segunda-feira, 27 de abril de 2020

Isadora Padilha. O melhor remédio nessa pandemia é agir com cidadania.. Memória da pandemia nas Alagoas (XVI)


O MELHOR REMÉDIO NESSA PANDEMIA É AGIR COM  CIDADANIA
Isadora Padilha
Mestre e pesquisadora sobre Alagoas


Pandémie et citoyenneté
Pandemia y ciudadanía
Pandemic and citizenship

Em tempos da maior crise social enfrentada pela humanidade desde a Segunda Guerra Mundial, o global nos convida a retomar nosso olhar para o local, para nossas próprias comunidades e laços: família, amigos e também aquele próximo bem próximo, ao alcance das nossas mãos. Não há espaço para individualismos: um vírus nos conectou a todas e todos, nos relembrando que o ecossistema das relações é um só, assolado por marcas profundas.
Assim, a pandemia do coronavírus (COVID-19) aponta que nossas ações afetam a todas e a todos, notadamente quanto à sociedade injusta que temos construído, escancarando o apartheid social em que vivemos. Se as recomendações são de afastamento e manter-se em casa, torna-se cada vez mais evidente que isolar-se é um privilégio para quem pode – afinal e quanto a quem nem mesmo possui uma casa? Trata-se, portanto, de algo contundente: estamos dizendo que sem suporte, uma grande parcela da população, em condições mais vulneráveis, corre o risco de não ter a oportunidade de sobreviver à pandemia, tornando o DIREITO À VIDA um privilégio das pessoas com condições financeiras asseguradas.

A luta pela sobrevivência, obviamente, não é uma novidade para essa população. Esse apartheid está estabelecido territorialmente nas cidades e há tempos distingue os lugares onde o investimento público se concentra, em detrimento daqueles onde o investimento escasseia. Em Maceió, a dicotomia orla marítima e orla lagunar se faz gritante, assim como a distinção com as periferias mais distantes situadas na parte alta. Em termos de segmentos, os atores mais fragilizados são aqueles costumeiramente invisibilizados: pessoas em situação de rua, a população pobre (em grande parte negra), a população LGBTQI+ e os idosos.
Nesse momento em que tanto se discute estado mínimo, as políticas públicas de universalização da saúde se tornam cruciais para a população, especialmente a mais vulnerável. Ao mesmo tempo, a inclusão digital perversa também se torna outra questão de reforço à desigualdade, lembrando a necessidade de debater e implementar políticas públicas de universalização de acesso ao digital a toda uma faixa de pessoas que não estão conectadas às inúmeras possibilidades de informações e serviços. No entanto, o que é esse aspecto diante da questão ainda mais gritante da falta de infraestrutura urbana dos lugares periféricos? Numa cidade onde o índice de esgotamento sanitário apresenta uma média de 35%, a falta de saneamento da baixada lagunar beira os 90%, num contexto em que o combate a pandemias, epidemias e surtos de doenças de qualquer espécie depende de hábitos de higiene como lavar as mãos – enquanto isso, pessoas que já conviveram com surtos de bicho de pé habitam em meio ao lixo a céu aberto e dejetos lançados sem tratamento nos cursos d’água.

Mas a potência dessas vidas, que sobrevivem em meio a tantos obstáculos, não pode ser ignorada. Nesse sentido, a pandemia também evidenciou toda uma rede de apoio organizada nesses territórios e pelos próprios atores sociais. Essa rede precisa ser antes de tudo reconhecida, na sua importância, pela sociedade e fortalecida em seus esforços, e incluída pelo poder público na construção das políticas públicas para os lugares, em função do suporte que as entidades e grupos vêm prestando às comunidades, haja vista a confiança que apresentam junto à população e a capacidade de mobilizar[se] e representar os anseios e as demandas dessas comunidades.
Tenhamos em mente que cada papel é importante. O papel de cada um e cada uma de nós em promover os esforços dessa rede – a lista é ampla e variada e com certeza há maneiras pelas quais podemos, sim, fazer a nossa parte. O papel dessa rede emergente do terceiro setor, exercido até com mais presteza do que o próprio governo. Mas não menos importante é o papel do poder público, que é de fato inalienável e precisa ser cumprido. Seja por onde vier, não tenhamos dúvidas - nos tempos que seguem, o melhor remédio nessa pandemia é agir com cidadania.

Esta matéria foi publicada no suplemento Campus do Jornal O Dia.

Esta série tem por objetivo publicar depoimentos sobre  como se pensa e se lida com o Corona em Alagoas.  Está aberta a toda e qualquer pessoa, de qualquer tendência. É uma documentação organizada, sobretudo, para um futuro estudioso de como a epidemia foi vista e vivida em Alagoas. O material será publicado  paulatinamente no  suplemento Campus do jornal O Dia. Está sendo  organizado por Carlos Lima, Mestre em História pela Universidade Federal de Alagoas e Luiz Sávio de Almeida. O blog pode discordar de parte ou do todo da matéria por ele  publicada.