quinta-feira, 23 de abril de 2020

Memória da Pandemia nas Alagoas (VIII): Luiz Sávio de Almeida Até aí, morreu o Guedes: o general e o futuro

As suspeitas de "negócios ocultos" do ministro Paulo Guedes ...
Até aí, morreu o Guedes: o general e o futuro

Luiz Sávio de Almeida

Professor Doutor e Emérito da  Universidade Federal de Alagoas

Do ponto de vista de ação governamental, hoje, na área de saúde, houve um interessante pronunciamento do Ministro Braga Neto; ainda não tenho condições de falar, de interpretar, mas, para mim, uma coisa parece certa: o liberalismo de Guedes está meio capenga.  Isto é uma posição que, sendo verdade, muda um pouco o modo como estava sendo pensada a recuperação do país, que jamais poderia prescindir da ideia objetiva de planejamento, o que implica em forte presença do estado. 
Para mim, um dos grandes desvios de rumo do Brasil nestes dias conturbados foi, justamente, o caminho do tipo de liberalismo doutoral de Chicago, que, por vezes, quando foi mexer na aposentaria, nos deu o Chile como exemplo maior, até que o Chile teve suas ruas em guerra. Eu não duvido da capacidade intelectual do Guedes: jamais faria isto, mas não considero  que uma pessoa a raciocinar do ponto de vista das engrenagens do alto capital, seja  capaz de conceber as sutilezas sociais de um “subdesenvolvimento” como o nosso e sair com uma proposta onde a mudança seja vista na complexidade estrutural que tem.
Para sairmos do embrulho, eu não tenho dúvida: o velho planejamento deve voltar, mas lembro aqui de um “antigo” sociólogo que deixou de ser citado e que era o Gunder Frank, ao dizer que a América Latina era o cemitério do planejamento. Deixando isto de lado, se o planejamento entra no contexto, o estado que o vai gerenciar tem que estar apto para isto e, neste sentido, algumas condições deverão ser buscadas:  o que se vai propor deve sempre estar em diálogo,  não se pode deixar que o “velho” absorva o novo como se usa fazer e se deve deixar que a modernização a ser realizada procure maximizar a igualdade. Não se pode querer que o planejamento equalize a sociedade, mas que pelo menos aproxime-se de um objetivo que não  é fantástico e nem mera fantasia:  nós não somos apenas iguais perante a  lei, mas, sobretudo, perante a vida. A liberdade se traduz em coisas concretas: a de vestir, de comer, de morar.
É muito difícil a nação andar, com um Presidente a dizer que a Constituição é ele.  Este tom vai ter que mudar, mas, em resumo desta conversa de hoje, acho que as ideias de planejamento  e de intervenção vão se impondo: não há, pelo que supomos, recuperação sem planejamento. Os exemplos são muitos. O que precisamos é ter um estado consequente e uma profunda renovação estrutural. Como será se é que será? Não vejo nisto tudo, uma ideia de um Plano Marshall ou de recuperação da terra arrasada que foi o Japão e nem mesmo o combate americano aos tempos de depressão.
Os países vão ter que começar a descobrir os seus rumos e nós vamos ter que descobrir os nossos. Pelo menos, o Ministro demonstrou que enuncia teses,  que enxerga uma articulação entre economia e estrutura e que  parece entender: a salvação de uma, depende da salvação da outra.  Não sei o que o Ministro vai detalhar, mas pelo menos existirá o que discutir. Suponho que Guedes nada iria poder propor,   e isto por insuficiência teórica de seu modelo que implica em determinada proposta de economia política.
Que é preciso retomar a economia, ninguém duvida, acho eu.  O Brasil não suportará muito mais tempo e eu ainda acho que esta confusão nos levará às proximidades de Julho, rezando-se para que não haja uma segunda onda a depender das consequência de políticas quanto ao isolamento e quanto o que o virus tem ainda a revelar.  O positivo disto tudo,  é que a retórica do tipo de liberalismo de Guedes, parece estar perdendo posição: quem sabe, nasça outra com um perfil mais humano, no sentido da reconstrução pelo pobre, pelo máximo de nivelamento de oportunidades de acesso aos bens e serviços gerados pela produção. A pergunta que faço, nem é ao governo Bolsonaro, mas destina-se ao estado brasileiro: o quanto é preciso que mude, para que haja mudança?  E o tempo que é, como se usa dizer, implacável?
São muitas as implicações em um plano de reestruturação e não seria exgerado dizer que deve pretender refazer o Brasil.  Suas teses são uma coisa, suas metas são outros, o modo de se fazer ainda é outro, mas vem uma pergunta essencial: qual o país que se deseja emergindo desta crise? E esta questão andará, também, pelos recursos. É muito caminho a andar e o pior é que é urgente. Então, melhor pensar em pequeno passos de correção e ir ampliando. A cautela talvez seja mais do que oportuna.
Para isto o país precisa poder andar. É incrível este possível choque entre a urgência e o longo prazo. Como se vai resolver isto? Com que dinheiro o país enfrentará? Pelo menos, o General tinha o que dizer da forma que disse. O Guedes... Uma vez li uma frase incrível e acho que em um texto do Aloísio Azevedo: "Até aí  morreu o Guedes!".

Esta série tem por objetivo publicar depoimentos sobre  como se pensa e se lida com o Corona em Alagoas.  Está aberta a toda e qualquer pessoa, de qualquer tendência. É uma documentação organizada, sobretudo, para um futuro estudioso de como a epidemia foi vista e vivida em Alagoas. O material será publicado  paulatinamente no  suplemento Campus do jornal O Dia. Está sendo  organizado por Carlos Lima, Mestre em História pela Universidade Federal de Alagoas e Luiz Sávio de Almeida. O blog pode discordar de parte ou do todo da matéria por ele  publicada.