glórias do triunfo.

Anos de nosso afanoso lidar, chegamos ao Capitólio.

Constância, perseverança, amor à santa causa da Liberdade e aos nobres sentimentos de humanidade foram os fachos brilhantes que nos conduziram em nossa romagem!

Chegamos, chegamos, posto que tarde, ao último marco desse plano inclinado por onde ainda rolava cerca de um milhão de vítimas manchadas do próprio sangue!

Assim como ao fiat lux da Eterna Vontade surgiram os mundos que povoam os espaço, do mesmo modo destas frases do poder soberano da terra: É ABOLIDA A ESCRAVIDÃO NO BRASIL, ergueram-se milhares de homens saídos do caos do servilismo para a luz da civilização!

Está consumada a grande obra da Redenção dos cativos em nosso país.
Trabalhemos agora para libertar o espírito desses infelizes, da noite da ignorância a fim de que possam, no esplendor das ideias, por meio do ensino, ter seguro o porvir com as leis da instrução e do trabalho.

A sociedade Libertadora Alagoana consagra a todos quanto a coadjuvaram no grandioso empreendimento vivos protestos de reconhecimento e um voto de gratidão eterna em nome da Pátria Livre.

Aos inimigos do abolicionismo, um generoso perdão, desejando que encontrem todos nos braços dos libertos sustentáculo mais robusto e de confiança do que nos escravos, para terem um trabalho regular, do qual, com especialidade na lavoura auferem importantes produtos do solo cultivado.

Viva S. A. a Princesa Imperial Regente!

Viva a Família Imperial!

Viva o Gabinete 10 de Março!

Vivam os Conselheiros Dantas, Afonso Celso, Paranaguá, Soares Brandão, Saraiva, Lafaiete e muitos outros distintos Senadores do Império, e Deputados que cooperaram para tão brilhante resultado!

Vivam Joaquim Nabuco, José Mariano, José do Patrocínio, João Clapp e todos os abolicionistas sinceros que tiveram a imensa glória de ver extinta para sempre a nódoa negra que obscurecia o brilho de nossa história!

Parabéns a todos os brasileiros por essa imensa vitoria de uma das mais renhidas lutas da civilização e do progresso nacional!

ESTÁ EXTINTA A ESCRAVIDÃO NO BRASIL!

O TRABALHO – TEXTO 4


Traipu, 21 de Maio de 1888
Caro Redator do Trabalho
Permita-nos que em poucas palavras leve ao conhecimento do respeitável público, a festa abolicionista desta vila, o modo pelo qual foi recebido aqui A EXTINÇÃO DA ESCRAVIDÃO.
      É necessário saber-se, que nesta vila apenas existia o número de 41 escravizados de ambos os sexos; não obstante, alguns dos senhorios só faltaram deitar sangue pela boca; e, tanto isso é uma verdade que, logo que alguns souberam que a LEI DE 13 DE MAIO de 1888 estava sendo discutida e votada, retiraram seus escravizados para fora da Vila a fim de mantê-los por mais alguns dias no jugo extinto.
      Chega a notícia real de ter sido assinada a Áurea Lei de 13 do corrente mês, pela AUGUSTA REGENTE, o Dr. Juiz Municipal Miguel de Novaes Mello, deu ciência a todos quanto foi todos quantos foi possível, que estava tudo consumado, que já não existia mais escravidão.
       Em seguida, diversos abolicionistas aventarão a ideia de uma passeata pelas ruas com a música marcial, para assim,, espalhar-se a verdade da sanção da Áurea Lei e distribuindo cartazes de convite a todos os ex escravistas teve lugar a passeata. [...] tem a noite depois da novena do mês mariano.
      Compareceram a este ato de regozijo, mais de seiscentas pessoas.
No correr da passeata houveram diversos discursos, sendo os oradores, o Juiz de Direito da Comarca, os doutores Manoel Leopoldino Pereira Neto,Otaviano Rodrigues de Carvalho, Florentino de Barros Abreu e Araújo Jorge, Cap. Manoel Joaquim Cavalcante e Alferes Manoel Firmino Menezes Matos.
Ao passara passeata pela porta do Cap. Henrique Méro, ao aproximar-se a bandeira Imperial, recebeu aí, uma salva de 21 tiros e, então, este por sua  vez disse algumas palavras, que significavam o grande regozijo que sua alma sentia por ver realizada a ideia que tanto o fez sofrer.
Houveram muitos foguetes, e mais poderia ter havido, se todos os habitantes desta vila compreendessem a grandeza da áurea lei de 13 do corrente.
[...]


O TRABALHO – TEXTO 5
 Festejos à lei de 13 de Maio de 1888

Já sabíamos por cartas de Penedo, que havia sido sancionada a áurea lei de 13 de Maio de 1888, que concede a todos o direito de liberdade, confirmando a igualdade perante a lei, mas carecíamos de comunicações oficiais, para se poder festejar tão humanitária lei.

O vapor da terça feira (22 do corrente) devia ser o mensageiro da feliz nova, e o povo o esperava com ansiedade.

Às dez horas da manhã desse festivo dia, o vapor Maceió da empresa Fluvial, assomou no morro do Faria, e todas as vistas para ali convergiram.

Em frente à Travessa da Matriz achavam-se colocadas, de ordem do Dr. Luiz Gonzaga de Almeida Araújo, ilustrado  digno Juiz Municipal desta comarca, diversas girândolas de foguete e em frente à travessa Gutenberg haviam outras colocadas pelos libertos, com o fim de saudarem a chegada do vapor. Ao aproximar-se este, notou-se que só trazia, como de costume, a bandeira nacional na popa. Por minutos entrou a vacilação no espírito popular: uns diziam ser falsa a notícia, outros diziam o contrário.

Desembarcaram os passageiros e a mala, e entçao, confirmada a boa nova, o povo transbordou de contentamento, e o espaço encgeu-se de foguetes, durando isto até à noite.

Às 7 horas da noite, estando modestamente decorada a casa da câmara, ali compareceram as autoridades judiciárias, o presidente da câmara, e um concurso enorme de povo acompanhados de uma banda de música marcial, e todos os libertos que podem comparecer.

O Presidente da Câmara Municipal, Sr. Manoel Themoteo de Amorim, reclamando silêncio, leu o telegrama que lhe fora dirigido pelo Exm. Sr. Vice-Presidente da província, dando a feliz notícia de que, em 13 de Maio corrente, fora sancionada a lei que concede a liberdade plena a todos os infelizes que no Brasil ainda gemiam sob o jugo da escravidão.

Ao terminar, o Sr. Presidente da Câmara Municipal essa leitura, foi vitoriada a Câmara, os Deputados, o Ministério de 10 de Março, a Princesa Regente e os abolicionistas da escravidão no Império.

Saíram as autoridades e o povo, acompanhados da banda marcial, a percorrerem as principais ruas da cidade.

Era um gosto verem-se iluminadas à capricho as casas dos adeptos da humanitária ideia, e turvas e fechadas as dos ferrenhos amantes da escravidão.

Ao passar o cortejo em frente do sobrado onde mora o Dr. Jovino da Luz, recitou este uma bela poesia que foi bem aplaudida. Em frente à residência do Dr. José Francisco da Silva Porto, digno Juiz de Direito da Comarca, parou o cortejo para ouvir um bem pronunciado discurso desse distinto cidadão, o qual terminou erguendo vivas à Princesa Regente, aos Conselheiros Dantas e Joao Alfredo e a Joaquim Nabuco, pelo triunfo alcançado.

Daí segui para rua da matriz, e ao passar em frente à casa onde reside o Dr. Juiz Municipal, este pronunciou um eloquente discurso, onde historiou a batalha começada em 1830, pela proibição do infame tráfico de africanos. Rememorou o histórico dessa campanha, data por data, nome por nome dos protagonistas mais salientes, que na tribuna das câmaras, quer na imprensa.

Mostrou, com vivas cores, os horrores dessa hidra chamada escravidão, e concluiu pedindo aos libertos que não abusassem desse direito sublime que hoje adquiriram e finalmente ergueu vivas à nação, ao Imperador, à Regente e aos lidadores em prol da liberdade.

Ao passar oc rotejo pela frente da Igreja matriz, estava esta aberta e iluminada, e do adro, uma pessoa, cujo nome ignoramos, erguia vivas análogos ao festejo.

Seguiu o cortejo para outras ruas, e, ao passar pela do comércio, teve de ouvir um discurso do Cap. João Alves Feitosa Franco, análogo ao festejo.

Finalmente, passando pelo escritório da Redação do Trabalho, tivemos mais uma ocasião de ouvir o ilustre Sr. Dr. Gonzaga de Araújo que fez a apoteose da Imprensa que lutou sem tréguas em favor da santa causa.

Aí couberam elogios aos distintos escritores Nabuco, Bocaiuva, Patrocínio e outros.

Findo este eloquente discurso, coube a palavra ao Professor Soares de Mello o qual declarou que não obstante dizerem uns que o Brasil é nação livre desde 7 de Setembro de 1822, outros desde Julho de 1823, ele só a considerava verdadeiramente livre depois de 13 de Maio corrente, porque desde esse dia é que se pode dizer que os homens são iguais perante a lei.

Disse ainda que exultava de prazer porque essa lei, como a de 28 de setembro de 1871, fora sancionada pela Princesa Imperial regente, que a Providência divina destinara para ser quem completasse a obra começada por seu venerando avô o Snr. D. Pedro I, fundador do Império do Brasil. Ainda comparando a libertação dos escravos dos Estados Unidos da América com a do Brasil, congratulou-se com todos os brasileiros por não ser precisa aqui a luta armada para vigorar tão santa causa.

Do escritório da Redação do Trabalho, seguiu o cortejo festivo para a rua da Praia, e em frente à casa nº 30, centro do festejo dos pretos, deram-se vivas ao Imperador, deram-se vivas ao Imperador, à Regente, ao gabinete de 10 de Março, à Nação livre e aos abolicionistas do Império.

Ai findou a passeata semi oficial para ter início a festa dos libertos os quais, com a urbanidade de que podem dispor, convidaram autoridades e povos a servirem-se de uma chávena de chá, que foi servido com toda regularidade.

Findo isto, às 10 e meia da noite, começou (entre os libertos) o clássico coco que durou até às 5 da manhã.

Notou-se uma cena indescritível ao entrarem os libertos na Casa da Câmara Municipal.
Existia ali um quadro com os retratos do Deputado Nabuco, do Dr. José Mariano; um dos pretos perguntou quem eram os originais e disseram,-lhe que eram dois abolicionistas denodados, ele ajoelhou-se, e na sua linguagem rude, agradeceu-lhes o benefício que fizeram aos míseros escravizados, derramando lágrimas que sensibilizaram o auditório.

O liberto que assim procedeu  era um, daqueles cujo sem hor nçao costumava maltratar os infelizes que tinha como escravos.
Imagine-se o que não fariam aqueles que eram tratados como brutos, isto é, como coisas e não como pessoas!
Não sabemos se está finda a festa, porque consta-nos que os pretos oferecerem aos abolicionistas, um jantar no domingo 27 do corrente.

Daremos conhecimento ao público do que for ocorrendo com relação aos aludidos festejos, tão discretamente promovidos por aqueles que desejavam ardentemente a liberdade de seus semelhantes, e a igualdade social.