sexta-feira, 8 de maio de 2020

Luiz Sávio de Almeida. As grandes dívidas e as grandes amizades: Missionário Bill Ellison e Pastor Silas Alexandrino



As grandes dívidas e as grandes amizades: Missionário Bill Ellison e Pastor Silas Alexandrino

                Sempre me interessei sobre a história do protestantismo em Alagoas e sempre, ao longo das pesquisas, fui tomando notas, sem dúvida motivado pela longa experiência que tive junto aos presbiterianos e, por outro lado,  pelos seus inícios em Alagoas.  Minha convivência com os presbiterianos veio de ter sido aluno interno do Colégio XV de Novembro durante três anos. Eu morava em Palmares, Pernambuco, estudava no Ginásio Municipal e meu pai resolveu, sob o argumento de dar-me melhor educação, retirar-me das imensas farras que já começavam  e realizadas com fantásticos amigos daquela cidade inesquecível.
          Sair da farra e da zona (já frequentada) chamada Coreia e ir para uma vida presbiteriana foi uma mudança extraordinária. E logicamente, de um grande choque, dando-me a dificuldade de convivência que me colocou na categoria de mau elemento, muitas vezes suspenso, muitos castigos e tudo dentro de uma ambivalência:  a religião era extremamente respeitada por mim e não a estratificação social do internato, dividida em três categorias: a) candidatos ao ministérios, b) os normais e c) os pecadores altamente pecaminosos. Como disse certa feita um colega da época, nem sequer duvidavam. Atrasaram o relógio que dava  ordens ao cotidiano do Colégio e o quem foi levava logo a Sávio. Eu não era boa peça, mas não era responsável por tudo.
Na verdade eu não valia grande coisa, mas não era tão mau: esqueceram de me converter para me punir.  Aliás, fui praticamente expulso do colégio por algo que nunca cometi. Eu sempre fui o que se chamava de presepeiro, mas nunca de imoralidade, sacanagem. Escreveram uma série de nomes feios nas paredes internas do colégio e disseram que tinha sido eu. Tremenda injustiça: eu estava limpo.  Mas jamais me voltei contra a religião, pelo contrário, pois eu sempre participava atentamente dos cultos e me sentia bem. Não era por ser o XV de Novembro e nem era por ser presbiteriano. A vida em internato tem uma forma opressiva.  E eu era rebelde. Contudo, volto  a afirmar, minha praia era a da molecagem e não a da safadeza.
E aqui vai um pedido de desculpas ao cozinheiro do Colégio: seu Félix, um homem extraordinariamente bom. Ele tinha uma cantina e invariavelmente todos os dias, eu chegava e dizia por dois ou três anos: Seu Coca, me dê um Félix! No princípio, ele olhava espantado mas depois já entregava rindo e eu ficava rindo com ele. Um professor vinha passar um castigo – do tipo escreva mil vezes a frase: Eu sou bom; eu devo prestar atenção às aulas –  e eu dizia: Professor, faço sim, mas só o senhor entrando na fila! Era muita presepada. Pois bem, saí mesmo injustamente, sem a menor queixa,  e tenho saudade do Colégio, mas muito mais da Igreja. Vez em quando, tenho vontade de ir a um culto; eu tenho carinho pela Igreja Presbiteriana; sem dúvida tenho.  Ainda sei de cor, grande parte do antigo hinário com seus corinhos e seus hinos.  Ainda guardo a Bíblia que me deram quando terminei o Ginásio.
Infelizmente, como eu disse, preferiram me punir a me converter. Mas, no meio deste foi-Sávio-quem-fez encontrei pessoas extraordinárias, como a inesquecível Ivonita Guerra, minha professora de Latim e Espanhol. Foi dela que soube que Gallia est divisa omminia in parte  tres  e também a história da Caperucita Roja: Toda Gallia é dividida em três partes e Chapeuzinho Vermelho. Deu atenção, conversava, aconselhava e não recriminava. Jamais a esqueci; morava perto da estação do trem. Era da 1º Igreja de Garanhuns e, infelizmente, faleceu.
Na minha turma havia uma menina, bonita e gente muita fina,   gente do lado de Itabuna,  irmã de Adauto, hoje médico em Salvador, de onde eram mais dois alunos: o Hermes e o Raimundo que faleceu em São Paulo. Hermes era candidato ao ministério e tão moleque  quanto eu, mas nas conveniências de sua bolsa. Eu morria de rir com ele, que chegou a ser companheiro do quarto 11. Comia na minha mesa, como a gente dizia, cujo censor era o Amadeu, de quem não tenho notícia. Ocorreram cenas nesta mesa, que somente um grande cineasta poderia montar.  Hermes sumiu no meio do mundo, nem nas Igrejas de Itabuna consegui informações sobre ele.
Pois bem:  a menina era Zenaide Magalhães, colega de classe, ficava no Internato Feminino, dirigido pela Miss Nancy, missionária, professora de inglês, passou um dever: fazer uma versão  para o inglês e então a turma morria de rir, pois fiz a versão do Buraco do tatu do Luiz Gonzaga e de uma marchinha de carnaval: As águas vão rolar. E ainda por cima, cantei. Zenaide hoje em Salvador, salvadorenha brasileira. Ainda bem, que tem um ponto depois de cantei. Meu melhor amigo no internato é hoje psiquiatra em Londrina, naquela região: Lúcio Araripe Júnior. Ele me disse e tem razão: saímos do internato com o caráter construído. Não era brincadeira. A meta do Lúcio era ler todos os livros da biblioteca do colégio.
No meio disto tudo, aparece Bill Ellison. Sempre esteve comigo e me tratava como uma pessoa a conquistar e não a reprimir. Foi muito importante. Voltou para os Estados Unidos, faleceu de um enfarto fulminante; ensinava matemática em sua universidade de lá. Sempre me ajudou; jamais me repreendeu e sempre aconselhava. Inventou de fazer um jornalzinho do Colégio e me convidou para escrever. Foi meu o primeiro editor que me publicou e o artiguinho era sobre a vida das formigas, pois eu era impressionado com a organização da sociedade de cupins e adjacências. Toda vez que termino um trabalho, sorrio para ele, que está enterrado, vítima de um enfarto fulminante. Voltou para os Estados Unidos, foi ensinar em uma universidade, era matemático e morreu. Parece-se que a esposa ainda é viva, é pastora.
Por fim, eu quero falar de um pastor que foi de extrema importância em minha vida.  Era candidato ao ministério, mas nunca o vi assumindo a postura de Censor. Depois que saiu do XV foi para o  seminário e começou sua carreira. Sempre nos encontrávamos e muitas e muitas vezes saí de Maceió para ouvir um seu conselho e coisa assim. Morreu. Quando pessoa em um amigo, ele sempre aparece com o seu abraço e seu sorriso limpo. Quando me via gritava: Caraaaaaaaaaaaa!
Pois bem,  sem dúvida estas notas não dependem deles, mas giram, também, em torno deles, pois gostaria imensamente de saber o que diriam sobre elas.  Saí do XV de Novembro, sem dúvida uma outra pessoa e como diz o Lúcio Araripe, de fato fomos formados nos embates de viver. Jamais posso deixar de reconhecer como foi importante e nisto penso pelo menos em quatro aspectos: a)  respeito ao pensamento diferente; b)  assumir posição em um coletivo cheio de contradições e c) detestar, como chamávamos, o delator, que sempre terminava levando uma merecida lixa e d) finalmente, o hábito da leitura da Bíblia, pois afinal de contas a Bíblia terminava sendo estudada em classe e o que participei de culto, não foi pouco. Um dia escreverei minhas memórias daquele tempo de internato; seria ele visto por baixo, pelo olhar do moleque e não pelo olhar da lei. Aliás comecei quando andava pelos Estados Unidos e o título foi The Third Culture. Acho que ainda tenho isto e seria um bom começo.